PARTE 3 - O VITORIOSO

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  Tapo a boca com as mãos, mas o som já escapou. O céu fica preto e escuto um coro de sapos começando a cantar. Que idiotice! Que ideia mais idiota! Espero, paralisada, a floresta adquirir vida com a presença de agressores. Então, lembro-me que quase ninguém sobrou.
Peeta, que está ferido, agora é meu aliado. Quaisquer dúvidas que eu tenha tido em relação a ele estão dissipadas porque se um de nós tirar a vida do outro agora, seremos considerados párias quando retornarmos ao Distrito 12. Na realidade, sei que, se estivesse assistindo, eu odiaria qualquer tributo que não se aliasse imediatamente a seu companheiro de distrito. Além disso, faz todo o sentido do mundo um proteger o outro. E, no meu caso – na condição de parte integrante dos amantes desafortunados do Distrito 12 –, é um requisito absoluto se desejo mais alguma ajuda de patrocinadores solidários.
Os amantes desafortunados... Peeta deve ter desempenhado esse papel o tempo todo. Por que outro motivo os Idealizadores dos Jogos teriam feito essa mudança sem precedentes nas regras? Para dois tributos terem o direito de sentir o gostinho da vitória, nosso "romance" deve estar tendo uma repercussão tão grande junto ao público que condená-lo colocaria em xeque o sucesso dos Jogos. Não graças a mim. Tudo o que fiz foi no sentido de não matar Peeta. Mas o que quer que ele tenha feito na arena, deve ter convencido o público de que o fez para me manter viva. Balançar a cabeça em negativa para me impedir de correr para a Cornucópia. Lutar com Cato para me deixar escapar. Até a aliança com os Carreiristas deve ter sido uma estratégia para me proteger. Peeta, ao que parece, nunca representou uma ameaça para mim.
A ideia me faz sorrir. Solto as mãos e levanto o rosto na direção do luar, de modo a garantir que as câmeras tenham uma excelente tomada.
Então, dos que sobraram, quem devo temer? Cara de Raposa? O garoto do seu distrito está morto. Está agindo sozinha, à noite. E sua estratégia tem sido se esquivar, não atacar. Acho que, mesmo que ouvisse minha voz, ela não faria nada. Simplesmente esperaria alguém me matar.
Em seguida, temos Thresh. Tudo bem, ele é uma ameaça especial. Mas não o vi, nem uma única vez, desde que os Jogos começaram. Imagino como Cara de Raposa deve ter ficado em pânico quando ouviu um barulho no local da explosão. Mas ela não entrou na floresta, foi na direção exatamente oposta. Foi na direção daquela área da arena que vai dar não sei onde. Tenho quase certeza de que a pessoa de quem ela fugiu era Thresh e que aquele é seu domínio. Ele nunca teria me ouvido de lá e, mesmo que tivesse ouvido, estou numa posição alta demais, mesmo para alguém de seu tamanho alcançar.
Então, restam Cato e a garota do Distrito 2, que certamente devem estar celebrando a nova regra a uma hora dessas. Entre os que restaram, são os únicos que se beneficiam da mudança além de Peeta e eu. Será que devo fugir deles agora, sabendo que me ouviram chamar Peeta? Não. Deixe que eles venham. Deixe que venham com seus óculos de visão noturna e seus corpos pesados que nenhum galho suporta. Diretamente para o alcance de

minhas flechas. Mas sei que não virão. Se não vieram até mim de dia, não vão arriscar entrar à noite no que poderia ser mais uma armadilha. Quando vierem, será nas suas condições, não porque permiti que descobrissem meu paradeiro.
Fique preparada e durma um pouco, Katniss, instruo a mim mesma, embora meu desejo fosse começar a procurar Peeta agora mesmo. Amanhã você o achará.
Consigo dormir, mas de manhã estou supercautelosa, imaginando que apesar de os Carreiristas estarem hesitantes em me atacar na árvore, são totalmente capazes de preparar uma emboscada para mim. Tomo todas as precauções possíveis para me preparar para o dia – ingerir um farto café da manhã, verificar a mochila, deixar as armas a postos – antes de descer. Tudo lá no chão, porém, parece tranquilo e sem perturbações.
Hoje, terei de ser escrupulosamente cuidadosa. Os Carreiristas saberão que estarei tentando localizar Peeta. Eles podem muito bem querer esperar até que eu o encontre para só então agir. Se ele estiver tão ferido quanto Cato supõe, serei obrigada a defender a nós dois sem qualquer assistência. Mas se ele está tão incapacitado assim, como conseguiu permanecer vivo? E, por tudo o que é sagrado, como é que conseguirei encontrá-lo?
Tento pensar em qualquer coisa que Peeta tenha dito que possa me dar alguma indicação de onde está escondido, mas nada me ocorre. Então, retorno ao último momento em que o vi brilhando na luz do sol, gritando para que eu corresse. Em seguida, Cato apareceu de espada em punho. E depois que saí de lá, ele feriu Peeta. Mas como Peeta escapou? Talvez tenha reagido melhor ao veneno das teleguiadas do que Cato. Talvez essa tenha sido a variável que lhe permitiu escapar. Mas ele também foi ferroado. Então, até onde poderia ter ido, golpeado e cheio de veneno? E como tem conseguido permanecer vivo desde então? Se o ferimento e os ferrões não o mataram, certamente a sede já teria acabado com ele depois de todos esses dias.
E assim descubro a primeira pista do seu paradeiro. Ele não poderia ter sobrevivido sem água. Sei disso por causa dos meus primeiros dias aqui. Ele deve estar escondido em algum lugar próximo a uma fonte. Tem o lago, mas acho essa opção bastante improvável já que é muito próxima do acampamento dos Carreiristas. Há algumas piscinas naturais. Mas a pessoa seria um alvo muito fácil deitado em uma delas. E o riacho. O que começa no acampamento que Rue e eu fizemos, passa perto do lago e desemboca em algum lugar além. Se ele se manteve próximo ao riacho, teve a possibilidade de mudar sua localização sem precisar se afastar da água. Ele pode ter caminhado na água sem deixar rastros. Pode até ter conseguido pescar um ou outro peixe.
Bem, de qualquer maneira, já é um começo.
Para confundir a cabeça de meus inimigos, acendo uma fogueira com muita madeira e folhas. Mesmo que imaginem que se trata de um truque, espero que eles tenham como certo que estou acampada em algum lugar próximo a ela. Quando, na verdade, estarei no encalço de Peeta.
O sol derrete a névoa matinal quase instantaneamente, e posso garantir que o dia vai ser mais quente do que o habitual. A água está fria e agradável nos meus pés descalços à medida que desço o riacho. Fico tentada a gritar o nome de Peeta enquanto ando, mas decido não fazer isso. Terei de encontrá-lo com meus olhos e com o ouvido bom, ou então ele terá de me encontrar. Mas ele saberá que o estou procurando, certo? Ele não terá um conceito tão ruim de mim a ponto de imaginar que eu ignoraria a nova regra e permaneceria fazendo tudo sozinha, não é? Ele é muito imprevisível, o que talvez seja interessante em outras

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