CAPÍTULO 2 - Pra Cima de Muá?

16 4 4
                                    

"Mão, cheia de dedo

Dedo, cheio de unha suja

E pra cima de mim? Pra cima de muá? Jamé, mané!

vai se arrepender de levantar a mão pra mim [...]"

Maria da Vila Matilde - Elza Soares


Alguém deveria me prestar condolências pela minha falta de sorte, não era possível existir um ser humano na face da terra com mais azar que eu. Em menos de um dia, morri atropelada por causa da minha grande inimiga e reencarnei como a vilã do meu dorama favorito. Ninguém nunca disse que a vida do otaku é fácil. A única parte boa até agora era saber que conheceria meus personagens favoritos ao vivo e em cores. Ver Su-Ho se rendendo ao charme feioso da Joo-Kyung já compensaria os efeitos do meu azar.

― Doutor, ela está melhor? ― Antes de abrir meus olhos, a voz de Kim Ji-Yeon, a mãe de Soo-Jin, soou meio preocupada e ansiosa ao meu lado. ― O que há de errado dessa vez?

― Nada, senhora! ― O médico parecia meio entediado, como se visse situações assim o dia todo. ― Creio que tudo foi apenas um efeito da quantidade de remédio que ela ingeriu. Mesmo que a lavagem estomacal tenha sido bem feita, algo deve ter sido absorvido no estômago. Essa deve ser a causa da dor repentina.

― Então, ela vai ficar bem?

― Claro, só dê alguns dias para ela descansar e estará nova em folha. ― Eu não vi, mas sabia que o médico tinha se retirado do quarto.

Foi então que eu abri os olhos e avistei a expressão de alívio no rosto da minha suposta mãe ao perceber que eu estava acordada novamente.

― Você está bem, minha filha? ― Sua voz ficou embargada devido as lágrimas que se acumularam nos seus olhos. ― Sente alguma dor?

― Eu estou bem... Mãe.

Era difícil chamar outra mulher, que não fosse Amanda Alencar, de mãe, mas eu deveria fazer o sacrifício. Quanto mais rápido eu me acostumasse com minha nova realidade, mais fácil seria. Se eu dissesse que não era a verdadeira Kang Soo-Jin, eles me prenderiam na ala psiquiátrica do hospital e sem previsão de saída. Fora que isso era realmente verdade, já Kang Soo-Jin e eu éramos uma só agora. Que merda!

Aliás, meu coreano parecia o de um falante nativo e, de certa forma, era mesmo. Achei que seria menos complicado começar a me comunicar em coreano para não despertar tantas dúvidas das pessoas ao redor. Com as lembranças de Soo-Jin se mesclando às minhas, eu sabia falar sua língua. E para todos os efeitos, eu era uma nativa agora. Porém, por mais que eu estivesse usurpando o corpo original de Soo-Jin, meus pensamentos continuavam em português. Graças aos deuses da reencarnação, eu não perdi a capacidade de me comunicar com outros brasileiros pelo menos.

― Que bom, minha filha! Fico tão feliz que esteja bem. ― Ela se aproximou e deixou um beijo nos meus cabelos. ― Você é minha garota preciosa e inteligente.

Quem a visse assim poderia até se enganar e dizer que Soo-Jin era sua primeira opção. Contudo, eu não acreditava que isso fosse verdade. Apesar de ter pais, Soo-Jin sempre esteve sozinha. E por mais que me custasse admitir, eu não a odiava no dorama, mas também não gostava. No início, ela era uma musa empoderada, melhor amiga da personagem principal, mas acabou se tornando alguém falsa e manipuladora no decorrer dos episódios, principalmente após perder algo que nunca teve, o Su-Ho.

O problema é que eu não poderia culpá-la. Pela onda de lembranças e por ter assistido o dorama, sabia que sua vida nunca havia sido só flores. Com a família que tinha, suas atitudes eram totalmente explicáveis. Um pai controlador e agressivo, uma mãe omissa. Isso não justificava suas ações escrotas em apunhar sua melhor amiga por causa de macho, mas eu podia entender o motivo da sua tentativa de suicídio. Soo-Jin preferia morrer por intoxicação medicinal do que passar por uma nova onda de agressão, insultos e cobranças dentro da sua própria casa.

Uma Beleza Quase Verdadeira * Han Seo-JunOnde histórias criam vida. Descubra agora