A MANILHA

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A carta especial. A manilha da rodada sempre será uma carta acima da que foi tombada. Não é sobre pôquer ou truco, é o jogo da vida, a cartada seguinte que definirá sua história.

A morte é calma e silenciosa, não há histeria quando ela surge das sobras. Nada se vê, nada sente, agradecemos e seguramos em suas mãos. Me tire daqui, foi o que eu disse. Senti minha alma indo para as profundezas do labirinto escuro e frio, uma névoa densa surgiu em direção de meus olhos, era ela a morte.

Me lembro de estar no banheiro me olhando no espelho, meu reflexo não estava normal, meus olhos estavam se revirando, minha língua estava se dobrando para dentro da garganta. Em seguida, contra minha vontade, meu corpo pesou em direção à cama, caindo em cima da cama, eu olhei para cima, eu vi ela se aproximando em uma neblina escura e vindo por cima de mim. Quem me acompanhava naquela noite, estavam apavorados, eu podia vê-los e ouvi-los, mas eu não conseguia dizer uma palavra sequer. Lembro de eles gritarem dizendo que eu não ia voltar, lembro também de uma conversa sobre descartar meu corpo, esquartejar e enterrar em algum lugar. Eu não devia estar ali, não devia ter consumido mais de 40 gramas de cocaína, eu era apena uma criança, com adultos que, no caso, eram traficantes. Eles não eram meus amigos, parentes ou sequer colegas, eram fornecedores de drogas, eram o alívio da minha depressão, o sumiço da minha existência, para onde eu fugia da realidade.

Admito que, naquele momento eu estava em paz, abracei o ceifador, eu não estava aceitando algo, eu estava pedindo por isso. As memorias da minha infância devoravam minha vontade de viver, os pesadelos, eu podia senti-los durante o sono, se perder em um subconsciente danificado durante o dia ou um certo horário, momentos felizes em que me passava imagens de um desastre que poderia acontecer a qualquer momento. Já imaginou esse sentimento? Não é fácil ter esse sentimento e esse tipo de pensamento na adolescência, ainda mais quando se envolve drogas.

Me lembrei do êxtase que sempre tive ao olhar para cima e ver as folhas nos galhos da arvore, a chuva caindo sobre as folhas, a terra seca abaixando, eu subia até o topo da arvore e admirava todo o verde lá de cima. Enquanto minha vida se esvaziava de mim, foi isso que senti, senti falta da chuva, das folhas e da terra molhada, por algum motivo, senti que era meu lar, eu queria ir para lá, queria ir para casa.

Conseguiram me trazer de volta a consciência, e com ela, a grande vontade de voltar para aquele estado. Eu queria ir para casa mas, lá não tinha o que comer tanto quanto onde eu estava também não tinha alimento. Eu queria abraçar minha mãe, mas o efeito da cocaína ainda estava forte, e minha visão estava desfocada, eu ainda estava tendo alucinações, eu não podia vê-la naquela condição.

Quando acordei, eu estava nua e em cima da cama, meu corpo e cabelo estavam molhados, mas eu não sentia nenhuma dor aparente, não havia sinais de violência ou de estupro. Pelo menos, era o que aparentava, até porque a cocaína adormece todo o corpo, e em grande quantidade, é difícil distinguir a realidade. Ninguém estava no quarto, eu ouvia as vozes dos participantes que estava no outro cômodo. Me levantei e segui suas vozes até o próximo cômodo, nua e instável.

Os questionei do o que havia ocorrido, seus olhos esbugalhados, e suas expressões estavam apavorantes, eu não estava com medo, mas por olhar para suas expressões, me assustei alterada mente. Pedindo para que eu me vestisse, pois não dialogariam assim, eles se afastaram e foram para a área de fora da casa. Lembro de tudo que me contaram, pois foi inesquecível em como tudo ocorreu enquanto eu estava inconsciente, aparentemente para mim, eu estava bem, mas não era essa a verdadeira realidade.

Eles disseram que antes do ocorrido, eu reagia estranho, me levantava espontaneamente e pegava objetos perigosos como faca ou pistola. Naquele mesmo dia, um rapaz com uma energia estranha visitou a casa. Sua presença era muito desconfortante, seu olhar era de um assassino frio, com ele seguia uma sensação gelada e sombria. Em seguida, começaram a conversar sobre um possível assassinato por uma divida, eles descreviam o ato e características da vitima, era horrível! Enquanto fumavam, ele passou para outro rapaz uma pistola ponto quarenta. Me espantei, joguei o cigarro no chão, nessa hora, eu mal sabia que já estava entrendo em delírio. Ele riu de mim em seguida pegando o cigarro do chão.
Quando ele saiu da casa, o clima gelado foi com ele, pelo menos foi o que pensei, a morte caminhava ao seu lado.

Reconheci esse mesmo rapaz de uma semana atrás. Ele estava afoito em uma bicicleta, estava tão rapido que quando pulou o quebra mola, sua blusa subiu revelando um revolver em sua cintura. Aparentemente, ele não estava indo fazer uma boa ação. Por esse fato, me desesperei porque não esperava ficar frente a frente com este individuo.

Foi a mesma arma que ele havia deixado lá a qual eu estava tentando pegar. Claro que os participantes não permitia que eu continuasse o ato, tomando a pistola da minha mão.

"Você juntava cinco fileiras de cocaina e cheirava todas de uma vez", eles disseram.
Não me lembro de nada que fiz, foram apagões em que eu só acordava durante o ato. Disseram também que eu dizia coisas confusas e sem sentido, em seguida fazendo ações aleatórias e perigosas. Quando eu fui ao banheiro, tirei minha roupa e liguei o chuveiro, sai do banheiro e sentei na cama. O que eu estava pensando? Imagino que tenha sido tentativas de me acalmar inconscientemente. Me levantei e parei em frente ao espelho, em seguida, caí do banheiro para cama e convulsionei. Eles subiram em cima de mim em uma tentativa de abrir minha boca e desenrolar minha lingua, meu maxilar estava travado e minha boca estava espumando.

"Você apagou, quando soprei seu nariz, abrimos sua boca e você voltou", eles disseram.

Eu quase parti dessa para pior? O que posso dizer sobre isso? Tudo o que ocorreu na minha vida até hoje, foi graças a esse dia. Esse dia mudou tudo o que eu poderia ter sido. No mesmo dia eu tinha aula, então, me arrumei e fui novamente a casa do ocorrido. Não satisfeita, eu pedi mais 20 gramas de cocaína. Ele se espantou, mas me forneceu mesmo assim, em seguida, me ofereceu um esquema de tráfico. "Vou te dar mais 20 gramas e é com ela que você vai começar a vender". Eu aceitei, peguei e fui para escola, eu não vendi a dola, pelo contrário, eu a consumi. Durante a aula, as letras do quadro se movimentavam e minha visão desfocava. Eu pedi para professora para que me liberasse para ir para casa, eu não esava bem. Olhando nos meus olhos, a professora questionou o que eu estava sentindo se referindo à minhas pupilas dilatadas. "Apenas me deixe ir embora", me liberando em seguida.

Foi um dia de cão, desci ao inferno pela primeira vez. Descobri que fui abusada no dia de minha morte, não bastava morrer, me estupraram.
Segui a vida como se não fosse nada, eu consumia o dobro de cocaína que consumia antes. Um fato sobre isso é que, quando você chega ao ápice da cocaína, é preciso o dobro para ter uma overdose novamente, é preciso o dobro para se contentar, menos que isso não fazia efeito, era insuficiente.

Sobre o suicídio? Não faça! Se sobreviver a tentativa, terá que conviver com as sequelas.
Se pular do alto, viverá como um cadeirante, se envenenar, viverá com aparelhos clínicos, orvedose, viverá como dependente sem paladar e sem vida, sem ar e desnutrirá até morrer!
O suicídio sim é aceitar ser um derrotado, é um fracasso, aceite isso. Entenda que, tudo o que acontece de bom ou de ruim e consequências e reações de suas escolhas, saiba fazer suas escolhas ou morrerá como um fracassado!

O que um génio faria?
Graças a manilha.

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