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GABRIELA

Tento controlar minha respiração ansiosa e a vontade de roer as unhas enquanto Sr. Rodrigues analisa meu trabalho pela segunda vez, indo e voltando de uma página a outra, são dezesseis no total. Provavelmente o trabalho que mais me dediquei e do qual mais me orgulho, e agora estou aqui, insegura pelas suas expressões faciais.

-E então? -minha ansiedade solta as palavras sem minha permissão. Ele não responde de imediato.

-São incríveis, Gabriela. -ele diz, e um suspiro pesado escapa dos meus lábios, até agora não havia percebido que estava prendendo a respiração. -É um trabalho excepcional. É impressionante como você se envolve em todas as propostas que recebe.

Um elogio e tanto, não é algo que o Sr. Rodrigues costuma fazer, estou surpresa, mas aceito de bom tom com um sorriso.

-Mas... -ele diz, voltando seu olhar nas fotografias e leva a mão ao queixo. Está com aquele olhar pensativo, isso não é bom. Um "mas" nunca é bom. -Eu queria ver algo diferente de você. Quer dizer, está na cara que fotografias sociais é seu forte, e não tenho dúvidas que vai ter todo sucesso nisso. Mas está em Madrid, precisa ter trabalhos diferentes, o máximo que puder. Talento não é o suficiente aqui.

-Eu não entendo, eu já fiz outros trabalhos diferentes do que o meu habitual. Fiz mês passado um catálogo inteiro, algumas até foram escaladas para o próximo mês da Madrid Magazine.

-E fez um ótimo trabalho, foi por isso que te indiquei pra ele, você encarou bem o desafio e acho que está pronta para outro. Como eu disse, estamos em Madrid, vão ter outras pessoas com talento e um currículo extenso, eu gostaria que minha aluna preferida fosse uma dessas pessoas.

Gosto do Sr. Rodrigues e de como ele me joga no chão para me dar a mão em seguida. Eu entendo a parte do currículo extenso, mas para mim faz mais sentido dedicar meu tempo na minha especialização. Não que se tenha opção de recusar propostas quando se está de intercâmbio e precisa de mais do que esforço pra manter sua bolsa, com o tempo se aprende que as boas relações conseguem se sobrepor ao talento. Levei tempo para entender isso e conquistar as minhas, ainda mais não sendo o exemplo de pessoa extrovertida.

-Então, o que o Sr. me sugere?

Ele passa os dedos pelo bigode que insiste em manter, como se estivéssemos nos anos setenta, quando era legal ter um. Lembra muito o meu pai às vezes, até no jeito dele, sua postura, suas roupas. A linha tênue é que meu pai jamais iria se referir ao meu trabalho como algo excepcional.

-Você é colega da Camila Romero, não é?

-Sim, dividimos um apartamento agora.

Ele continua pensativo e fico curiosa em saber o que está pensando, mas não o apresso, estou aprendendo a controlar minha ansiedade. É uma das metas para esse ano.

-Bom, então deve saber que ela foi escalada para uma grande entrevista na próxima semana, de uma super produção da Netflix. Ainda não temos uma direção de câmera. Acho que seria ideal nesse caso.

Fico alguns segundos em silêncio tentando digerir a proposta. Não vejo como esse trabalho seria ideal pra mim, visto que meu estilo é fotografia de pessoas reais e em movimento, mostrar a vida como ela é. Não vejo como fotografar um cast famoso em um ambiente fechado vai me ajudar.

-Ela comentou sobre. -é só o que consigo dizer.

A verdade é que Camila tem sido insuportável nos últimos dias, pelo que entendi ela mesma precisa pensar nas perguntas que vai fazer, mesmo não sendo a pessoa mais criativa do mundo. Jornalismo por amor ou pressão do pai que foi um dos maiores jornalistas do jornal argentino nos anos noventa? As vezes sinto pena dela, pelo menos eu faço o que gosto. Com exceção... de agora.

VENENO | Matias RecaltOnde histórias criam vida. Descubra agora