GABRIELA
-Eu, me desculpa, eu... -digo ao me virar para ele, fico tão nervosa, que não falo em espanhol.
-Também não é daqui. -ele caminha em minha direção -Quem é você?
Penso em mentir, dizer que sou camareira, poderia me passar por uma, mas não estou uniformizada, mas ele me verá na entrevista amanhã, e o que explicaria minhas malas na porta? Me sinto tão idiota que não consigo responder de imediato, apenas respirar mais pesado do que meu peito aguenta. Ele deve ter percebido meu nervosismo, porque seu olhar muda de sério para preocupado, ou algo muito parecido com isso.
-Tá tudo bem, meu nome é Matias. Posso te ajudar com alguma coisa?
Fala alguma coisa Gabriela, qualquer coisa.
-Eu sei quem é você. -é o que consigo dizer, mas isso não explicaria o que faço no quarto dele, tenho certeza que deve pensar que sou uma fã invasiva -Meu nome é Gabriela, eu achei que esse quarto fosse meu, a reserva está no nome da minha amiga Camila, Camila Romero, mas ela saiu correndo, levou o cartão de acesso e me deixou com as malas, um funcionário e um sonho, é o primeiro dia dele, ele deve ter confundido com o seu colega de quarto, Franscisco Romero. Eu posso ir agora mesmo reclamar na recepção pelo engano e me lamento muito muito mesmo, eu não queria te assustar.
-Acho que não sou eu que tô assustado. -ele diz me interrompendo. Volto a não conseguir falar nada. -Olha só, isso poderia acontecer com qualquer um. É sério, tá tudo bem.
Ele passa por mim e vai até a mesa com as peônias, pegando um pedaço de chocolate e levando a boca. Parece tão despreocupado quanto normalizado com a situação, mas sei que é novo nisso tudo, então admiro em silêncio sua atitude. Acho que minha respiração pode ficar tranquila a partir de agora.
-São suas malas. -não consigo entender se está afirmando ou perguntando, mas assinto com a cabeça, permanecendo no mesmo lugar. -Posso te ajudar a levar para o seu quarto. O quarto certo.
-Eu teria que pegar o cartão na recepção antes, mas eu não...
-Eu te espero. -ele me interrompe, comendo mais um pouco do chocolate. Há algo no seu jeito de falar que me chama atenção, ele parece tão confiante, tão certo de como se comportar. Ou sou eu que não sei.
Quando volto para seu quarto, Matias está no corredor colocando minhas malas em um daqueles carrinhos, mas não vejo nenhum funcionário do hotel junto à ele.
-Achei que assim seria mais fácil. -ele diz quando percebe minha presença, eu me aproximo.
-A pergunta é: como?
-O pessoal desse hotel é bem legal, eu disse que já devolveria. -ele responde, colocando a última mala. -Vamos?
-Eu posso levar sozinha. Com o carrinho não fica tão pesado.
Ele começa a levar o carrinho pelo corredor antes mesmo de me responder.
-Eu faço questão.
É tão difícil saber o que ele está pensando, se está bravo, porque ele parece bravo, ou eu devo estar nervosa ainda, não sei. O sigo até o elevador e descemos em silêncio até meu andar, muito mais abaixo do que o seu, obviamente, como deveria ser. Cobertura? O que eu estava pensando?
Quarto 205. Os corredores são mais estreitos, a iluminação é mais baixa, ainda é lindo, mas claramente este é mais perto do orçamento que teriam para nós. Aproximo meu cartão na porta e ela se abre na mesma hora. Parece que a cada segundo que passa eu me sinto mais boba, mais exposta ao ridículo, e por mais que seja o máximo estar de frente com um dos atores do filme que passei dias pensando sobre e chorando pela história, não é nessas circunstâncias que eu gostaria que fôssemos apresentados. Por isso, sinto a urgência de que ele vá embora logo para eu lastimar minha própria existência e vergonha.
Colocamos o carrinho no quarto e ele começa a tirar as malas do mesmo.
-Pode deixar comigo. E pode... voltar para o seu quarto se quiser. Mas eu te agradeço, e me desculpa de novo.
Matias me encara por alguns segundos, que parecem longos o suficiente para trazer minha insegurança de novo. Ele sorri.
-Você não está acostumada com as pessoas sendo gentis?
-Como é? -já não sei se respondo para ele ou para mim mesma, mas ele continua, enquanto esvazia o carrinho. -Não é isso, é só que eu posso fazer isso sozinha e devolver o carrinho depois, você não tem que se incomodar.
-Não é um incômodo, é uma gentileza. -ele me corrige, mas não é esse o ponto, quero dizer. -Posso pegar uma água?
-Como eu poderia recusar uma gentileza depois disso tudo? -respondo, e para minha surpresa ele sorri.
Ele atravessa em poucos passos o pequeno quarto e abre o frigobar, pegando duas garrafinhas de água, me entregando uma. Continuo observando cada detalhe do lugar. É bem menor do que o quarto na cobertura, mas ainda assim aconchegante e com o mesmo perfume de eucalipto, talvez lavanda também. As janelas são grandes e as cortinas balançam e esvoaçam para fora do quarto.
-Não temos peônias aqui.
-Como? -ele para do meu lado na janela, ele parece mais enérgico agora que bebeu água. Realmente o clima aqui é mais quente nessa época -Está falando das flores que deixaram no meu quarto? Pode pedir para eles algumas para deixar aqui.
-Acho que eu teria que estrear um filme de sucesso antes.
-Não precisa. Seu charme de latina te garante quantos arranjos de flores quiser. -ele diz num tom sério, continuo olhando pela janela.
-É melhor eu voltar. -ele diz enquanto se afasta -Sabe como é, nunca se sabe quando tem alguém no seu quarto.
Um sorriso pretensioso cresce no seu rosto. Ele parece estar se divertindo com a situação, uma situação na qual fiquei nervosa e constrangida.
-Eu já pedi desculpas.
-E eu ouvi. Só estou brincando. -tento entender o seu humor, eu juro que tento, mas estou constrangida o suficiente pra não o acompanhar. -Você podia se divertir um pouquinho com a situação, é uma história engraçada pra contar.
-Contar pra quem? Vai falar para os seus amigos que uma fã invadiu seu quarto? Que assustei você?
Não sei porque digo isso, mas é impossível parar. Eu detesto quando jogam na cara algo do qual já pedi desculpas, se me desculpei é porque eu faria diferente se pudesse. Nada me tira mais do sério do que usar brincadeiras para jogar verdades na cara sem parecer grosseiro.
-Você me entendeu errado. -ele respira pesado, como quem cansou. -É, você me assustou sim, mas precisa entender que eu sou novo nisso tudo e esse tipo de coisa dá um certo medo. Eu chego no meu quarto e tem alguém lá, o que quer que eu pense?
-E eu pareço uma fã maluca? -é quando as palavras saem da minha boca que eu percebo que perdi o controle.
-Não uma fã, mas uma stalker. Tem uma grande diferença. -ele deixa a garrafinha na bancada e se vira. -Eu já vou indo antes que você possa interpretar errado qualquer outra coisa que eu diga.
Não o impeço ou digo qualquer coisa, só me viro de volta para a janela e ouço a porta se fechando. Levo um minuto para processar tudo o que aconteceu agora. Por que eu tenho que ser tão impulsiva? Queria não falar tudo o que penso e controlar minhas emoções, mas é muito mais fácil falar do que fazer.
Lembro do carrinho que preciso devolver, mas quando vou até a porta, Matias já o levou, porque ele é tããão gentil.
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VENENO | Matias Recalt
FanfictionNum intercâmbio em Madrid, Gabriela tem a oportunidade de participar de uma entrevista do elenco mais prestigiado do momento. Ela só precisa expandir o currículo, nada é mais importante que sua carreira -nunca permitiu que fosse. Mas uma série de ac...