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Helô observou Creusa dormindo no sofá. Já era dia e ela quase não tinha conseguido nada novo e tudo o que conseguiu, encaminhou para Laís.
Se levantou e espreguiçou-se antes de ir para o quarto. Passou a noite inteira acordada, então ponderou se iria ou não para a delegacia. Sem decisão, voltou para a sala e acordou Creusa, falando para a mais velha ir dormir no quarto. Com uma chuva de questionamentos sem respostas, Creusa deu um beijo na testa da delegada e a mandou descansar também.

Descansar... Helô quis rir. Como poderia descansar sendo que precisava achar Stênio vivo? Como poderia descansar sendo que precisava tirar Stênio das mãos da máfia? Como poderia descansar sabendo que ele está sendo torturado?
Não é um achismo. Ele está. E é a única certeza que Helô tem: a tortura física e psicológica que uma máfia pode fazer. Então como ela poderia descansar diante disso?

A delegada pegou o celular da mesa, perto do notebook e das suas anotações e abriu a conversa com Yone.

"Segura as pontas para mim hoje? Não dormir ainda investigando o caso do Stênio. Preciso descansar."
Enviou a mensagem e foi para o quarto. Seu corpo pesava, seus olhos fechavam automaticamente, mas sua mente estava barulhenta demais. Sentou na cama e olhou para a cabeceira que ficava do lado dele.
Aquele negócio encarava ela como nunca algo a encarou. Era ao menos possível? Desviou o olhar. Não queria ler, não queria saber e estava cansada.
Deitou, fechou os olhos. Sua mente ainda falava. Abriu os olhos, virou a cabeça e olhou para aquele amontoado de papel. Suspirou pesado. Esticou a mão e o corpo e pegou, se rendendo aquilo, como um homem se rendia ao canto de uma sereia.

Saibam que eu gostaria muito de descrever cada milésimo de segundo do sexo com ela, mas jamais faria isso por dois motivos:
não quero expo-la
quero que as memórias sejam apenas minhas
Ela era uma deusa, um pedaço do céu, o paraíso na terra. Era brilhante, inteligente, generosa, simpática, linda. Brava. Não havia no mundo algo capaz de resumi-la, não havia palavras para descrevê-la.
Era tudo muito bom ao lado dela. As noites mal dormidas com Drika, os drinks, as festas, os dias de praia, a parceria. Era tudo tão fácil que de repente ficou fácil demais, bom demais. E eu queria sentir algo que fosse maior que minha estupidez.
Queria... não sei. Na verdade, acho que estava procurando justificativas e respostas para perguntas sem questionamentos. Cheguei em um ponto onde só havia o ego, a soberba. Eu não consigo nem explicar o que aconteceu ou o porque fiz isso. Principalmente porque era ela. Eu sempre sonhei com ela. Em todos os meus desejos de amor, família, futuro, era ela quem tava, ela que dominava, ela que preenchia. Eu amava ela, sempre amei, nunca deixei de amar um segundo sequer, mas me tornei vaidoso, e o amor por mim mesmo se tornou soberbo, cruel.
E aí então vieram as secretarias, a amiga de um amigo e aconteceu. Poderia inventar um monte de desculpas. Colocar a culpa na bebida, no trabalho acumulado, no cansaço, nas brigas dentro do casamento, na cobrança sobre minha profissão. Poderia, mas não vou. Eu fiz isso. E estava consciente.
E acreditem, quando admiti isso para mim mesmo, foi horrível. Ainda é horrível. Ainda doi. Ainda é algo que, pra mim, é difícil de lidar.

Sempre fui um homem desapegado, sim. Mas nunca fui mau caráter. Sempre fui muito claro nos meus relacionamentos e no que eu queria, então dar de cara com uma versão horrível de mim, foi difícil. E pior do que isso, ter feito ela lidar com essa versão, foi o pior dos tormentos. Mas aconteceu. E depois do divórcio, veio Bianca.

E quando Bianca chegou, senti uma inquietude, um negócio estranho. Era como se meu corpo e consciente quisesse, desesperadamente, viver aquilo.

Helô parou de ler. Sentiu náuseas, um choro entalado, um ódio, um pesar.
Decidiu então não ler nunca mais aquilo. Iria para o apartamento dele e devolveria exatamente onde achou.

Sua mente matutava o tempo inteiro sobre quando achou uma boa ideia levar aquilo consigo. Não queria saber das mulheres que ele amou. Das mulheres que ele teve além dela. Não queria reviver as traições, as noites sozinhas, os dias vendo ele viver ao lado de outra.

De repente ela quis não achar mais ele, e um segundo depois se amaldiçoou. E chorou.

Chorou como há muito tempo não chorava. Doía a garganta, os olhos, de tanto que chorava. E tentando chorar baixinho, era quando doía mais.

Precisava urgentemente parar de ler aquilo e focar na investigação. O tempo deles passou de qualquer forma, não importava quem ele amou. O amor deles já foi vivido, não tinha mais nada ali.

Chorou mais.

Quem a delegada queria enganar? Estava desesperada por estar lendo algo que ele escreveu, sobre pessoas que ele amou e se dando conta de que ela não foi a única, quando em toda sua vida, ele foi.

Não era uma competição, afinal, mas queria ser a única dona do amor dele. Mas se sentia tão egoísta. Se sentia incapaz.
Se ela o salvasse, será que ele a amaria pra sempre?

Se martirizou de novo. Aquela não era ela. Aquela que estava pensando tudo aquilo, não era Heloísa Sampaio. Precisava achar Stênio pela filha que tinham juntos, pela neta. Precisava achar ele pra passar na cara dele que os clientes dele não são confiáveis. E então, depois, jogaria na cara dele isso que leu. Ou talvez não. Talvez deixasse exatamente onde encontrou e seguisse sua vida.

Era o que ela fazia de qualquer forma. O deixava de lado e vivia sua vida normalmente. Mas para que isso acontecesse, ela precisava o achar com vida. Suportaria perder o amor dele, suportaria ele amando outra, suportaria. Desde que ele estivesse vivo. Porque ele morto... Isso ela, com certeza, jamais, suportaria. Então, entre um choro e outro, uma lida e outra, uma procura e outra, ela dormiu aquela manhã. Dormiu de cansaço. Cansaço de chorar, de pensar, de não ter respostas, de ler aquela maldita autobiografia.

Quando acordou, a rotina foi a mesma: procurar Stênio.

— Donelô? - Creusa chamou e só então percebi o quão em cima do computador eu tava e o quanto minha vista doia. Me sentia toda dolorida.

— Oi, Creusinha. – Respondi.

— A senhora não comeu ainda hoje. Vá, saia da frente desse computador um pouco, mulher.

Helô suspirou e viu as horas. 17:30. O dia passou voando e ela sentia como se não tivesse feito nada. Na tela, uma mensagem de Yoneapareceu.

"Encontramos um dos membros da facção. A polícia internacional o pegou e está trazendo para o Brasil. Com sorte, conseguimos tirar dele o paradeiro de Stênio."

Helô quis chorar.
Fez um grande avanço hoje e a prova era essa. Esta com medo. Medo de perder Stênio e medo de perder seu cargo. Fez tudo o que não podia ser feito por causa dele.

Seus olhos encheram de lágrimas e ela olhou pra Creusa, que permanecia paradinha, preocupada, como uma mãe.

— Bora, mulher. Bora comer.

Helô se levantou e foi até Creusa. Sentia que poderia desmaiar a qualquer momento.
Fez tantas operações especiais, que exigiam nuito mais demanda do que o que estava fazendo, mas acreditava que quando o coração estava envolvido, era mais difícil. E de fato. O amor deixava a bagagem mais pesada. Não era só justiça que ela queria ali. Era o seu amor. Ela queria o amor dela vivo.

— Alguma novidade, donelô? – Creusa quis saber.

— Amanhã a gente tem algo concreto. – Finalizou o assunto.

Bianca era tudo o que eu nunca sonhei em ter, ela me tirava 100% da rotina. Foi uma colaboração muito grande pra moldar minha mente quadrada. Tive muitos momentos bons com Bianca.

Engoliu em seco. Não queria ter pego aquilo para ler de novo, mas já estava quase acabando. Falta pouquíssimas páginas, já leu até ali, certo? O que poderia ser tão ruim quanto isso? Quanto o fato dela ler sobre o quanto ele quis viver com Bianca. Dê que mudaria?
Estava pronta para encarar sua derrota. Estava pronta para lidar com isso. Principalmente porque não tinha esperança dele tá vivo, então era o jeito dela arrancar ele um pouquinho de cada vez de dentro dela. Era o jeito dela de diminuir a dor de perde-lo. Não queria perde-lo de uma vez, fazer isso aos poucos era mais fácil.

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