Dia 09

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Ontem finalmente consegui reunir a coragem que precisava para sair novamente de meu apartamento, parece que começar a escrever esse diário realmente não foi uma má ideia, ao colocar todos os meus sentimentos nesse texto pude organizar melhor meus pensamentos, vou tentar fazer o mesmo com as informações que coletei nesses dois dias, considerando que eu não tinha nada, com o que eu descobri talvez eu chegue em algum lugar, só não sei se isso é uma coisa boa ou ruim, não parece que eu estou no tipo de história que tem um final feliz. 

Não comentei antes, mas depois do primeiro dia não estava conseguindo dormir muito bem, se eu não estava pensando muito e considerando os piores casos pra minha situação, estava orando pra qualquer um que pudesse me ouvir fazer com que tudo isso acabasse, e me levasse de volta pra minha vida normal, infelizmente ninguém ainda me respondeu, com as poucas horas de sono os dias tinham momentos que passavam muito rápido ou muito devagar, dependia da minha ansiedade, após a minha primeira entrada nesse diário consegui me acalmar, ainda acho que estou em perigo, mas seja lá o que quer me pegar ou não consegue entrar aqui dentro ou simplesmente não quer ainda, eu espero que seja a primeira opção, afinal, ainda nem sei o que está lá fora, só sei que me assusta muito, a um nível espiritual. De qualquer forma, ontem acordei decidido a sair de novo, como já havia dito, fui com o canivete em mãos, meu plano a principio era tentar descobri como essa coisa agia, meu primeiro teste foi o som, no primeiro dia eu havia tocado as campainhas, batido nas portas, e chamado por ele no corredor, pra testar isso eu peguei meu celular, coloquei uma musica e deixei no corredor, o volume não precisava ser tão alto já que eu sabia que facilmente ecoaria no lugar inteiro, ao voltar pra dentro depois de alguns segundos a luz do corredor se apagou, as musicas continuaram tocando, se passou 30 minutos e nenhum sinal de movimento, não ouvi nada, não senti a presença de nada, meus gatos também pareciam tranquilos, a luz do corredor nunca acendeu, indicando que nada passou por ali, não sabia se ficava aliviado ou desapontado, independente disso eu saí e peguei o celular e desliguei a musica, os testes daqui pra frente teriam que ser um pouco mais específicos, fiz uma gravação de eu mesmo falando coisas aleatórias, só tinha que ser a minha voz, fiz a gravação e a deixei tocando em loop do lado de fora, mais 30 minutos e nada, saí novamente e peguei o celular, depois de um suspiro que poderia ter sido de alivio ou frustração encarei novamente aquele corredor, os testes podem não ter dado em nada exatamente, mas me deixaram um pouco mais aliviado, pelo menos com o som eu não precisaria me preocupar, tive um sentimento de progresso, e nesse mesmo momento veio aquela sensação novamente, medo, um frio na espinha, quanto mais eu encarava aquela escuridão mais esse medo crescia, e quanto mais eu pensava nele mais intenso ficava, tinha sido assim da ultima vez, no fundo do corredor, onde a luz não chegava, consegui ver dois pontos brancos, em um espaçamento como se fossem olhos, me observando, como reflexo eu entrei novamente pra dentro, impedindo que o medo crescesse mais, respirei fundo, fiquei alguns segundos sentado, encarando meus gatos que também me encaravam de volta, grande parte das vezes eu não sabia o que pensavam, mas gostava de acreditar que assim como eu estavam estudando tudo isso para descobrir o que estava acontecendo.

Não entendi o porque de ele ter aparecido naquela hora, foi pelo simples fato de eu estar no corredor? De eu encarar de volta a escuridão? De eu sentir que havia descoberto algo? Do meu medo? Sinceramente, só por isso já estava satisfeito comigo mesmo, foi melhor do que os últimos dias que fiquei aqui trancado sem fazer absolutamente nada além de ficar em paranoia, por já ter mexido com o que eu provavelmente não devia resolvi continuar os testes no dia seguinte, no caso hoje, me decidi em rapidamente sair para pegar comida, afinal o meu estoque estava acabando, e acho que roubo nesse momento seria o de menos, peguei minha mochila de faculdade, esvaziei, e com o canivete em mãos saí silenciosamente para o 209, tudo estava exatamente como no primeiro dia, após colocar a comida na mochila, arroz, feijão, algumas frutas que ainda pareciam estar boas, tive até a sorte de achar batata frita congelada, resolvi dar uma olhada melhor por lá, os retratos de família, os pertences antigos, tudo ali contava muita história de quem morava ali, infelizmente nada parecia que iria me ajudar a entender o que estava acontecendo, o porque de só eu estar preso nesse pesadelo, enfim, só pela comida já valeu a pena, e durante todo esse tempo nenhum sinal da coisa, voltei para o meu apartamento, descarreguei minha mochila e me senti inspirado a ir um pouco mais, fiz o mesmo no apartamento 211, não tinha nada de útil além da comida assim como no 209, na volta tentei abrir o 212, ainda trancado, talvez nesse tivesse algo interessante, sempre é nos mais difíceis mesmo, talvez eu pudesse arrombar de alguma forma, seria um saco, mas definitivamente uma opção, por enquanto aceitei a vitória do dia, consegui explorar os quartos sem nada tentar me pegar, mas ao retornar pra casa, pronto pra continuar a escrever isso, notei a data do computador, dia 10, normalmente é nesse dia que minhas contas chegam, e foi aí que lembrei que ainda não havia checado os correios, na hora pensei que seria uma ideia idiota, afinal, quais as chances de ter algo na caixa de correios? Mas estou sem muitas ideias ultimamente, eu tinha que tentar.

Por segurança as caixas de correios eram separadas pra cada apartamento, e somente o dono daquele apartamento teria a chave para abrir sua própria caixa de correspondência, o problema pra mim é que ficava no térreo, quer dizer, normalmente isso não seria um problema, mas ainda não tentei me afastar tanto do meu apartamento depois de descobrir que estava sendo caçado, seria arriscado, mas eu estava confiante, se qualquer coisa parecesse errada ou aquele sentimento aparecesse de novo eu voltaria correndo, sem olhar pra trás, e foi o que eu fiz. Peguei minha chave dos correios, novamente com a mochila vazia pra caso eu encontrasse algo relevante, e o canivete em mãos, eu teria que ser rápido e direto, é só descer e ver o que tem dentro da caixa, me esforçava para fazer eu mesmo acreditar que aquilo seria fácil e tranquilo, de alguma forma ajudou. Decidido eu abri a porta e avancei pelo corredor, as luzes se acendendo em minha frente e apagando logo atrás, desci as escadas com calma, não ouvia e nem sentia nada, estava tudo bem, o local das caixas de correio ficam em um espaço meio bizarro, embaixo da escada, lá também era guardado algumas coisas como carrinhos de bebes, bicicletas, cadeira de rodas e etc, por mais que agora estivesse vazio, não pensei muito e só fui direto para a minha caixa, coloquei a chave a abri, surpreendentemente tinha algo lá, uma chave, com uma etiqueta com o número 212, sabia que essa chave abriria a porta trancada aqui em cima, só não sabia o porque de estar nas minhas correspondências, não tinha mais nada ali, fechei e tranquei, ao me virar, agora que meu objetivo havia sido concluído, e com sucesso, dessa vez não voltaria de mãos vazias, comecei a me sentir exposto, como se antes eu estivesse com uma visão de túnel e não havia percebido na onde havia me metido, senti meu medo e ansiedade aumentar, era hora de voltar e imediatamente, na volta já comecei a ouvir meus gatos começarem a miar, era tudo como da ultima vez, subi as escadas com pressa como nunca antes, quando estava prestes a chegar no segundo andar senti alguma coisa agarrar minha perna direita, senti aquilo se prender em mim, era frio e quente ao mesmo tempo, ou era tão frio que estava queimando minha pele, uma dor imensa percorreu pela minha perna, com o canivete em mãos, e em desespero, tentei esfaquear aquilo que parecia uma mão de uma pessoa muito peluda, pelos pretos, me segurando, vindo através dos degraus, parando para lembrar melhor agora era como a mão de um gato, teria que ser um gato muito grande, era tão forte, por sorte consegui fazer com que me soltasse, graças a adrenalina consegui voltar a correr assim que me libertei, a dor só viria a tona depois, enquanto voltava para o meu apartamento conseguia ouvir um som dessa vez, como se aquilo estivesse engasgando ou sufocando, sua voz parecia uma mistura de um grito de raiva de um homem com um grito de medo de um animal, só de lembrar já faz com que o ferimento da minha perna volte a arder, ao menos consegui retornar, e com a chave, dei uma olhada em minha perna quando já estava em segurança, ficou com algumas queimaduras bem feias, e rastros de algo preto e grudento, como se fosse algum tipo de gosma, por sorte essa parte saiu com a água, não sabia exatamente como lidar com essa situação então só lavei e limpei como pude, e agora está enfaixada com um pano, espero que não infeccione ou fique pior, pelo menos a dor está diminuindo com o tempo, eu não sei de onde ele veio dessa vez, do local que ele me pegou eu deveria ter visto se ele estivesse ali, o local era um pouco escuro, mas eu definitivamente teria visto, ou pelo menos acho que sim, preciso ficar mais atento, ele se mostrou que não vai só me dar um susto e sumir, ele pode me machucar se quiser, ao menos consegui a chave, amanhã se eu acordar disposto irei dar uma olhada no 212, posso ter sofrido danos físicos,  mas a adrenalina e excitação de ter feito progresso me dá a energia que eu preciso pra continuar. 

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