Dia 12

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Três dias se passaram desde minha ultima saída, estava ansioso pra ver o que tinha no quarto 212, podia muito bem ter sido algum tipo de armadilha, mas era a única coisa que eu tinha, felizmente não foi o caso. Antes de falar sobre isso, a queimadura na minha perna curou estranhamente rápida, só se passaram três dias e quase não há marcas do que antes parecia que tinham prensado ferro quente sob ela, restou apenas uma mancha, o que provavelmente é o melhor cenário possível,  mas definitivamente não é normal, esse pesadelo funciona diferente da minha realidade, acho que isso nem mesmo é alguma realidade, tudo que eu vivo aqui parece um sonho febril, de qualquer forma já enrolei demais, preciso falar sobre o quarto 212.

Hoje mais cedo, não sei exatamente o horário, o tempo não parece passar aqui, nem mesmo o horário nos meus dispositivos eletrônicos como o computador e celular parecem atualizar, o horário e a data só não avançam, mais uma vez confirmando que isso não é a realidade, se é que ainda existia duvidas, enfim, o quarto 212 por sorte é literalmente ao lado do meu, com meu canivete e minha mochila vazia eu saí com as chaves em mãos, só virei a direita e lá estava ele, confirmei novamente a maçaneta para ter certeza se realmente ainda estava trancado, e sim estava, então encaixei a chave na fechadura, que abriu sem nenhum problema, porém não esperava ver o que vi lá dentro, sabia que tinha que ser algo diferente, deveria ter uma razão de ele estar trancado, certo? Ao abrir a porta, um cheiro horrível veio de lá, era cheiro de morte, carne podre, nunca senti o cheiro de restos de corpos, mas aquilo definitivamente era como eu imaginava ser, até mesmo pior, no começo foi difícil e até relutei a entrar, mas não estava ouvindo nenhum som nos corredores e a sensação de perigo ainda estava baixa, a adrenalina de ter algum tipo de progresso corria em mim, olhando lá dentro o lugar estava uma zona, tudo completamente bagunçado, diferente dos outros apartamentos que eu vi que estavam praticamente intocados, esse aqui parecia uma cena de crime, porque junto com toda aquela bagunça tinha sangue, muito sangue, espelhado por paredes e chão do lugar, isso fez com que eu continuasse em silencio, revistei cada quarto primeiro na esperança de encontrar alguém, vivo de preferencia, mas a bagunça só continuava, depois disso eu comecei a me acostumar de certa forma, o cheiro era ruim, mas suportável, pelo menos não tinha restos de órgãos ou coisa do tipo, não achei nenhum traço de um possível crime, algo como uma arma, parecia que só tinham pintado e bagunçado com o simples objetivo de decoração, até poderia considerar a possibilidade do sangue ser falso, mas o cheiro não contribuía com isso, e já estava até seco, enfim, depois da parte bizarra, veio a parte curiosa, eu achei registros do antigo morador ali, igual o que eu estou fazendo aqui, a diferença é que o dele estava tudo escrito em um caderninho, por sorte a caligrafia é legível e o diário está intacto, encontrei em cima do balcão da cozinha, ainda aberto no que depois descobri ser a ultima pagina, a caneta estava jogada no chão.

Não vou transcrever todo o conteúdo do diário aqui, já que ele é até que bem extenso, o dono escreveu por um total de 30 dias, mas resumindo, ele diz que seu primeiro dia foi exatamente como o meu, acordou sem se lembrar de muita coisa, sozinho, com todas as saídas trancadas, e também foi atormentado por algo semelhante a aquilo que persegue, chuto que pode até ser a exata mesma coisa, ele coletou os recursos dos outros apartamentos, mas se recusou a sair depois do primeiro contato com a criatura, parece que ele sofreu um trauma bem maior que o meu, as ultimas paginas foram difíceis de ler, não pela escrita, e sim pelas palavras, ele basicamente teve um colapso, ficou louco aqui dentro, o isolamento somado com a situação fez ele tirar a própria vida no trigésimo dia, grande parte do conteúdo registrado aqui são só frases perdidas e sem nexo, como se ele só escrevia literalmente tudo que se passava por sua cabeça sem se preocupar se fazia sentido, e nenhum desses pensamentos eram bons, mas uma coisa chamou minha atenção, um dia antes de ele morrer, ele recebeu uma carta, ela foi passada por baixo de sua porta durante a noite, e nela ele diz que aquilo iria vir por ele, e que ele não estava pronto pra enfrentar, antes disso parece que ele teve outros contatos com sons vindo do lado de fora, mas nada muito direto ou que dê alguma pista do que é aquilo lá fora.

Não conhecia essa pessoa, mas seria impossível não sentir empatia por ela, eu poderia facilmente estar tão pior quanto, e obviamente estou passando pela mesma situação, por sorte meus gatos me ajudaram a manter a cabeça um pouco no lugar, ele aparentemente estava completamente sozinho, nem mesmo se esforçou em sair. Mas isso ainda não era tudo que eu havia encontrado lá, ao me virar para sair, tinha um chaveiro pendurado na porta, um igual ao que eu havia encontrado na caixa de correios, mais uma chave de outro apartamento, dessa vez era o 303, fica no andar de cima, eu ainda não consegui tomar a coragem de subir lá, ainda é basicamente território não explorado, e a criatura veio de lá de cima na primeira vez, tenho que ir preparado se eu quiser ver o que tem dentro daquele apartamento. No fim, acho que foi um progresso interessante, gostaria de ter conhecido essa pessoa, acho que podíamos ter nos ajudado, se estivéssemos juntos acho que ele não teria ficado louco tão rápido, acho que é um sentimento ruim, mas é bom saber que isso não está acontecendo só comigo, por mais egoísta que seja, me faz me sentir menos sozinho, quase como se eu estivesse carregando comigo também a vontade dessa pessoa, o seu ultimo resto de esperança de sair daqui. 


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