Agosto de 1978
Lembro-me de observar John do outro lado da igreja e pensar em todos os erros que me levaram até aquele momento. Na época, eu não acreditava em vidas passadas, mas se pensasse por mais um segundo, chegaria à conclusão de que cometi grandes absurdos no passado para ser castigada daquela maneira - naquele fatídico dia, o ar estava pesado e hoje quando paro para pensar, noto que é provável que ele estivesse carregado de todas as minhas angústias futuras. Eu não o conhecia tão bem quando nos casamos, mas eu sabia que me arrependeria no instante em que disse "sim".
Ainda consigo sentir o vestido branco de sua avó apertando o meu estômago e esmagando minhas entranhas. Tudo naquele dia foi um erro e aquele vestido branco que me pintava como uma mulher pura, bem-vinda e amada, era o maior deles. Enquanto deslizava pela igreja repleta de flores tão brancas quanto o vestido, eu só conseguia pensar que a minha infelicidade estava para se iniciar. Então eu torcia para aquilo acabar de pressa, eu rezava a qualquer Deus que quisesse me ouvir para que John tivesse um piripaque. "Que o coração dele pare agora!", mas ninguém me atendeu. No fim, acredito que igrejas não sejam locais para pedidos ruins.
O telefone toca e sou arrancando de meus devaneios e arrependimentos. Está bem tarde, anoiteceu há algumas horas, então só pode ser John, sendo inconveniente como sempre. Retiro o cobertor que estava me aquecendo e me enrolo nele, sinto o chão gelado sob os meus pés quando me levanto da cama e sigo em direção a cozinha - o telefone para e recomeça a tocar novamente - mas quando chego a cozinha e estendo a mão para atendê-lo, o som simplesmente cessa. Eu devia ficar brava pelo importuno, porém não fico - há anos as coisas pequenas pararam de me atingir - é como se houvesse uma barreira solida e impenetrável entre mim e essa casa, essa vida.
Fico com preguiça de subir as escadas de volta ao quarto, então me aninho no sofá da sala. Acendo um abajur que está próximo e folheio um livro qualquer que ficou largado em cima da mesa de centro na noite passada. É um romance, leio sempre que a insônia me atinge e é a quinta vez que começo o mesmo livro esse mês. Ainda estamos na terceira semana de agosto.
Tento ignorar a minha imagem que está refletida no espelho que temos na sala, mas é quase impossível. Ao longo dos anos implorei a John diversas vezes para que tirássemos aquela coisa da parede, porém o egocentrismo dele sempre falou mais alto, então o espelho permanece aqui e todas as outras coisas que detesto também, incluindo o retrato do dia em que nos casamos. Quando observo a foto em comparação com a minha imagem no espelho, é visível a minha infelicidade. Não é que eu estivesse feliz naquele dia, eu só estava menos triste.
Os exageros em mim, sempre me incomodaram. O nariz enorme, o cabelo cor de fogo como uma chama viva me perseguindo e impossível de domar, os olhos enormes e da cor de um oceano morto. Mas nada nunca foi tão exagerado quanto as olheiras em meu rosto, o fundo preto abaixo do oceano, em contraste com a palidez em meu rosto, só deixa claro que não existe mais vida em mim.
Respiro fundo e em um gesto rápido, cubro o espelho e me deito de costas e fico encarando o teto. A verdade é que não sei como as coisas chegaram até esse ponto. Antes de conhecer John, a vida não era tão diferente. Eu morava em uma casa grande, filha única de um casal de empresários bem-sucedidos e que não possuíam tempo para lidar com uma criança e depois com uma adolescente, e depois com uma adulta. Então, quando eles conheceram a família de John, foi simples para eles me jogarem aos lobos - sem contar que isso praticamente triplicou o dinheiro de ambos. E de Margot Collins, a filha obediente e disciplinada dos bancários Lilian e Robert Collins que passava os dias confinada em uma casa sem amor, virei Margot Wells, a esposa amorosa e orgulhosa de John Wells que passa os dias confinada em uma casa tão grande quanto e sem nenhum tipo de amor - como eu disse, a vida não era tão diferente.
Foi ilusão minha pensar que algo mudaria: "talvez agora eu tenha tempo para pintar" foi a primeira coisa que pensei quando meus pais me contaram sobre o casamento. E na mesma semana tive o meu primeiro e único encontro com John, depois de dez minutos conversando com ele, eu pensei: "não vou suportar uma semana disso" - completamos cinco anos de casados no verão passado. Não comemoramos, nunca comemoramos, não há o que comemorar para falar a verdade. Às vezes me pergunto se John é tão infeliz quanto eu, mas aí me lembro que a razão pela minha atual infelicidade é ele.
Deixo que os meus pensamentos me consumam outra vez, como em todas as noites.
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Casos Ilícitos - A casa da frente
RomanceUm casamentos infeliz. Um vizinho. E um amor nascido em meio as ruínas. É possível amar depois de ter o coração dilacerado? É possível ir embora em meio a tantas promessas? É possível reencontrar o amor e não deixá-lo ir novamente?