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Cortei as relações com a minha família, após o casamento. Não os vejo desde o fatídico dia e não sei se estão vivos ou mortos, e não é algo que me interesso a saber, mas mesmo com as relações fragilizadas, há algo que minha mãe me disse, que nunca saiu da minha cabeça.
Eu estava revoltada com a ideia de me casar tão nova e com alguém que eu mal conhecia – ou amava. Eu também sabia que o casamento dos meus pais era como uma colcha de retalhos frágil de mais, mas necessária para se aquecer a noite. Eles precisavam um do outro, mas amor não era algo que havia no casamento, muito pelo contrário. E, mesmo assim, em meio ao desespero profundo, tentei argumentar com ela.

— Eu não o amo, mamãe – falei em meio as lágrimas.
— Não precisa amar – ela respondeu enquanto soprava as unhas recém pintadas.
— Não quero me casar sem amor, ele nem sequer me ama também – quando as palavras deixaram meus lábios, ela finalmente olhou em meus olhos e por um breve segundo pensei que ela pudesse me entender, mas então ela apenas encarou as unhas novamente.
— Margot, vou dizer algo e espero que guarde consigo. É bem simples, na verdade – observei atenta enquanto ela continuava encarando as unhas. – Homens odeiam as mulheres – ela prosseguiu. — Então, você tem duas escolhas. Pode se casar com um homem pobre que te odiará pelo resto da vida, ou pode se casar com um homem rico e com títulos, que te odiará da mesma forma.

Eu não entendi o que ela quis dizer na época, entretanto hoje compreendo. Talvez tenha sido seu único conselho decente. John e eu temos hoje nossa própria colcha de retalho.

~

Faz horas desde que John chegou, ouvi seus passos pela casa e depois pela escada, e quando a porta do quarto foi aberta, fechei os olhos de pressa e me forcei a respirar calmamente. E só os abri novamente depois de ouvir seus passos no andar de baixo.
Gostaria de estar dormindo de verdade, mas quando John está em casa, meu corpo fica em alerta total, como se estivesse atento a qualquer movimento dele. Então o ouço ir ao banheiro e ligar o chuveiro, e sei que em breve ele virá até o quarto novamente. E meu estomago começa a revirar.
Eu não era virgem quando me casei, por isso a ironia do vestido branco. Eu não havia estado com muitos homens àquela altura, tinha apenas 20 anos. Então a minha experiencia e conhecimento, eram rasos como uma poça que se forma durante a chuva. E, quando a noite de núpcias chegou, eu estava tão enojada, que repudiei cada segundo, e é assim desde então.
Quando não se quer transar com o próprio marido, é necessário aprender algumas coisas. John gostava que eu gemesse alto, seu ego é tão inflado, que ele realmente acredita ser bom na coisa. E ele gosta mais ainda, quando estou montada em cima dele e os meus peitos estão balançando em sua frente. A união de ambas as coisas, me garante um sexo rápido, e é o que normalmente me proponho a fazer, pois assim consigo colocar um fim naquilo o mais rápido possível.

— Porra – ele grunhe em meu ouvido enquanto sai de dentro de mim, me sujando no processo e espelhando seu bafo de whisky em meu rosto. — Senti falta da sua boceta – ele diz enquanto se vira para o seu lado da cama.

Em poucos minutos o ronco de John invade o quarto e sei que finalmente posso me levantar. Aprendi algumas coisas sobre John durante os anos de convivência, a maioria por tédio e não por vontade de conhecê-lo. Tudo o que eu sabia quando nos casamos, era o suficiente para que eu o detestasse.
Há algumas coisas no casamento que eu preciso considerar como sorte para não enlouquecer, e uma delas, é que John tem o sono pesado e nem que o mundo acabe ao seu redor, ele consegue acordar. Então em todas as noites que ele passa em casa, deitado em nossa cama, eu durmo no sofá da sala.
Levanto-me e vou em direção ao banheiro, preciso tomar um banho, não suporto o cheiro dele em mim. Ligo a banheira e me sento nela enquanto a água começa a subir e preencher cada parte do meu corpo e só quando ela chega ao meu joelho, é que começo a me lavar, tentando e arranhando a minha pele até que cada gota de suor dele saia de mim.
Ao longo dos anos, John deixou muitas marcas em meu corpo, marcas que ao longo do tempo se misturaram as minhas próprias. Alguns banhos deixaram de ser prazerosos e se tornaram dolorosos. Sempre que ele me tocava, eu enchia a banheira e esfregava a unha em cada pedaço meu tocado por ele, até que eu começasse a sangrar – eu ainda faço isso – então os hematomas roxos, se misturavam aos tons de vermelho, e eu simplesmente não conseguia sair. John nunca questionou o surgimento de novos hematomas, mas ele também nunca prestou atenção o suficiente em mim - e ter uma marca a menos ou a mais, não fazia diferença para ele.

~

Tento não remexer no passado, mas o tempo é diferente dentro dessa casa, mais lento e denso, como se eu estivesse assistindo o desenrolar da minha própria vida em câmera lenta. Raramente penso na primeira vez que vi John, mas é quase cômico. Quando o vi, ele estava do outro lado do salão de um restaurante. Estava reunido com sua família e quando nossos olhares se cruzaram, a primeira coisa que notei foi seus olhos tão azuis quando o meu, os ombros largos e os cabelos tão preto quanto um céu noturno. Eu nunca amei John, isso é um fato, mas fiquei intrigada em conhecê-lo. E, quando soube que ele gostaria de me conhecer, fiquei empolgada. Não era a minha intenção casar-se – eu nem o conhecia – mas fui mesmo assim. Implorei aos céus para que ele fosse um homem engraçado.
Todo o encanto durou pouco. O bafo de whisky já era de costume naquela época e suas ideias, e pensamentos sobre o mundo eram tão limitados, que retiraram pouco a pouco a beleza que havia nele. Quando voltei para casa naquela tarde, eu não suportava a ideia de ter um segundo encontro com ele e havia decidido nunca mais vê-lo.
A questão é que ele vinha de uma família tradicional e conhecida no meio imobiliário. E, meus pais não estavam interessados na minha opinião. O casamento foi marcado para três semanas após o nosso primeiro – e único – encontro. Quando fui notificada sobre, pude sentir meus planos e sonhos desmoronarem em minhas mãos.
Tentei fazer o casamento dar certo no início, pensei que eu apenas não o conhecia direito ou que ele mudaria ao passar dos anos. Depois, pensei que o problema pudesse ser eu, então me adequei aos seus pensamentos, ao seu jeito de ser, mas nada adiantou. Carinho, submissão, revolta, raiva, qualquer sentimento expressado só servia de combustível para o seu ódio crescente por mim. Então fiz o que observei minha mãe fazer por anos com o meu pai, me infiltrei em seus pensamentos, comecei a observar cada comportamento, sempre pensando nos meus próximos passos, sempre com um pensamento a frente. Fui ludibriando nossas interações e me transformei numa versão sem sal e cansada de mim, porém perfeita para o que ele queria. Me transformava em um doce na frente de sua família, a esposa engraçada em comemorações do trabalho, generosa na frente de seus amigos e uma prostituta na cama.

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Sinto a água escorrer pelo meu corpo quando me levanto da banheira, o frio da noite me atinge causando calafrios em minha pele, saio da banheira e me enrolo de pressa na toalha. O cabelo molhado desse pelas minhas costas e ignoro meu reflexo no espelho enquanto sigo em direção a porta. Vou até o quarto e visto uma camisola amarela que encontro jogada aos pés da cama. Me visto enquanto puxo uma coberta qualquer do armário. Ouço o ressonar de John e agradeço aos céus por momentos como esse – de paz.
Quando me deito no sofá, estou sem sono, é quase raro dormir bem quando John está aqui. Então me aninho ainda mais ao coberto e fico olhando para o nada, esperando que o próximo dia acabe de pressa. E o outro. E o outro.
Me distraio ao ver uma luz se acender por meio as frechas da janela e meus pensamentos são automaticamente direcionados ao novo vizinho – não mais estranho – Henry. Pela primeira vez me permito sorrir em meio algum pensamento. Há tanto tempo não conversava com ninguém – além de John. Apesar de termos trocado poucas palavras, fico feliz por termos feito.
Forço meus pensamentos em direção de qualquer outra coisa, mas ele segue voltando ao aperto de mão que demos. Ao sorriso torno de Henry e seus olhos verdes como a selva. Me pergunto se ele é tão bonito por dentro quanto por fora, ou se no fim ele é como John, uma carcaça bela que só agrada aos olhos. Não importa o quanto eu tente pensar em outra coisa, ou me convencer que não há motivos para pensar nele. E quando o dia vai se formando por entre as frechas da janela, estou convencida de que preciso conhecê-lo.


Casos Ilícitos - A casa da frenteOnde histórias criam vida. Descubra agora