— Parece que tudo está se desenrolando conforme sua vontade, Near.
Sutil foi o sorriso que aflorou nos lábios de Near ao ouvir aquelas palavras, mas sua expressão apenas inflamou a irritação de Mello.
Near observou atentamente o outro homem. Era madrugada, da noite que ele se reencontraram, quando Mello o comprimentou depois de anos, e apontou uma arma para sua cabeça.
Acabando por não responder, Near já sabia como isso iria acabar entre eles: Mello se perdendo, o insultando, e simplesmente indo embora novamente, como fez em Wammy's house. Como fez ao o reencontrar.
Ele não estava portando nenhuma arma dessa vez, e se estivesse, não estava apontando ela para Near.
A contestação disso não deixava Near com medo. O que soa preocupante, não sentir perigo vindo de alguém que lhe mirou uma arma. Entretanto, essa não seria a primeira e única controvérsia dos julgamentos de Near sobre Mello.
— ... Qual seria o propósito desta nova visita?
— Há algo que você não me esclareceu.— Diz Mello, infelizmente, fora do seu tom convencional, trazendo uma dúvida imediata para Near.
De forma desleixada, Mello tirou de seu casaco a sua própria fotografia, de quando era criança. O motivo de ter ido visitar Near. Estendeu-a para ele novamente, esse que não fez nenhum movimento para pegá-la.
— Que merda é essa? — Pergunta Mello.
— A sua fotografia, não? — Near responde, ainda sem olhar diretamente para Mello.
— Sim, idiota, eu sei disso. Quero dizer isso. — Agora, olhando para o que Mello estava lhe mostrando, Near lê novamente a sua caligrafia elegante: Querido Mello.
Near não soube responder imediatamente.
— Ah, isso… Parece que você encontrou algo interessante. — Near diz, de forma mansa. — Talvez eu tenha esquecido de mencionar...
Um breve momento de tensão pairou entre eles antes que Mello finalmente recuasse, guardando a fotografia de volta em seu casaco. Mello o contemplou como se ele fosse um ser profano, um ser obsceno. — Não brinque comigo... — Mello declarou antes de se afastar.
Near ergueu uma sobrancelha, um pouco de decepção se aflorando em seu peito, com o quão breve a visita foi. Não houve nada violento ou demasiado afrontoso. Quebrando suas expectativas, fora um novo encontro transparente. Sequer sabia quando iria vê-lo novamente, se iria realmente vê-lo. A situação não se encontra totalmente favorável, embora insistam nisso. Kira ainda é eminente, neste momento eles estão empatados e Kira está correndo na frente deles, e Mello estava ali, com metade do rosto desfigurado, depois de ser considerado morto. E Mello não poderia se importar menos, Near não admitiria verbalmente, mas isso o deixava alvoroçado.
Observando Mello se afastar cada vez mais antes de falar calmamente:
— Querido Mello, quero que objete com toda a sua seriedade dissimulada: você me mataria?
Mello parou abruptamente. — O que... — Ele se virou. Seu olhar incrédulo mirando Near mais uma vez.
— Você me mataria? — Near pergunta novamente, sua voz baixa e carregada com uma energia que enviava arrepios pela espinha de Mello.
— Near, meu querido Near. — Ele murmurou, sua voz tingida com um toque de sarcasmo, que não combinava com sua expressão notoriamente perturbada. — Você me surpreende... Mas por que matá-lo quando posso simplesmente derrotá-lo e provar minha superioridade de uma vez por todas? — Mello sentiu orgulho da própria lógica.
Near manteve seu olhar firme. — Entendo... Foi a resposta que eu esperava de você. — Foi tudo o que ele disse antes de desviar o olhar, deixando Mello imerso em sua própria intriga, genuinamente atordoado.
Depois de um breve momento, Mello riu, uma risada curta e descrente. —... Por que a pergunta? — Sua expressão endureceu novamente, seu olhar fixo em Near motando mais um de seus malditos quebra-cabeças, como se não tivesse noção do absurdo que havia perguntado. —... Você está com medo que eu seja capaz disso?
Near não piscou, seu rosto ainda virado para o quebra-cabeça pela metade.— Não se trata de medo, Mello.
Mello se agachou na direção de Near, diminuindo a distância que os separava. Ele não contestou mais nada.
Mello sabia, sabia que não se tratava de covardia. Nenhum deles tinha medo ser morto por Kira.
Em Wammy's House, ambos tinham pesadelos com o fracasso, não com a morte. A pior coisa para eles seria perder para o homem que matou L.
— Perguntei, pois se eu tiver que morrer, eu não quero que Kira seja quem me mate.
Mello ficou imóvel por um momento, processando as palavras de Near com uma intensidade que raramente permitia que os outros vissem. A luz fraca dos computadores de Near lançava sombras sobre seu rosto, acentuando a cicatriz e os contornos endurecidos pela vida que escolhera — uma vida de constante perseguição a um fantasma que ambos queriam capturar, mas por caminhos muito diferentes.
— Isso... — Mello começou, hesitante, sua voz baixa, quase um sussurro na quietude da sala. — Isso é o mais próximo que você chegará de dizer que confia em mim, Near?
Near, ainda concentrado em seu quebra-cabeça, finalmente levantou os olhos para Mello. Havia uma calma em seu olhar, uma aceitação tranquila das complexidades de suas relações mútuas e do jogo mortal em que estavam empenhados.
— Talvez seja. — Near admitiu, com uma sinceridade que raramente mostrava.
Mello riu, uma risada amarga, que carregava anos de rivalidade e um entendimento tácito de seu papel nessa complicada teia que a morte de L havia tecido entre eles.
Mello levantou-se. Ele olhou para a porta de ferro, para a escuridão além da sala iluminada, como se pudesse ver o futuro incerto que os aguardava.
— Bem, então, eu prometo uma coisa, querido Near. Se não conseguirmos chegar a linha de chegada... Eu serei o último rosto que você verá, não Kira. E não será porque eu quero que você perca injustamente para mim, nunca. Será porque eu não quero que Kira ganhe.
Com essas palavras, Mello deu um passo para trás, virando-se para partir. Near, por sua vez, voltou sua atenção para o quebra-cabeça inacabado à sua frente, a expressão pensativa, quase perdida em reflexão.
— Até lá, Querido Mello. — Near disse suavemente.
Mello parou na porta, sem se virar. Por um breve momento, ele permaneceu em silêncio, depois saiu, deixando Near sozinho com seus pensamentos e o jogo incompleto entre eles, um jogo que estava longe de ser resolvido.
E assim, na quietude daquela sala, com a partida de Mello, Near se permitiu um raro momento de reflexão sobre a natureza do vínculo que compartilhavam, forjado na admiração e na rivalidade, na busca incessante pela justiça e, talvez, na compreensão silenciosa de que, apesar de tudo, não estavam tão sozinhos em suas vidas quanto gostariam de pensar.
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Querido Near
Fiksi Penggemar- Querido Mello, quero que objete com toda a sua seriedade dissimulada; você me mataria? ©HakunaFurtado | MeroNia |