Carta 07

3 1 2
                                    

                                 Você

     Dizem que nenhuma mãe gosta de enterrar o seu próprio filho. A dor que deve ser de alguém que vê seu bebê dentro de um caixão deve ser incompreensível. Chorar por um filho que gerou por meses em sua barriga, que viu dizer suas primeiras palavras, acompanhou sua trajetória, seus altos e baixos, e que sempre esteve ali para suas quedas e tropeços. Ver seus olhos brilharem por estar apaixonado por alguém, acompanhar seus planos para aquele sonho que almeja tanto se tornar realidade, ouvir histórias sobre como foi o primeiro dia de aula ou o primeiro dia no trabalho, fazer sua comida favorita e sempre dar um abraço apertado de parabéns no dia do seu aniversário que jamais esquecerá.

     Eu não posso dizer como é a dor de alguém que perdeu um filho, mas posso dizer a dor que é perder uma mãe. Não parece ser real, mesmo sabendo que no final é, como um ateu quando diz que Deus não existe, mas lá no fundo sabe que sim...

     Eu vi você tendo sonhos, mas nem todos puderam ser realizados, como lhe dar uma casa. Soube que conseguiu assistir a um jogo no estádio do time que ama, porém não estava lá, pois estava trabalhando. Não ouvi a maior parte dos seus conselhos, pois era adolescente birrento, e você se foi sem saber que estava certa em quase todos. Não dei atenção quando disse que eu não estava pronto para namorar, e mesmo sem sua benção, namorei e novamente estraguei coisas que poderiam ter sido evitadas se tivesse escutado.

     Você partiu sem me ver jogar bola e deixar eu te provar o quanto era bom, partiu sem eu conseguir te dar uma casa, sem me ver com o diploma da faculdade na mão, sem ler um sequer capítulo de uma história que escrevi, sem dar tempo de apresentar a pessoa que amo e com quem casaria a longo prazo.

     Você não subiu ao altar comigo, não viu minhas lágrimas, pois queria ser o pilar onde podia se apoiar quando estivesse mal, e agora eu sou esse pilar para minhas irmãs. Não soube por que deixei de te chamar de mãe por anos, não consegui entender por que tinha que ser agora.

     Meu tempo no banheiro se tornou mais longo, pois é o único momento em que se dá para soltar um peso que jamais pensei que carregaria. No fim do meu dia, ainda dou um sorriso quando penso em você.

     Estou grato pelo caminho que me pôs, pelos erros que cometi, e por saber que estava lá para me acolher, nas brigas em que entrei e você acabou comprando para me defender. Além de outras pessoas, você me ensinou que nós fazemos nossa própria felicidade e que o maior erro será quando pusermos a felicidade nos olhos de alguém.

     Ainda não chorei tudo que tinha para chorar, não gritei tudo que poderia gritar, não falei com Deus sobre tudo que ainda tenho para dizer. Ainda me alimento direito, ainda cuido das minhas irmãs mesmo sendo o filho mais novo, fiz amigos em quem posso contar, descobri a diferença entre gostar de alguém e amar, entretanto, ainda não coloquei toda a dor que sinto para fora por você ter partido, e nós dois sabemos que não pode ler este texto, e que isso é, na verdade, para outros filhos que ainda têm uma rezadeira ao seu lado, para aqueles que ainda podem dar um abraço e ver seus olhos se abrirem, para todos os filhos que ainda têm a chance que eu não pude ou não quis ter, de ouvir sua voz, poder tocá-la, imitar seu jeito de ser, ou dizer uma das palavras mais clichês do mundo.

     - Eu te amo, mãe.

     - Eu te amo, mãe

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Ei Leitores Onde histórias criam vida. Descubra agora