Era sempre bem tarde quando eles se encontravam.
Naquele dia, porém, Zuko decidiu sair andando mais cedo pela cidade. Tinham combinado o de sempre, mas ele precisava espairecer, pois o dia corrido de trabalho não fora o suficiente para esvaziar sua mente dos intermináveis questionamentos.
Alguns dias tinham se passado, e mais que encafifado e querendo saber o que é que Camélia fazia questão de continuar escondendo agora que ele já sabia que seu tio era um agressor, ele queria saber quais os motivos para aquilo e como ela vinha se sentindo por dentro. Se bem que aquela expressão inerte daquela noite específica deixava transparecer as feridas ocultas da alma.
O sol acabava de se pôr, e ele decidiu que queria comer alguma coisa. Acabou pegando uma porção de macarrão frito na primeira barraquinha que viu, e depois de comer, continuou suas andanças pelo centro do anel médio de Ba Sing Se, que aos poucos começava a ganhar mais vida e movimento.
E, próximo da parte residencial, numa rua qualquer, ele avistou Camélia, com um novo vestido de mangas longas, mas agora de braços dados com um homem, e um homem mais velho que ela. Devia estar na casa dos vinte e cinco anos, algo assim.
Zuko pensou em passar por eles e cumprimentá-la, mas eles pareciam envolvidos na conversa, talvez até demais. A moça sorria e ria de tudo que o homem dizia, e a forma como segurava seu braço comunicava que queria continuar bem pertinho dele. Zuko se sentiu estranho.
Ele ficou parado observando, até ver o par virando uma rua. Quando percebeu, porém, seus pés o levavam na direção que eles tomaram, seguindo-os. Sabia que não devia e que, mais uma vez em sua curta vida, estava sendo impulsivo, mas não se importou. Quem é esse cara?, a voz em sua mente resmungava para si.
Zuko era o Espírito Azul; ele sabia passar despercebido. E foi o que fez, seguindo aqueles dois por ruas e mais ruas, até perceber que eles tinham parado na frente de uma casa que não parecia ter nada de especial.
Camélia abriu um sorriso diferente do sorriso que ele conhecia e cochichou algo no ouvido do homem, cujo rosto ele não podia ver, mas imaginou que fosse algo bom, porque logo em seguida o homem envolveu a cintura da moça com seus braços. E aí ele conheceu aquele olhar, o olhar que ainda não conhecia.
Os olhos dourados dela se estreitaram levemente, e acompanhados do sorriso, produziram um efeito que ele não podia descrever senão como de um mar de ressaca: apesar da periculosidade, da clara intenção de tragá-lo, aquele mar ainda parecia atraente e convidativo. A força misteriosa daqueles olhos exprimia bem o "empurra e puxa" das marés — ele se sentia atraído por eles, mas repelido pelo cenário, no qual a moça já estava acompanhada.
Zuko pensou em ir embora quando eles entraram juntos na casa, mas permaneceu ali, escondido nas sombras, esperando sabe-se lá o quê. E, depois do que pareceu quase meia hora, o homem saiu da casa, se espreguiçando, com um sorriso largo, claramente feliz da vida.
O homem não o viu, e ele esperou que ele sumisse daquele quarteirão para sair de onde estava escondido e parou na frente da casa, analisando aquela construção que parecia mesmo comum. A luz que saía pela janela era bem fraca e ele podia ouvir o que pareciam fragmentos de conversas, mas não conseguia identificar nada específico, apesar de ter uma audição excelente.
Ele nem sabia mais o que estava fazendo quando percebeu que estava plantado ali há quase uma hora, mas foi no exato instante em que ele suspirou e virou para sair dali que ela saiu, dando de cara com as costas de seu novo amigo, que desvirou e olhou no fundo de seus olhos.
— Lee... O que você tá fazendo aqui? — Camélia perguntou com uma risada sem jeito.
— Eu vi você mais cedo e acabei te seguindo... Eu não sabia que você tinha um namorado — ele disparou, a curiosidade na voz.
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Uma história de Ba Sing Se
RomanceEm Ba Sing Se, depois que tio Iroh abre a loja de chás Dragão Jasmim no Anel Médio da cidade, Zuko conhece uma figura interessante na vida noturna da cidade.