CAPÍTULO UM

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O baile real na Terra do Sol Nascente, estava lotado da mais alta sociedade de Avora, parte da elite mais fútil que já existiu. A beleza do salão era inegável, as decorações em prata, bronze e marfim despontavam por todo lado, inclusive pelas paredes. Pequenas esferas de luz nas mesmas cores flutuavam soltas acima de todos, como estrelas dançando no céu, o chão refletia as multicores pelo salão, tal como um espelho totalmente distorcido. Os mais variados cheiros passeavam pelo ambiente, vindo das várias bandejas carregadas por robôs, flutuando ao redor de todos, tanto com comida quanto bebidas. Parte de um bom disfarce é saber se misturar, então depois de ter uma conversa qualquer com um grupo de pessoas, peguei uma das taças de cristal tarkoviano numa bandeja que passou por mim e experimentei. Foi a coisa mais enjoado que já bebi, além de doce demais, sua consistência lembrava óleo.
Alguns convidados em seu trajes de gala conversavam, enquanto outros bebiam e comiam, aproveitavam a fartura, totalmente aquém do mundo lá fora, onde a comunidade de Avora Oeste, ou Terras Crepusculares, como também era chamada, passavam fome e lutavam para sobreviver.
E então, descendo as escadarias para o salão, acompanhada por seus pais, o rei e a rainha, estava a estrela da festa. A pele bronzeada dourada reluzindo às luzes elegantes, os longos cabelos num perfeito degradê de negro e cinza prateado caiam sobre seu ombro direito, como uma cascata de seda, o âmbar de seus olhos sagazes era visível mesmo de longe. Bom, tanto do olho humano, quanto do seu olho robótico. Cybelle não era chamada de Princesa Mecânica sem motivo, já que quase toda a metade esquerda do seu rosto era robótica, feita do mais puro metal avoriano, tal como uma parte do pescoço, todo o seu braço e perna esquerda, a qual estava totalmente à mostra através na fenda do vestido de baile prateado. Em seu andar cordial, ela deslizava, quase parecia flutuar. A princesa estava completando vinte e três anos glamurosamente.
Assim como qualquer um ali, ela era apenas mais um elo daquela corrente, mais um membro da realeza que só se importava com seus vestidos caros e status elevado, era assim que parecia.
Todos os olhares estavam voltados para ela. O som dos aplausos inundou o salão, e por alguns segundos enquanto a moça de sorriso leve percorria o salão com os olhos, eles repousaram em mim. Senti como se tivesse sido descoberto, embora ela não fizesse ideia de quem eu era. Tentei não me abalar com isso e tomei mais algumas bebericadas do intragável drink, mas logo me desfiz da taça, colocando-a numa das bandejas de recolhimento que passou por mim. Minutos depois, enquanto a princesa era conduzida por seu pai para fazer a social, os mesmos olhos âmbar me encontraram outra vez, pareciam perfurar a minha alma, como se ela soubesse todos os meus segredos e me desafiasse a olhar de volta, desafio que aceitei prontamente. Se ela achou que poderia me intimidar, estava errada. Sustentei o olhar no dela, travamos uma batalha silenciosa pelo que pareceu uma eternidade mas, na verdade, não deve ter chegado a um minuto. Um sorrisinho convencido surgiu lentamente em seus lábios carnudos, sutilmente avermelhados, a única parte do seu rosto 100% intacta. Nosso atrito particular foi subitamente interrompido pelo rei. Ao longe pude deduzir que o ele queria. O homem de meia idade, pele pálida e cabelos brancos falava demais. Qualquer um que olhasse, veria apenas um pai cuidadoso conversando com sua filha, mas eu capturei os pouco segundos em que o rosto de Cybelle foi tomado por algo que parecia raiva ou ressentimento, talvez os dois, isso foi pouco antes de suas feições mudarem novamente, desta vez, um sorriso doce que contrastava com suas características físicas, mas nem mesmo aço poderia anular a beleza daquela mulher, era marcante, misteriosa, e agora meiga.
O pai a levou até o Lorde de Tarkov, o reino com maior produção de cristais, aquele homem mal disfarçava o interesse na moça e o rei, claramente, estava contando com aquilo, devia estar tentando alguma aliança política. Cybelle respondia as perguntas do lorde com gentileza, doçura e uma timidez que não estava ali antes, mas que era extremamente convincente, natural. A mulher era uma atriz, e seu pai parecia usar isso muito bem.

A conversa terminou e a música mudou. Eu conhecia bem aquelas notas, música tradicional avoriana. Parte dos homens e mulheres, se dirigiam para o centro no gigantesco ambiente e eu fui arrastado junto. Por sorte eu conhecia os passos daquela dança. A elite poderia não ligar para nós, mas não podiam negar que tínhamos costumes parecidos.
Homens de um lado, mulheres do outro, aquela dança nos levaria a trocas de casal algumas vezes, até a anfitriã da festa decidir os casais fixos através de um sinal, uma curta reverência ao seu par escolhido. Por isso era mais comum que solteiros entrassem na dança, alguns desavisados achavam que era o destino unindo alguns caminhos.

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