Capítulo Seis

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Jihyo acordou tarde no terceiro dia. Era como se seu corpo soubesse que era segunda-feira de manhã e que ela normalmente estaria correndo para o trabalho, abrindo caminho entre os outros passageiros para chegar ao metrô, espremendo-se ao lado de adolescentes entediados, sonolentos, mascando chiclete, e de executivos com cotovelos dobrados, recusando-se a dobrar seus jornais, e havia decidido se permitir dormir até mais tarde – ela merecia. Enquanto afastava os lençóis, ainda meio grogue e sem enxergar direito, ela se perguntou quando fora a última vez em que havia acordado depois das sete horas da manhã. Ela provavelmente não fazia isso desde os seus vinte anos, desde antes de conhecer Daniel, uma época em que bater perna pela cidade com Sana era seu modus operando.

Na cozinha, Jihyo passou um bom tempo preparando café e panquecas, usando os ingredientes que havia comprado no mercado local. Seu coração se encheu de alegria ao ver as prateleiras agora transbordantes e ouvir o ruído da geladeira funcionando. Pela primeira vez desde que saiu de Nova York, ela se sentia no controle, ao menos o suficiente para sobreviver durante o inverno.

Ela saboreou cada pedaço de suas panquecas, cada gole de café, sentindo-se bem descansada, aquecida e rejuvenescida. Ao invés dos sons da cidade de Nova York, tudo que Jihyo podia ouvir era o barulho distante das ondas do mar e o gotejar suave, rítmico, enquanto mais pendentes de gelo derretiam lá fora. Ela se sentiu em paz pela primeira vez em um longo tempo.

Após seu relaxante café da manhã, Jihyo limpou a cozinha de cima a baixo. Ela passou um pano em todos os azulejos, revelando o intrincado design William Morris escondido sob a fuligem, e então limpou as portas dos armários, fazendo os relevos dos vidros brilharem.

Empoderada por ter conseguido deixar a cozinha em tão bom estado, Jihyo decidiu limpar mais um cômodo, um que ela ainda nem tinha visto com medo de que seu estado de abandono lhe aborrecesse. Era a biblioteca.

A biblioteca havia sido, de longe, seu cômodo preferido quando era criança. Ela adorava a maneira como era dividida ao meio por portas de correr de madeira branca, permitindo-lhe isolar-se completamente num cantinho de leitura. E, é claro, ela adorava todos os livros que havia lá. O pai de Jihyo não era um esnobe em relação à leitura. Ele achava que qualquer texto escrito valia a pena ser lido, e, portanto, deixara a filha encher as estantes com romances adolescentes e dramas do ensino médio, com capas bregas mostrando o pôr-do-sol e o vulto de homens sensuais. Jihyo riu enquanto limpava a poeira de suas capas. Era como se um estranho pedaço de sua história tivesse sido preservado. Se a casa não estivesse abandonada por tanto tempo, ela certamente os teria jogado fora em algum momento, nos anos que se sucederam. Mas, devido às circunstâncias, eles permaneceram, cobrindo-se de poeira enquanto o tempo passava.

Ao colocar o livro que tinha nas mãos de volta na estante, a melancolia se abateu sobre ela.

Em seguida, Jihyo decidiu seguir o conselho do eletricista e subir no sótão para checar a fiação. Se ela estivesse realmente danificada por ratos, ela não tinha certeza sobre qual seria sua próxima providência — gastar o dinheiro necessário em reparos ou apenas suportar o problema durante o resto de seu tempo na casa. Não parecia possível investir na propriedade se ela ia ficar lá por a quinze dias, no máximo.

Ela puxou a escada retrátil, tossindo quando uma nuvem de poeira desceu em cascata da escuridão acima dela, e então deu uma olhada no espaço retangular que se abriu. O sótão não a assustava tanto quanto o porão, mas a ideia de teias de aranha e mofo não a enchia de entusiasmo. Sem mencionar o suposto rato...

Jihyo subiu as escadas cuidadosamente, dando cada passo devagar, subindo no buraco um centímetro por vez. Quanto mais ela subia, mas podia ver dentro do sótão. Estava, como ela suspeitava, entulhado. As idas de seu pai para vendas de garagem e feiras de antiguidades frequentemente rendiam mais itens do que poderiam ser expostos na casa, e sua mãe havia banido alguns dos mais horrendos para o sótão. Jihyo viu uma cômoda de madeira escura que parecia ter uns duzentos anos, um banquinho de costura em couro verde desbotado, e uma mesa de centro feita de carvalho, ferro e vidro. Ela riu, imaginando a cara da mãe ao ver seu pai trazendo aquilo tudo para dentro de casa. Era tão distante do gosto dela! Sua mãe gostava de coisas modernas, elegantes e minimalistas.

Agora e Para Sempre - Imagine JihyoOnde histórias criam vida. Descubra agora