2 - THEODINE

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Extasiada era uma palavra muito forte. Eu diria que estava pilhada demais com tudo o que estava acontecendo naquele exato momento. Definitivamente não havia como explicar o sentimento que vivenciava agora.

Era alusivo chamar aquele lugar de Coliseu, era muito mais imperioso do que o nome sugeria. Nova Iorque estava em plenas ruínas. Quase não havia mais água onde deveria e, se você se esforçasse apenas um pouco, conseguiria apalpar o ar arenoso. O mais impressionante eram os arredores: imensas arquibancadas cor marfim, com vários corpos holográficos semitransparentes oscilando junto ao ensurdecer dos gritos.

O cenário assustava, muito mais do que eu acabara me acostumando desde que acordei. A única coisa que consegui dizer foi:

– Que Deus tenha piedade.

Nos meus resquícios de memória, me recordava do que era o Coliseu. Nós estávamos em uma arena, prontos para lutar e defender a única coisa que nos importava agora, as nossas vidas. Se o Império Romano estivesse vivo, se orgulharia da existência daquele lugar.

Imensos dirigíveis sobrevoaram a cidade, tudo parecia ter uma cor cinza e cheiro de queimado.

– Caros combatentes, e digníssimos hologramas... – A imagem de Catarina, a garota que conversou comigo no quarto, surgiu nos telões dos aeródinos – Bem-vindos, à 27º edição da Caçada Anual. Organizada orgulhosamente pelos meus pais, Nathan e Fayola Claversphore, e comentada exclusivamente por mim: sua anfitriã, Catarina Claversphore!

A multidão urrou em vivas e gritos animados enquanto as duas figuras caminhavam em direção às câmeras adjacentes do telão principal. Cerrei meus punhos, fervilhando de ódio daquela baranga repulsiva.

Deixe-me explicar melhor meus sentimentos pela apresentadora. Catarina foi quem me deu as boas vindas quando acordei. Detalhou tudo o que havia dentro do banheiro do quarto, disse tudo o que iria acontecer depois que seu holograma se apagasse e me deu a sugestão de trabalhar em equipe, mas adoraria me ver definhar sozinha com minha própria insensatez assim que eu saísse daquele quarto.

E, bem, por mais que fosse contra meu instinto de sobrevivência, eu não iria dar à ela a satisfação de me ver morrer sozinha apenas porque ela me acharia fraca se estivesse junto de outras pessoas. Mas devo admitir, eu já detestava metade de quem tinha encontrado no caminho até aqui. Eu sabia que as mochilas carregavam um mapa detalhado da cidade, comida fresca que, supondo que não nos rendêssemos à fome excessiva, duraria dois dias, uma muda de roupas limpas e uma bússola. Mesmo sabendo tudo o que estava ao meu dispôr, era estupidez tentar continuar sozinha em um ambiente desconhecido.

Catarina era albina tal qual como seu pai, Nathan. Usava um batom marsala que contrastava com o restante de suas roupas, imaculadamente brancas. Na imagem pouco nítida acima das nuvens de poeira, era difícil distinguir exatamente o que ela vestia. Nathan usava uma camisa escura com as mangas compridas dobradas nos antebraços, enquanto a pele negra de Fayola estava coberta por um vestido regata solto de cor clara. O mesmo tom de azul citrino cravejava as íris da família, os deixando ainda mais imponentes.

– Esperamos que essa seja uma edição histórica e devastadora! Como bem sabem, nossa equipe escondeu doze pedras em todo o território Nova Iorquino, as quais todos os trinta e seis participantes devem encontrar enquanto sobrevivem ao horror que assola a Costa Leste americana!

Como um uivo de guerra, o ar foi preenchido com o som da mesma palavra repetida diversas vezes pelos hologramas nos arredores.

– Chimera! Chimera! Chimera! Chimera!

– A praga, Chimera! – A multidão gritou em êxtase – Um poderoso gene modificado em laboratório que saiu do controle há um ano. Nenhum de nossos pesquisadores conseguiu descrever qual o tamanho da devastação antes que a cidade precisasse ser evacuada. E o que seria melhor do que uma Caçada para finalmente concretizar o nosso amado Coliseu de Nova Iorque?

Franzi o cenho. Chimera. Já ouvira aquele nome antes, mas não recordava do que era. Eu conseguia sentir o calafrio percorrendo a espinha quando dois fogos de artifício foram disparados nas extremidades mais próximas das arquibancadas. Um segundo depois, outros dois foram lançados um pouco mais a frente.

– É um cronômetro! – Disparou Hadiya.

Mais dois fogos disparados. Quando chegasse ao nosso foco do horizonte, significava que havia começado.

– Precisamos nos separar! – Confrontei o grupo – Se o que Catarina disse for real, haverão outros dois grupos. Ficaremos mais seguros dispersos no primeiro momento.

– Como vamos nos encontrar depois disso? – Questionou Leonard, tentando esconder o desespero na própria voz.

– Usem os mapas e as bússolas, caramba! – Era impossível lidar com tamanha estupidez.

– Que mapa, Theodine?? – Ralhou Noah e todos pararam por um instante, se encarando.

Só podia ser brincadeira. O conteúdo das mochilas não era igual, ou seja, não havia como saber qual de nós havia ficado responsável pela navegação. Olhei o horizonte, tínhamos cinco segundos.

– Precisamos formar duplas então! – Disse Noah – Um com mapa e outro sem, nos encontramos em Flatbush amanhã à noite.

Dois segundos. Era incrível como seres humanos podiam ser organizados quando suas vidas estão em risco. Agarrei o pingente de meu colar por instinto, suprimindo o pavor que tomava conta de meus ossos.

Um imenso morteiro foi disparado para o céu. Assim que ele explodiu e começamos a correr, eu pude jurar ter visto a forma de uma imensa boca nas fagulhas, caindo diretamente para nos devorar vivos.

CITIZENS - Cidadãos do CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora