Capítulo 3

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Havia dormido não chão daquele lugar estranho. Não tinha forças ou energias para ir embora quando ele desapareceu, mesmo ainda assustada, sem entender tudo que havia acontecido, eu simplesmente fui me deitando no chão e adormeci. Me sentia vigiada o tempo todo, como se as paredes tivessem olhos, ouvidos. Sabia que Michael estava em algum lugar por aqui também e esperava que ainda estivesse bem e além de tudo, vivo. Grandes mãos me chacoalhavam no chão, ouvia meu nome sendo chamado lá no fundo do meu subconsciente, sem saber exatamente de onde vinha.
- Sophie...Sophie! Vamos acorde! Precisamos ir embora!- Micheal tentava me acordar, desesperado.
Fui abrindo os olhos, sentindo um pouco de sol no rosto. Já havia amanhecido e ainda estávamos na casa, a qual ainda parecia ter saído de um filme de terror. Agora conseguia ver os papéis de parede floridos rasgados na parede de tons escuros que mesmo com a luz do dia, deixavam o ambiente mais gótico. Michael estava encima de mim, segurando meus braços no chão, tentando ver se estava bem. Ele apresentava desespero profundo nos olhos, tinha manchas escuras no rosto de sujeira, provavelmente por ter deslizado longe no chão. Seu cabelo estava despenteado e sua camiseta levemente rasgada. Eu não devia estar muito diferente, agradeci mentalmente que antes de me deitar aqui, me lembrei de vestir minhas roupas. Foi então que me lembrei. Havia praticamente transado ontem a noite e o mais preocupante: quem era ele? Era um fantasma? Foi tudo um sonho? E no meio de tantas preocupações a única coisa que realmente martelava na minha cabeça era: iria vê-lo outra vez?
Nos levantamos, tentando tirar um pouco de poeira do corpo. Michael chamou um táxi que surpreendentemente chegou rápido, descemos as escadas e aquele ambiente grotesco estava um pouco menos pior que ontem a noite, mas ainda assim, conseguia sentir os olhos em mim.
- Você sabe o que aconteceu?- Michael me olhava confuso e perdido. Theo realmente disse que ele se esqueceria de tudo.
- Não. Acho que bebemos muito e adormecemos- menti, pois era mais fácil que explicar que um fantasma jogou ele longe e eu praticamente transei enquanto não sabia se estava vivo ou não.
- Preciso de alguns remédios chegando em casa.
Passei o fim de semana sem entender nada. Loren me ligou e novamente menti sobre tudo que aconteceu, ela parece que entendeu ou não fez muita questão de saber o que tinha acontecido.
Tive que acordar cedo e ir para a aula de história, minha aula preferida, como moramos em uma cidade histórica, algumas aulas são sobre a cidade e seus arredores. E como o karma é uma merda, a aula de hoje era sobre a cidade ao lado, mais conhecida por ter uma certão mansão abandonada.
- A mansão nem sempre foi assim, família Lionhartan, cujo símbolo de brasão era um Leão, eram conhecidos por serem donos de metade da cidade, antes de perderem tudo do nada. Eram famosos por suas festas, joias, passados por gerações. Vocês já devem ter visto a casa na Rua Weber...
Estava desenhando no meu caderno quando parei ao ouvir o nome da Rua. Era lá. Era a rua em que eu estava até sexta feira, onde conheci ele.
- Depois que a família perdeu todo seu dinheiro do nada, dizem que a casa ficou sem ninguém, que todos morreram envenenados, não tinham filhos para deixarem a casa ou parentes próximos e outros dizem que tiveram que deixar a casa para um banco e foram obrigados a sair.
Ele então começou a mostrar fotos da casa antigamente e percebi que eu nunca havia pesquisado sobre a casa antes, não tinha ideia de como ela era antes de ser destruída pelo tempo e por pessoas irem lá saquear algumas coisas. A casa era linda, parecia maior ainda antes, suas paredes claras, completamente diferente do que vemos hoje, as janelas com os vitrais com desenhos quase bíblicos eram elegantes e delicados, a porta de entrada devia ter uns 4 metros de altura, de madeira escura, se eram tão ricos assim, posso apostar que era tudo importado.
- A família era dona de uma mina de pedras preciosas, dizem que houveram brigas entre eles, que os filhos só queriam saber de festas, drogas, mulheres e não tomavam conta dos negócios. Aos poucos foram perdendo tudo, aos poucos foram morrendo e foram esquecidos.
O professor passou a colocar fotos da família na tela, a sala gigante da faculdade quase nem assistia a aula, o que me matava por dentro, pois estava achando fascinante. A família era grande, mostrava quem eu acredito que eram os matriarcas, provavelmente os donos das minas subterrâneas, usavam terno fino e a mulher usava um vestido liso, mas que modelava o corpo dela muito bem, com luvas claras, haviam alguns outros adultos na foto, devia ter umas vinte pessoas, fora as crianças e foi quando eu vi, no canto esquerdo, um homem, devia ter minha idade, com os olhos idênticos aos de Theo e não sabia se era minha cabeça me pregando peças ou se era ele mesmo, pois não tinha ainda aquelas tatuagens gigantes, parecia um pouco mais novo que atualmente e estava vestido com camisa e calça de alfaiataria.
Eu nunca estive mais confusa, poderia ser ele? Poderia ser Theo? Mas o que ele estaria fazendo naquela casa ainda, se estava tudo feio e abandonado? Ou estava ainda com minha cabeça maluca, será que bati ou algo assim? Estaria alucinando?
- Hoje em dia dizem que a casa é propriedade de um banco, alguns dizem que é assombrada, outros dizem que os herdeiros apenas fugiram, mas não podemos negar que atrai turistas para a cidade.
Odiava pensar que um lugar que já foi a casa de alguém, hoje era um ponto turístico, mas também não posso dizer que respeitei o local, invadi em uma madrugada, joguei com meus amigos para atrair fantasmas e ainda praticamente transei com alguém lá. O professor terminou nossa aula com mais algumas imagens da arquitetura e as demais aulas do dia eu não lembro de nada, não tinha mais interesse, queria voltar lá.
Peguei meu carro e fui até a casa quando já era umas 20h da noite, menti para minha roommate, mas ela nem ligava para mim e segui até a Rua Webber. Não sei o que esperava encontrar lá ou quem, mas queria enter tudo que havia acontecido.
Assim como aquele dia, o portão estava aberto, a casa em total escuridão, minha sorte foi que desta vez eu vim preparada, peguei lanternas e baterias extras para meu celular. Tudo estava exatamente como eu lembrava, destruído. As fotos da aula viraram realidade, agora conseguia imaginar melhor como era aquele local já não muito tempo atrás. Se Theo era um decedents, o que não fazia sentido já que o sobrenome da família era completamente diferente, por que não cuidou da casa? Cadê seus demais parentes?
Entrei na ampla sala, que para mim ficou mais bonita agora, os vitrais com desenho de flores de diferentes espécies, em longas paredes do pé direito duplo, com um conceito aberto, onde pelas fotos da aula eram dadas várias festas, com garçons, bebidas caras e comidas das mais simples a caviar. O lugar até hoje era luxuoso, se tivesse sido bem conservado valeria uma fortuna. Olhei na parede final que havia uma porta ao jardim para encontrar um quadro. Nele estava uma mulher com seus quarenta anos, muito bem vestida, com olhos verdes e um cabelo loiro de dar inveja, um senhor provavelmente na mesma idade, com cabelos escuros, vestido terno, junto com uma menina, que devia ter minha idade, usando vestido rosa, longo e um menino. Foi aí que meu coração disparou, era ele. Theo. Usava terno assim como o pai, com a camisa mais aberta em um visual mais despojado, extremamente bonito como eu me lembrava, mas ainda sem suas tatuagens. Na parte de baixo tinha uma placa com: família Lionhartan e o brasão de leão que eu havia visto hoje cedo. Então ele mentiu o nome dele e morava como um mendigo em sua própria casa?
- Theo...- comecei a gritar na esperança dele aparecer.
Gritei mais algumas vezes no andar de baixo e tirei uma foto do quadro, antes de ir embora e desistir. Por agora.

Sophie e a Fera Where stories live. Discover now