A velha quando surge de poderes antigos, quando reúne as maldições do velho mundo e se firma transatlântica em acontecimento brasileiro naquela cidade em início, o interior do Paraná acontecendo para o humano, paulatinamente humano, flagrante como é a cultura sempre, acontecia com as árvores também algo como o explicado na visão proposta por Goethe denominada 'Weltliteratur', a visão que tive das árvores, as árvores mundiais. Descobri isto porque num certo ângulo e direção da casa para onde recém havia me mudado no continente asiático deparei com uma árvore Santa Bárbara e tive a sensação de estar sendo vigiada. A direção, ângulo e raízes se repetiam no sítio onde eu morava no Brasil, a mesma árvore, as mesmas atitudes geo-herbais, as mesmas frutinhas amarelas formando cachos de códigos secretos, agentes mundiais associados por relações que despertaram em mim a prova da existência real das forças naturais que influenciam ou subministram as culturas e seus misticismos.
Esta semana eu estava lendo poesia da Helena Antoun pelo facebook e o mesmo susto de reconhecimento me assaltou. O mesmo flagrante que experimentei com a árvore Santa Bárbara déjà-vu na Ásia. A Helena descrevia o dia mais longo, como me explicou, era algo como o dia que percebia num sumidouro nas Cataratas do Iguaçu, um dia que se estendia vindo de um tempo onde se passavam milhares de anos, todas as guerras e todos os acontecimentos da humanidade, e agora ela o via, o sumidouro na terra com suas plantas, sua fauna, seu escuro sem fundo, como um longo dia particular contido naquele lugar que a fazia reconhecer a vida tão pequena, tão fugaz, a vida era um breve momento ante o imenso dia sideral internado num portal sem fundo, 'um soco no estômago' — ela disse. O reconhecimento que me assaltou — o meu dia longo — foi onde as coisas se acabaram e continuaram, uma noite e madrugada entre 2013 e 2014, o tempo parava numa reunião imaginária e na espera pela minha vida lutei por uma vida inteira, lutei pela minha memória. Esta decisão de vida também é um dia longo, também é milhares de anos, é as guerras e todos os eventos da humanidade, é uma fauna e uma flora num sumidouro nunca visto ao pé de uma catarata monumental, intocável, insondável, de percepção infinita, e agora um poço no estômago como uma longa noite ao redor do corpo notívago que acaba por invadi-lo.
Estou com desejos por esta vazão analítica parecida com um exercício de literatura comparada, sendo que a literatura comparada por definição relaciona literatura, psicologia, filosofia, história, sociologia, política, todas as ciências eu poderia jurar, entretanto este aparente prenúncio de confusão tem aqui para mim gosto de segunda chance, de ressuscitação — e o porquê disto ainda quero explicar. Ainda quero.
A verdade é que não existe literatura que não seja comparada. O leitor, sentado confortavelmente numa sala, pernas cruzadas, xícara de chá ao lado, tendo nas mãos um livro, pode muito bem ser alguém sob o ruído de uma catarata gigante olhando fixamente um sumidouro que suga seus sentidos. As aparências enganam. Por dentro da cena da leitura pode estar o ser humano encarando a vida. Entre os dois entes todas as ciências em flagrante comparação. Dois livros, sendo um vivo e o outro cheio de vida, entre eles um processo tão complexo quanto um olhar e o abismo.
#avelhadoscabelos
este texto é parte da série #chevroletbulldog no blog "gralhando no deserto":
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Velha dos Cabelos
Short StoryA história acontecida no Brasil quando as pessoas se moviam para regiões desconhecidas em busca de sucesso. E o passado determinava mais sobre o futuro do que se admitia. Uma velha abandonada em sua solidão nunca esquecerá que as raízes da antiga na...