Comentários sobre A Velha dos Cabelos - II

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Houve esta conversa há uma semana onde foi falado das direções do tempo dentro do espaço de imaginação. Primeiro parágrafo do texto ¹A Velha dos Cabelos, o caminho para a casa que se dá na descrição começando no endereço principal da vila, a prefeitura e imediações, e vai descendo ao longo da rua até depois de terminado o asfalto. Na minha cabeça — conversamos sobre isto e é uma construção totalmente individual — este caminhar acontece do norte para o sul, ou do noroeste para sudeste, que poderia ser decifrado como direção de regressão, uma estrada para o passado, a autora se deslocando para as lembranças da infância dentro da narrativa.

O sul de onde vem a velha dos cabelos, o sul do Brasil, um sul europeu em colonização que ainda conserva a língua, costumes, rostos, apesar da política de governo do Getúlio Vargas iniciada em 1938 com o veto do ensino da língua estrangeira nas escolas e no ano seguinte a proibição de conversar em público em qualquer idioma diferente do português e em 1942 com a entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial estas proibições se converterem em perseguições, com isto tudo e mais aquilo, este sul é um reflexo da Europa, querer avançar no tempo para o norte, para o futuro, tem o sentido de fugir do passado que insiste em não se desgrudar.

Então o alinhamento das direções geográficas do tempo dentro da narrativa com as direções geográficas do meu tempo particular pode explicar a formatação da minha tela mental, a orientação da rosa dos ventos no meu mapa interno vem do atávico, vem dos meus avós que também são imigrantes e da região sul. Esta linha temporal assim exposta mostra a intenção subjetiva de elucidação deste sul como passado ancestral, isto é revelação e compreensão, justamente o encontro da minha ânsia por milagres com a necessidade de criação.

Até aqui pensei a geografia do tempo neste plano rente à terra e aos acontecimentos, eu e as pessoas, reais ou imaginárias, em meio ao éter do tempo movendo-o em direção às lembranças e sendo arrastadas por ele na força invencível do presente. No entanto, a situação do local crítico na montanha de madeiras, o ponto que se mostrou como a concentração do caos na narrativa, faz pressentir uma reviravolta e a verticalização da direção cardeal do tempo nas dimensões deste caos, uma outra cartografia se forma talvez como uma projeção virtual e avançada. Embaixo deste ponto, sob o solo, tudo pertence ao passado, os mortos, as coisas não terminadas, as peças incompletas, as pernas de mesas, as partes de móveis, o velho ainda em suas pulsões não satisfeitas, o passado que havia deixado na Europa mas que traz inconcluso na alma o horror histórico do velho mundo estremecido no absurdo. Acima do solo está o amontoado de madeiras retorcidas provindas da vingança da velha, é o futuro da vila, a conclusão das maldições às quais também a protagonista descobre que está ou estará presa.

No fogão da velha dos cabelos o carbono marcador do tempo conclui um ciclo, a combustão consome as madeiras que eram as casas da vila construídas pelo velho com as árvores que nasceram na morte dos monges, as engrenagens girando, o carbono exalado das labaredas volta para a atmosfera e o relógio de deus avança um traço no mostrador. A compreensão endógena vem do meu corpo pela vivência dos ciclos femininos — e preciso anotar um registro inequívoco deste acontecimento que é sentir pela vivência —, como um esboço na névoa que anos depois começa a permanecer em consistência e quando dou por mim estou tomada pela audição de um rumor no silêncio negro da noite e sei o que ouço, e compreendo que uma mulher pode ouvir os passos do tempo.

#avelhadoscabelos
este texto é parte da série #chevroletbulldog no blog "gralhando no deserto":

#avelhadoscabeloseste texto é parte da série #chevroletbulldog no blog "gralhando no deserto":

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