Um vislumbre da felicidade

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Lola chegou ao orfanato dois anos após a minha chegada. Ela também é dois anos mais nova. Inconscientemente, passei a cuidar dela, e ela retribuiu esse cuidado. Com o tempo, nos tornamos uma família, apoiando uma à outra e as meninas que chegavam. Isso nos ajudou a lidar com a vida dentro da casa. Volta e meia, somos trancadas no porão sem ter o que comer, para que, segundo a diretora, possamos aprender a nos comportar. Trabalhamos dia e noite para ajudar nas finanças e torcemos para que um bom homem nos escolha, seja para casar ou trabalhar.

Lola e eu fomos à feira comprar legumes para o jantar de apresentação desta noite. Esses jantares podem garantir um emprego ou um marido. Às vezes, aparecem homens ricos, mas sempre são velhos nojentos. Normalmente, a maioria são fazendeiros procurando empregadas. Torcíamos para encontrar um cavalheiro bonito, mesmo que não estivéssemos em posição de escolha. Porém, não se paga para sonhar, e esse é o nosso único privilégio.

Ela estava colocando em prática tudo o que aprendeu sobre quais alimentos escolher e como se portar em público. Volta e meia, me olhava pelo canto do olho procurando aprovação. Estava ansiosa e eufórica com o jantar, jurando de pé junto que desta vez seria escolhida. Já que completaria dezesseis anos logo, sua ansiedade caminhava junto à preocupação de acabar chegando à minha idade sem ter se casado e tido filhos. Ela nunca me falou isso, é claro, e não é preciso. Já sabia da minha situação e havia desistido de casar há poucos anos. Estava feliz por ela, mas esses jantares só me lembravam que logo eu teria que deixar a casa da Sra. Travel, e minhas esperanças se agarravam em poder trabalhar para um senhor muito rico.

Enquanto voltávamos para casa, ela falava animada sobre seus planos de como iria se arrumar, suas expectativas sobre o futuro marido, como seria um verdadeiro conto de fadas. Pediu minha ajuda para se aprontar, mesmo que não houvessem muitas opções para usar. Quando ela falava, parecia ter uma dúzia de vestidos, mas só recebíamos dois vestidos novos a cada dois ou três anos. Usávamos eles para esses jantares e encontros, e se perdêssemos o tamanho, trocávamos entre nós. Falávamos distraidamente sobre um vestido roxo que ela queria emprestado de Maria, contava agitada que a barra precisava de alguns pontos rápidos que ela faria, quando acabei esbarrando em alguém.

Pus-me a pedir perdão pela falta de atenção e já recolhia as compras que se estatelaram no chão, com a ajuda de Lola. Mesmo assim, uma mão extra apareceu para ajudar.

- Eu que peço desculpas, acabei me distraindo e não percebi as moças se aproximarem.

Meus olhos curiosos exploraram o jovem homem, com lindos olhos castanhos tons de mel que vinham acompanhados de um sorriso encantador, culpados por minha momentânea perda de chão. Seu cabelo negro como a noite tinha o brilho das estrelas e estava bem penteado para trás. Suas vestes eram novas e bonitas de olhar, assim como quem as usava. Deduzi que não era da cidade.

- Agradeço a gentileza, meu senhor, deveríamos ter mais cuidado – respondi. Ele abriu um sorriso simpático e me deu o que recolhera. Seu olhar vagava de mim para Lola, e logo imaginei que ele se encantou com ela.

- Obrigada, senhor. Tenha um bom dia - me apressei em dizer e retomei o caminho de casa para que não parecêssemos oferecidas.

Essa situação foi o bastante para que Lola não parasse de falar sobre o moço o caminho todo, de modo que esse virou o único assunto. Quando chegamos, ela desatou a falar disso com as meninas. Admito que ele realmente é muito encantador.

A casa, assim como em todos os jantares, ficou uma correria. As moças queriam se arrumar, as caseiras limpar e as cozinheiras cozinhar. Eu me dividia entre todas para ajudar o máximo possível. Após auxiliar brevemente todas, costurei a manga de um vestido azul marinho para mim. Eu vou servir a mesa e passar o resto da noite como servente. Deveria estar apresentável.

AmaldiçoadaOnde histórias criam vida. Descubra agora