Um breve sorriso da vida

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- Isso é um assalto! Passe as coisas para cá! - O meliante gritou, com a cabeça meio baixa, apontando uma faca para nós.

Dimitri me empurrou para o lado na intenção de me proteger, mas tropecei e quase caí no rio, ficando com o corpo pendurado. Com um mínimo de sorte, consegui me segurar na calçada. Enquanto isso, Dimitri enfrentava ferozmente o assaltante que tentava se defender a todo custo.

Eu tentei voltar para a rua, e isso fez com que eu caísse no rio de uma vez. A água estava gelada, como milhões de agulhas perfurando minha pele. Era como estar dentro de um cubo de gelo, com o vestido apertado, não consegui respirar direito. Mesmo assim, lutei com todas as forças para voltar à superfície, mas afundei cada vez mais. O ar já começava a me faltar, e o corpo a pesar, quando Dimitri me tirou da água.

Ele me colocou deitada na calçada, onde pude ver o corpo ensanguentado do assaltante a poucos metros de mim. Senti impulsos fortes no peito e uma voz ao fundo falava algo que não compreendi. O cocheiro jogou o corpo do meliante no rio, o que me fez pensar em quantos corpos indigentes não haveria lá. Eu havia nadado com os mortos. Depois disso, não vi nada além de escuridão.
 
Acordei em uma cama macia e espaçosa. Minhas roupas foram substituídas por uma camisola em que o tecido dança delicadamente sobre minha pele a cada movimento. O quarto estava confortavelmente quente, e sua decoração era elegante. Mas onde eu estava? Jamais estive aqui.

A porta se abriu, e uma garota, provavelmente da minha idade ou poucos anos mais nova, entrou. Ela carregava uma bandeja farta com uma sopa de fragrância deliciosa e um pouco de chá ela colocou a bandeja no criado mudo ao lado da cama e se sentou ao meu lado para conferir minha temperatura.

- Que bom que está acordada, isso é um bom sinal - ela disse tirando da minha testa um pano que até então não sentia estar ali - Irei chamar o senhor, imagino que ele lhe confortará.

E assim que trocou o pano na minha testa, ela saiu. Momentos depois, Dimitri entrou preocupado no quarto.

- Como se sente? - Ele me perguntou, sentando-se ao meu lado na cama.

- Estou bem. Onde estou? - Indaguei, tentando ver se algo ao redor me responderia.

- Está em casa... Quero dizer, você está na minha casa. - Meio sem jeito, ele pegou a sopa e me ofereceu. - Precisa comer. Foi uma grande noite.

- Como? Na sua casa? - Disse, indignada com sua revelação.

- A senhorita caiu no rio, então achei melhor trazê-la para casa, onde tenho certeza que a trataremos melhor do que no orfanato. - Ele devolveu a sopa. - Não me entenda mal. Quando estiver melhor, pode voltar para o orfanato se quiser.

- Eu compreendo. - Balancei a cabeça enquanto me sentava na cama e peguei a tigela de sopa. - Parece estar deliciosa.

Dimitri ficou ali até que eu acabasse de comer, então se retirou para que eu pudesse descansar. Não imaginei que iria dormir tão rápido. Com aquela cama, sentia-me como se estivesse numa nuvem grande e fofa.

Meu sono estava tranquilo quando fui despertada por uma tempestade. Depois de alguns instantes, a escuridão começou a tomar forma. Levantei-me e peguei um sobretudo que estava em cima do baú à beira da cama.

A porta rangeu quando a abri, causando-me arrepios. O quarto ficava no meio de um corredor imenso e, no final dele, mesmo que fosse longe, tive a impressão de ver alguém passar rapidamente.

- Olá? Dimitri? - Perguntei, saindo do quarto e andando até o final do corredor, onde havia uma interseção, e novamente a sombra apareceu no final do corredor.

Segui o vulto até outra interseção, até perdê-lo. Ao olhar para o lado, percebi a grande e magnífica porta de madeira entalhada com detalhes do que parecia ser ouro. Curiosa para saber o que havia lá dentro, abri. Talvez fosse errado, mas tinha um ar tão convidativo.

O cômodo era algum tipo de escritório, com uma mesa cheia de papéis adequadamente arrumados sobre ela. Andei pela sala, admirando-a, até ouvir batidas vindas de algum lugar desconhecido. Pensei ser a tempestade, mas o som persistiu.

Procurei saber de onde vinha o barulho e, passando ao lado de uma das paredes, percebi que talvez ali seria a fonte, então encostei meu ouvido nela.

Pareciam pessoas conversando, mas não era possível compreender. Uma vez ou outra, alguém falava mais alto: "Fuja".

- O que está fazendo aqui?!

Pulei de susto ao ouvir alguém gritar atrás de mim, e quando me virei, era Dimitri.

- Não devia estar aqui, volte para o quarto! - Ele berrou, entrando na sala e avaliando se tudo estava no lugar.

- Me perdoe, eu não fiz por mal... - Tentei me explicar, mas ele me interrompeu.

- Eu disse para voltar para o quarto!! - Bravejou.

E assim, corri pelos corredores tentando me lembrar do caminho que fizera, quando esbarrei com a caseira que cuidara de mim quando cheguei.

- A senhorita está bem? - Ela me perguntou.

- Eu... Eu... - Tentei falar, mas não consegui. Estava assustada, perdida.

- Venha, vamos para o quarto. Irei preparar uma bela xícara de chá para poder dormir melhor. - Ela pegou em minha mão carinhosamente e me guiou até o quarto, onde me ajeitou na cama.

- Deve tomar cuidado por onde anda, senhorita. O senhor é rígido com certas ações. - Ela já estava preparando uma xícara de chá que eu não sabia de onde surgira.

- Qual seu nome? - Tentei me distrair com isso.

- Leonor, senhorita. Mas me chame de caseira. Penso que o senhor Blake não aprovaria essa intimidade. - Ela me deu a xícara de chá com um sorriso acolhedor.

- Ele não precisa saber, a menos que te incomode. Gostaria de chamá-la pelo nome.

- De modo algum, mas não permita que o senhor saiba disso, por favor, senhorita. - Ela balançou as mãos para enfatizar o não.

- Então, Leonor, se me permite perguntar, por que ele é tão rígido?

- O senhor teve uma infância muito traumática, senhorita.

- O que aconteceu? - Perguntei a ela, apoiando a xícara no pires.

- Esse é um assunto proibido nesta casa, minha cara. - Ela disse com pesar.

AmaldiçoadaOnde histórias criam vida. Descubra agora