A Caçada

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Assim que a manhã chegou, despertando-me, Leonor me ajudou a colocar meu vestido já seco. Então, descemos para o café da manhã, onde Dimitri não esteve presente.

Quando voltei ao quarto, perguntei a Leonor uma maneira de ir embora. Se pelo menos soubesse onde estava, iria embora a pé. Ela respondeu dizendo que iria providenciar. Momentos depois, alguém bateu na porta.

- Entre – falei, olhando curiosa para a porta.

Dimitri entrou acanhado, com as mãos atrás do corpo.

- Senhorita Winter, como se sente esta manhã? - Ele estava nervoso, e sua voz demonstrava inquietação.

- Estou ótima, senhor Blake. - Sem saber o que fazer, abaixei a cabeça, mas em seguida a levantei – Queria me desculpar pelo que aconteceu ontem à noite. Eu não fiz por mal, juro!

- Não se desculpe. Não fez nada de errado. Entretanto... eu me exaltei. Não devia ter gritado, mas não soube o que fazer quando te vi fora da cama. Você poderia ter desmaiado ou... não sei, fiquei preocupado. Sei que isso não justifica o que fiz. Desculpe.

Mais uma vez, ele me surpreendeu.

- Aceito suas desculpas, se aceitar as minhas.

Ele sorriu e balançou a cabeça como se limpasse os pensamentos.

- Combinado. Posso te fazer um pedido? - Assenti com a cabeça.

- Por favor, não vá embora. O médico virá amanhã, e assim que ele disser que está fora de risco, poderá ir embora, se for o que desejar – Seus olhos estavam fixos nos meus, fazendo uma súplica silenciosa.

- Tudo bem, mas o que farei até lá? - Ele pareceu aliviado e confuso com minha resposta.

- Infelizmente, terei de sair para uma caçada esta tarde, mas tem total liberdade dentro desta casa. Se quiser ir à cidade, os empregados estarão à disposição, e deixarei dinheiro com Leonor para que ela lhe entregue.

- De modo algum! Não posso aceitar seu dinheiro, Dimitri! Sei que são boas as intenções, mas não seria certo. Se me permitir, gostaria de acompanhá-lo na caçada. - Ele arregalou levemente os olhos.

- Penso que, sem a autorização do médico, não seria prudente.

- Tenho certeza de que um pouco de ar me fará bem, e não correrei risco com o senhor por perto.

- A senhorita é muito perspicaz – Ele fez uma breve reverência e abriu a porta – Irei pedir a Leonor que te apronte.

Pouco tempo depois, Leonor e mais duas mulheres apareceram com um vestido novo. Enquanto tomava banho, elas o ajustaram para que servisse melhor em mim. Ao colocá-lo, parecia ter sido feito para mim e não ajustado, e devo admitir que provavelmente foi o melhor vestido que já usei.

Fomos para uma floresta onde Dimitri encontrou outros senhores, todos preparados e armados. Eu fiquei na entrada da floresta com o cocheiro e uma dama de companhia providenciada por Dimitri. Nós conversávamos tranquilamente quando um uivo seguido de latidos nos assustou.

Um lobo estava tentando atacar o cocheiro, minha dama de companhia rapidamente abriu a carruagem e me empurrou para dentro com muita dificuldade por conta do vestido. Quando finalmente consegui subir na carruagem, tropecei e caí, dificultando a entrada da dama, que logo começou a gritar e foi arrastada para longe da porta. Sem pensar duas vezes, levantei e pulei para fora. O corpo do cocheiro estava estraçalhado a poucos metros de distância, e minha dama estava sendo arrastada pelo lobo.

Eu corri e peguei o facão que estava com o cocheiro. Para ganhar mais agilidade, levantei um pouco o vestido. O lobo, percebendo minha intenção, tentou morder o rosto da menina, mas me adiantei. Assim que ele abriu a boca, o ataquei com o facão, usando meu desespero como força. Em um golpe certeiro, rasguei sua boca ao meio e parte de sua cabeça se abriu.

Minha dama me olhava assustada, e mesmo com a perna machucada, não parecia sentir dor. Eu me ajoelhei ao seu lado, rasguei o que sobrava de sua meia e amarrei em sua perna para estancar o sangue. Naquele momento, agradeci a mim mesma pelas horas que passei lendo os livros de medicina destruídos do orfanato. Instantes depois, um dos senhores apareceu e ficou espantado com a cena que encontrou. Ele correu para mandar seu cocheiro chamar um médico. Logo todos estavam lá, com olhos curiosos, famintos para saber o que havia acontecido.

Dimitri pediu para enviarem o médico à sua casa. Ele pegou a dama de companhia no colo e a levou para a carruagem, certificando-se de que ficaríamos bem, e dirigiu o mais rápido que pôde.

Em sua casa, ele pediu para que Leonor providenciasse uma refeição e me levasse para o quarto logo em seguida, correndo para dentro com a garota em seus braços.

A noite caiu, e eu andava de um lado para o outro dentro do quarto, como um animal enjaulado, esperando notícias sobre a dama de companhia. Para me acalmar, Leonor me dava chá, mas mesmo depois de tomar metade do bule, continuava inquieta.

Horas depois, Dimitri finalmente apareceu, trazendo informações sobre a garota. Ela estava bem dentro do possível. Se tivesse perdido mais sangue, teria morrido.

- Agora que tudo está mais calmo, poderia me contar o que aconteceu? - Dimitri me perguntou, sentado de frente para mim na cama.

Quanto mais eu contava, mais assustado ele parecia. Quando terminei, ele me olhou meio perdido.

- Não acreditei quando a senhorita Silva me contou. Pensei que estivesse delirando por conta do trauma, mas ao que parece, realmente aconteceu – ele esfregou a testa com preocupação.

- Fico feliz que ela esteja bem, afinal – disse sorrindo.

Dimitri inesperadamente me beijou com ternura, desejo e uma pitada de desespero. No início, fiquei parada, mas logo minhas mãos tomaram rumo até sua nuca. Porém, ele se afastou no mesmo instante, ficando de pé.
 
Sem coragem para olhá-lo, abaixei a cabeça.

- Me perdoe, senhorita Winter, mas pensar em lhe perder me fez perder a cabeça. Sinto muitíssimo.

- Não tinha conhecimento sobre seu apreço por mim, senhor Blake. Então, pode imaginar minha surpresa. Mas sim, eu o perdoo. Penso que se a situação fosse reversa, também sentiria o mesmo – respondi, enquanto sentia minhas bochechas queimarem.

Ele esboçou um grande sorriso.

- Fico feliz em ouvir isso, senhorita. Tenha uma boa noite – ele fez uma breve reverência e se retirou.

Aquela noite foi um mar de emoções, onde me afundei caindo em um sono profundo.

AmaldiçoadaOnde histórias criam vida. Descubra agora