CAPÍTULO 02 - ROMERO HENRIQUE

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São cinco horas da tarde, ainda estou preso nesse quarto, nessa cama. A dor que eu sentia já quase não é perceptível. Eu observo uma mosca que fez companhia para mim nesses últimos minutos. Ela pousa na ponta do meu nariz e eu assopro fazendo com que ela voe.

As últimas coisas que aconteceram comigo foram algo que me fez refletir a tarde toda. Primeiro não levam meu remédio, depois acordo em um quarto que desconheço, um enfermeiro me diz que sou um Enviado e outra injeta em mim algo completamente diferente.

Alguém bate na porta e logo entra. É uma mulher que vem com uma bandeja.

- Consegue se sentar? – ela pergunta.

- Claro que sim, inclusive vou comer com os ombros – digo, sarcasticamente.

Ela coloca a bandeja em um criado-mudo ao meu lado e se retira. Olho o que trouxe, leite, cereais, uma fruta, e um copo de suco.

Cinco minutos depois a enfermeira volta com um homem, o mesmo que me deu a tal informação, nossos olhos imediatamente se encontram até que ele desvia o olhar.

Sem dizer nada ele caminha até mim e começa a desamarrar meu braço. Olho para o seu bolso da calça e vejo que há um revólver. Meu coração pulsa ainda mais rápido. Caminha até o outro lado da cama e começa desamarrar o outro braço, olho para cima e nossos olhos se encontram novamente. Algo me chama a atenção, ele está fazendo um movimento com a cabeça, é quase imperceptível, está negando.

Negando o que?

Eu viro o rosto para outro lado e observo a enfermeira que está despejando o leite no cereal, seu cabelo é um castanho escuro e está amarrado em um rabo-de-cavalo caído, ela é um pouco acima do peso, com os braços bem gordinhos.

- Não gosto de leite no cereal – digo, cortando o silêncio que começava incomodar.

-Oh, desculpe.

É apenas isso que ela diz, não se retira para trocar o leite por outra coisa nem nada.

Assim que o homem ao meu lado termina de desamarrar os braços e as pernas ele caminha até a porta de vidro e fica parado, como se fosse um guarda, apenas observando.

Olho para os meus pulsos e vejo o local onde me amarraram, os segundos seguintes são um pouco desconfortáveis com o sangue voltando a percorrer corretamente. A enfermeira caminha com a bandeja e a coloca em meu colo. Há também alguns biscoitos em um pequeno potinho que eu não havia visto antes.

Assim que coloco a primeira colher do cereal que, supostamente, não gosto, a mulher sorri para mim e se retira. O homem fica apenas na porta, parado, me olhando. Ele não parece preocupado, quero falar com ele. Quero perguntar o que é um Enviado.

Seus olhos continuam em mim, o que começa a incomodar, penso em cortar o silêncio.

- Essas câmeras estão ligadas? – me atrevo a perguntar. Mas logo vejo que foi algo idiota de se dizer. Se elas estiverem ligadas haverá alguém assistindo isso. E se de algum modo arriscar-se a responder nem eu poderei medir os acontecimentos seguintes.

Então simplesmente como o meu cereal em silêncio, sem questionar qualquer outra coisa.

*

Assim que termino, um sino é tocado na mão do homem parado, logo, a mesma enfermeira que me trouxe a bandeja, entra a leva de volta. Ele caminha até mim e começa a amarrar meus pulsos e as pernas novamente, em absoluto silêncio.

Eu viro meu rosto para esquerda e vejo meu reflexo no espelho. Começo a observar o que ele faz através do reflexo, seus olhos estão apenas nos meus pulsos.

Agora entendo o motivo das paredes espelhadas. Para as câmeras não falharem até mesmo nos lugares em que suas lentes não alcançam. Talvez ele saiba disso e esteja tendo o cuidado absoluto. Talvez o movimento que ele fez em negativa enquanto me desamarrava queria dizer para eu ficar de boca calada. Para não perguntar nada.

Quando ele termina de amarrar meus pulsos caminha até os pés e faz o mesmo.

Fico olhando para ele, consigo perceber que faz o seu trabalho de modo mais lento que consegue sem deixar muita suspeita. Meus olhos vão para um objeto brilhoso pendurado em seu pescoço, é um cordão dourado. Um lindo cordão que nele está pendurado uma letra.

C.

Imediatamente meus pensamentos vão em Carmen, minha mãe. Ela tinha um parecido, o que o diferenciava era o risco de caneta permanente que havia nele. Lembro-me disso perfeitamente. O risco ia de fora a fora do cordão, ele chegava chamar atenção, tirando praticamente toda sua beleza.

Eu continuo observando o objeto e uma lágrima escorre sob minha bochecha. Saudade, é o que sinto.

Saudade é um dos sentimentos que batem em mim todos os dias, sinto saudade dos meus pais, de apanhar as latinhas de refrigerantes nas ruas, é de uma vida medíocre que eu sinto falta. Mas era nessa vida que a felicidade permanecia em mim.

O homem começa a amarrar minha perna esquerda e continuo observando o objeto. Conforme ele se mexe, o cordão balança e é do outro lado que eu consigo ver um risco de tinta azul. E é exatamente igual o da minha mãe. O risco percorre um lado inteiro do objeto, de fora a fora.

Meu coração começa pulsar mais forte. Meus dedos se contraem, e o único pensamento que eu tenho em mente é que esse homem, com certeza, tem ligações com meus pais.

E um fio de esperança que estava se decompondo, é tocado em meu peito.

ENVIADOS - BATALHA PELA LIBERDADEOnde histórias criam vida. Descubra agora