As rosas vermelhas que estavam sobre a mesa anteriormente eram bem mais bonitas do que esses gravetos desajeitados. Mas isso realmente não faz diferença pra mim. Só era menos entediante olhar para aquelas pétalas do que ter que encarar isso aqui.
- Sophia – chama a mulher gorda que traz o meu café todos os dias enquanto entra na sala.
Apenas levo meus olhos até ela com indiferença, não digo nada.
- Bom dia. – ela cumprimenta com a sua voz mais excêntrica, sua animação chega ser irritante. Eu não respondo.
A mulher caminha até mim com uma bandeja que está o meu café da manhã de sempre: cereais, leite, biscoitos e maçã.
- Que horas são? – pergunto. Minha voz sai mais grossa do que normalmente é.
Silêncio.
- Eu. Perguntei. Que horas. São. – repito pausadamente. Meus olhos encaram os dela como se pudesse mata-la, o que sou capaz de fazer caso eu queira.
Mais Silêncio.
Ela não pode me ignorar desse jeito.
A ira passa pelo meu corpo e eu pulo da cama em que estou em direção a ela. Meus dedos partem para o seu pescoço, eu a arrasto até prensa-la na parede e começo a levanta-la com uma força que desconheço ter.
- Me responda! – grito, minha fúria se multiplica ainda mais e eu a jogo no chão.
Sua respiração está ofegante, tentando recuperar todo ar perdido.
- Por favor – ela diz abafadamente em meio às lágrimas.
É a sua súplica que me faz ter vontade de mata-la.
- Por favor? É isso que você tem a me dizer? – estou em cima dela, gritando enquanto as lagrimas escorrem do meu rosto – Você sabe por quantos anos eu disse as mesmas palavras? – faço uma pausa. – Dezesseis anos! – eu começo a soluçar, quero vingar todas as minhas súplicas não atendidas nessa mulher. Porque ela é um deles. E eles não querem o meu bem.
Começo a socar seu rosto incontrolavelmente. Acerto seu nariz e ele começa sangrar. É como se meu punho nunca se cansasse disso. Agora acerto seu maxilar, soco uma vez, outra, e outra e uma dentadura voa em minha direção, ela encosta-se a minha bochecha, mas não ligo, e continuo socando.
Ouço uma maçaneta abrindo, não meu dou o trabalho de ver quem é. Sei que vão me tirar de onde estou aplicar um relaxante.
Uma mão segura meus braços e me levanta no ar.
- Me solta! – grito. Estou ainda pior que uma criança.
A força com que o homem me joga no colchão fez com que eu ficasse tonta por uns segundos. Isso me irritou profundamente, ainda mais. Continuo me contorcendo, mas não há nada que eu possa fazer para me livrar dos braços desse homem.
- Vai! – ele grita para a enfermeira gorda que está quase perdendo os sentidos.
Ela se levanta do chão ainda cambaleando e apanha uma agulha que deixou cair enquanto eu a estava sufocando. A mulher vem em nossa direção e aplica em mim.
Os segundos seguintes são longos. É uma pancada de ódio que batem em meu peito que não consigo conter. O homem me segura até o relaxante fazer efeito, o que não demora muito.
Em torno de trinta segundos, meus olhos se fecham.
*
Não fiquei surpresa com essa atitude. Já imaginei que fariam isso comigo de qualquer maneira, aliás, eu estava completamente descontrolada.
Estou na mesma posição que o enfermeiro me colocou quando foi aplicado o relaxante – o que é completamente desconfortável – mas, mesmo assim eu fico imóvel.
Não demora muito para uma mulher que não conheço entrar com o meu remédio. Ao contrário da outra, que era completamente dócil a ponto de me irritar, essa é seca. Ela é bonita, o que me chama a atenção é o seu cabelo, partes em azul-marinho e a outra em verde-limão. Ela parece ser incrivelmente jovem. Imagino se eu teria uma aparência exótica como a dela caso não vivesse nesse lugar, com certeza sim. Nunca gostei dos meus cachos morenos.
- Estende o braço – ela diz. Simplesmente a obedeço.
Meus olhos vão para a porta que está entreaberta, vejo que do lado de fora há um segurança. Eles não querem que repita o que aconteceu ontem, não mesmo.
- Saiba que sou incrivelmente dócil – digo, com um tom provocante para a mulher.
Ela fixa seus olhos nos meus, eu pisco e sorrio desafiadoramente.
Assim que injeta o líquido no meu braço, ela passa um algodão com álcool e logo depois, se retira.
Depois de quinze minutos um segurança entra.
- Você tem cinco minutos para ir ao banheiro. – ele não é o mesmo que vigiava a porta. Apressadamente, eu o sigo e sou guiada até a porta do banheiro. Ele me espera pra fora, obviamente, e eu entro. Olho para a maçaneta do lado de dentro e vejo que não há como trancar.
Houve uma vez que eu me tranquei e fiquei por um bom tempo aqui dentro, desse dia em diante, não houve mais chave aqui. Foi hilário. Eu sabia que logo eles me tirariam, fiz isso por diversão, aliás, não tenho porque ter medo, se eles me prendem neste lugar é porque precisam de mim para algo, sendo assim, precisam mais de mim do que eu deles.
Demoro cerca de quatro minutos para fazer minhas necessidades e logo abro a porta. O homem me guia de volta ao quarto e eu me deito.
Esses são os meus dias. Nunca há nada de diferente. Acordo, eles trazem a minha comida, aplicam agulhas em mim, passo a tarde deitada e de noite, durmo.
Essa rotina é algo que eu mudaria se fosse possível, talvez seja. Só preciso achar o momento perfeito para poder fugir.
Já tentei uma vez, com meus treze anos. Como imaginado, eu não passei nem do batente da porta. Um segurança caminhou até mim e disse:
- O que pensa que vai fazer mocinha? – lembro-me que sua voz era de um homem dócil, de um pai de família, mas imagino que não exista esse tipo de gente aqui.
Fico apenas parada olhando para o teto. Uma vontade de cantar bate em meu peito, mas eu não vou fazer isso. Há câmeras nesse quarto, com certeza, quem quer que esteja me assistindo nesse exato momento, riria de mim. Eu também não conheço muitas músicas, há algumas que simplesmente vieram no embarque das lembranças, mas apenas elas. Não lembro dos meus pais, da minha vida fora daqui, nada.
A letra de uma das canções que trouxe nas lembranças começa a ser cantada na minha mente. Logo, eu estou assoviando no ritmo.
Quando o dia chegar,
Depois que você acordar,
Estarei te esperando,
Para mais um dia ao seu lado.
Não gosto dessa letra, porém, o que me convenceu de que essa é uma boa canção foi o ritmo, ele é calmo nos dois primeiros versos, mas depois há uma sobre saída que me enche de vontade de socar alguém.
Repito a canção três vezes nos meus assovios e logo depois paro. Fico apenas deitada, olhando para o teto branco.
Depoisde um tempo decido que tentar dormir é a melhor opção. Fecho meus olhos eapenas espero a escuridão tomar conta dos meus pensamentos.QK'
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ENVIADOS - BATALHA PELA LIBERDADE
Ficção AdolescenteDemoro a abrir meus olhos com a esperança de que esse será um novo dia, de que hoje estarei em uma casa, com meus pais na cozinha conversando enquanto tomam o café da manhã que minha mãe preparou. Eu os observo pela brecha da porta, meu pai sorri pa...