O crepúsculo com seu manto de tons dourados e púrpuras rapidamente deu espaço às últimas luzes daquele dia de sábado.

Enquanto a iminente noite se formava no firmamento da grande cidade de Otrínia, Apollo, com sua silhueta fina destacada contra o horizonte escurecido, avançava decididamente em direção à morada de sua vizinha, movido pelo propósito de buscar os irmãos.

Cada passo calmo sobre o solo terroso era uma sinfonia de calmaria, ainda que carregasse consigo o cansaço acumulado de um dia de labor. Suas mãos estavam pouco marcadas pelo calor acidental do ferro derretido, mas encontrava satisfação na conquista suficiente de que conseguira pagar a jóia destinada a Ayla. Em sua mente, a menina esboçava o radiante sorriso que tinha ao receber aquele presente tão esperado.

A aura do local por onde andara era serena, as árvores balançavam suavemente seus galhos com o vento, as casas da vizinhança estavam mergulhadas naquela quietude típica das noites tranquilas da cidade. Mas essa calmaria noturna foi abruptamente dilacerada quando um grito fino zoou, cortando o silêncio como uma nota dissonante na sinfonia da noite, tirando o garoto de seu devaneio.

Era um grito de uma criança. Um grito feminino e infantil que vinha de sua casa.

Apollo sentiu seu coração saltar dentro do peito ao avistar imediatamente de onde o clamor provinha, as luzes dos lampiões refletiam pelas janelas.

Laurel.

Sua voz mal passou de um sussurro, seu corpo reagiu instintivamente, impelindo-o com uma urgência tangível em direção à residência. O que fazia Laurel em casa? O que é que estava acontecendo? Onde estaria Dain?

Cada pensamento martelava enquanto ele abria a porta com rudeza, produzindo um rangido agudo. A cena que se desenrolava diante de seus olhos desafiava sua própria crença, mergulhando-o em incredulidade.

Laurel se encontrara numa postura graciosamente agachada ao lado do sofá, onde um vestido cor de rosa de mangas bufantes rodopiava brilhando com a escassa luz ambiente. Sua expressão revelava um encanto genuíno, como se estivesse imersa em um devaneio de magia.

- Pollo, veja o que tio Enon nos agraciou! - exclamou ela, sua voz irrompendo pelo recinto como uma sinfonia de êxtase, ao avistar o irmão mais velho.

A perplexidade tomou conta de Apollo.

Enon? Tio Enon? O que ele estava fazendo ali? E por que seus irmãos estavam sozinhos com ele?

Dain, não ficou à margem, logo exibiu seus novos carrinhos entalhados de madeira de carvalho marrom.

- Apollo, olhe só esses carrinhos!

Laurel, agarra o mais velho pela mão, interrompendo o contato dele com seu gêmeo.

- Venha, também recebeste presentes! - instigou a menina alegremente, puxando-o em direção ao centro da sala de estar onde revelou-se uma visão surpreendente: três figuras, testemunhas silenciosas, repousavam no envelhecido sofá, seus olhares perscrutando as crianças com curiosidade e afeto. Apollo não acreditava no que estava vendo.

O cavalheiro assentado à direita do sofá, em uma postura que emanava refinamento, possuía cabeleiras castanhas, e seus olhos verdes, cintilantes como esmeraldas, pareciam um reflexo daqueles que Apollo tanto associava ao rosto de seu pai, aquele que o abandonara.

- Apollo Elênio, caro sobrinho! Como estás? - saudou o homem com uma voz calorosa, erguendo-se com graciosidade para cumprimentar o sobrinho mais velho.

- B-Bem, tio Enon - gaguejou, ainda atordoado, concordando com o gesto do tio ao estender-lhe a mão.

Engolira em seco antes de reunir coragem para questionar a presença daquele homem ali, pois seus irmãos estariam, naquele horário, sob a tutela de sua vizinha, e sua própria casa encontrava-se trancada, com a chave em sua posse.

A Pedra da lua e o Girassol (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora