Lean on fate

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Yunho não imaginava que a tranquilidade daquela manhã seria interrompida por um homem sangrando em seus braços.

Não que isso fosse um fenômeno raro, considerando seu ofício de médico na enfermaria do porto, mas aquele era justamente seu dia de folga. Não culpava o estranho por derrubar seus pertences quando se esbarraram no meio da rua estreita, e jamais se incomodaria com o escarlate morno que derramava-se dele e manchava sua camisa nova. Acidentes jamais poderiam ser previstos. No entanto, junto ao calor que se concentrava nas palmas de suas mãos enquanto o segurava, havia um dilema delicado e urgente lhe fazendo desejar que seus caminhos nunca houvessem se cruzado.

Apenas cinco minutos antes, a única preocupação de Jeong Yunho era encontrar um jogo de xícaras que completasse o bule de chá em sua posse. Não precisavam ser caras ou idênticas em aparência, apenas gostaria que combinassem com os girassóis cuidadosamente pincelados na superfície branca de porcelana.

Aquele havia sido seu maior achado após uma hora caminhando pelo labirinto de vielas claustrofóbicas do bairro portuário, que abrigava estabelecimentos transbordando vida desde o nascer do sol. Restaurantes e cafés que difundiam o aroma agridoce de temperos e essências no ar, sebos de livros escondidos entre ateliês de costura e quitandas abarrotadas de frutas da estação, bares que poluíam o caminho com suas cadeiras gastas e mesas manchadas. Graças ao feriado religioso da última semana, varais de pequenas bandeiras triangulares atravessavam as paredes e arranjos florais decoravam as portas, agravando o aspecto caótico do ambiente entrecortado por passagens arcadas e curtos lances de escada.

Por falta de espaço na sacola de juta pendurada em seu ombro, Yunho carregava o pequeno bule nas mãos, observando as vitrines atentamente à procura de utensílios para cozinha e acessórios de segunda mão. As xícaras perfeitas precisavam estar em algum lugar, e era nelas que pensava quando saiu do beco para a rua adjacente e um forte impacto o levou ao chão.

Sequer teve a chance de identificar a origem. Preocupado em proteger o objeto frágil, não conseguiu evitar a dor intensa que se espalhou pela lateral do seu corpo ao cair de encontro às pedras do calçamento. Junto à queda, uma confusão de sons e imagens cercou seus sentidos de imediato; o baque da sacola que se abria, vidros de conservas e ervas desidratadas se partindo em diversos pedaços, ameixas e pêssegos - que havia escolhido com tanto cuidado - rolando para longe de si. O aroma doce e frutado de álcool lhe alcançou segundos antes de vislumbrar uma garrafa de vinho estilhaçada a uma distância muito próxima de seu rosto. Uma garrafa que definitivamente não lhe pertencia, espalhando líquido carmim entre as fissuras no chão e tingindo os cacos de vidro que brilhavam sob o sol da manhã.

Foi quando um grunhido alto e atravessado por sofrimento emergiu ao seu lado, fazendo Yunho erguer a cabeça mesmo que ainda estivesse um pouco desnorteado. Havia um homem ali, também sobre o calçamento, e ele não parecia bem. Era provavelmente o responsável pelo desastre, considerando a proximidade em que estavam e o cenho franzido de quem sentia muita dor. Não se preocupando em oferecer ao menos um pedido de desculpas, ele se apoiou em um dos cotovelos tentando se levantar enquanto a outra mão envolvia o próprio abdômen, mas algo pareceu lhe impedir.

Como se sua energia fosse drenada de forma súbita, o homem se deixou cair outra vez. Somente então Yunho percebeu o escarlate vívido que jorrava da região anteriormente pressionada e que escorria entre os dedos dele; dedos adornados por anéis prateados e pequenos cortes causados pela garrafa.

Por instinto, Yunho ignorou as reclamações de seus músculos e ergueu-se com velocidade, se aproximando da figura que permanecia encolhida.

- Ei, o que aconteceu com você? Está tudo bem?

Houve apenas outro grunhido em resposta. Após vê-lo mais de perto, notou que ele parecia muito jovem e inclusive ambos poderiam ter a mesma idade. Havia um corte superficial na bochecha direita dele, logo acima do maxilar, provocando um contraste óbvio com a pele mais pálida do que deveria ser considerado normal. Uma mancha escura no canto dos lábios e uma escoriação na testa denunciavam marcas de uma briga, mas se estas não fossem evidências suficientes, uma rápida verificação indicou a Yunho que ele com certeza tivera um dia difícil.

Gathering Our Differences - YungiOnde histórias criam vida. Descubra agora