As Cinco Faces do Continente - Parte 1

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ATO 1: A DANÇA DAS FAMÍLIAS

O Sul de Eutheria é uma terra com belíssimos vales, cercados por montanhas e cortados por rios que serpenteiam por entre eles. Nessa região, floresce a família Drakonar, uma das cinco grandes famílias que dominam o continente. A família Drakonar é uma das mais antigas de Eutheria e destaca-se por sua força militar, possuindo a maior quantidade de cavaleiros e as melhores armas. Com 400 anos de história, são apenas superados em antiguidade pela família Venéfica. Liderados pelo patriarca do norte, Syrion Drakonar III, cuja reputação ecoa como trovões nos imponentes vales, a família Drakonar conta também com a presença marcante de Lady Elestria Drakonar. Sua graça rivaliza com a força de seu esposo. Juntos, eles têm três filhos: Aric, Elysia e Danyan, herdeiros do sangue Drakonar, que forjaram seus destinos nas chamas da tradição e no calor da batalha. Unidos pelo brasão que ostentam com orgulho, os Drakonar enfrentam o futuro com uma determinação que ecoa através das eras. Cada um dos três filhos possui um dragão, não apenas como protetor, mas também como tutor.

Aric, o primogênito, conta com a imponente presença de 'Tarion', um dragão vermelho de 30 metros de altura, que reside nos jardins do castelo da família e nunca perde Aric de vista.

Elysia recebeu um dragão aquático de 32 metros de comprimento, nomeado 'Aquilonis'. A sua morada é dentro de um grandioso lago, localizado atrás do castelo. Elysia costuma mergulhar no lago junto com Aquilonis.

E por fim, mas não menos importante, Danyan. O filho mais novo dos Drakonar recebeu um dragão de pedra de 28 metros de altura. Nomeado 'Terravox', o dragão reside em um denso bosque na entrada de Emberkeep, a capital e principal cidade da região sul.

A família Drakonar é a única em Eutheria que possui dragões, eles também veneram as criaturas como deuses. É uma tradição antiga da família todo membro novo receber um ovo de dragão. Por seu grande poderio militar, todas as outras regiões de Eutheria possuem aliança com os Drakonar.

A capital da região Sul é a majestosa Emberkeep, um paraíso localizado no meio de um vale. A cidade é dividida no meio por um rio chamado ‘Scaleborn’, e na entrada da cidade, gigantescas estátuas de dragões se erguem como sentinelas guardando os portões.

Emberkeep é elogiada por toda Eutheria, um refúgio belo e seguro erguido pelos Drakonar com o passar dos séculos.

ATO 1 PARTE 2 – ALVORECER DRACONICO

A Amanhece novamente em Emberkeep, os primeiros raios de sol refletem na superfície do rio Scaleborn, os pássaros saem de seus esconderijos para começar o dia com seus belos cantos. Os moradores da cidade começam a sair de suas casas para iniciar a manhã ensolarada. Em pouco tempo as ruas de Emberkeep já estão cheias e movimentadas.
Na entrada da cidade barcos vão e vem, alguns com pessoas apenas indo visitar Emberkeep, outros trazendo mercadorias do Oeste. No centro da cidade a fortaleza dos Drakonar se ergue com sua estrutura luxuosa. Séculos atrás esta mesma fortaleza fora usada pelos antepassados de Syrion III como um refúgio para se esconderem e se protegerem. Adentrando o salão principal da fortaleza que agora é o salão do trono, criados limpam as lustrosas decorações e os quadros dos primeiros Drakonar na parede.

Os membros da família não estão no salão do trono, pois estão no salão de jantar da fortaleza. No centro da sala, os Drakonar se sentam em suas respectivas poltronas em volta da grande mesa. Syrion mantém sua postura de dominância mesmo estando diante de sua própria família. O Lorde olha para os rostos de todos ali e coça sua barba antes de limpar a garganta e dizer algo.

— O que está havendo aqui? É a primeira vez que entro nesta sala, sento nesta poltrona e não escuto uma única palavra — exclama o lorde com um leve tom de decepção em sua voz. Aric olha para sua mãe e seus irmãos, todos estão inquietos com algo.

— Pai... O senhor sabe o porquê de estarmos assim. Um membro da família Glacialis chegará aqui em poucos dias — diz o jovem Aric com relutância, ele não quer tirar nenhuma reação negativa de seu pai. É difícil ficar tranquilo quando a maior família de Eutheria está vindo para a sua cidade. O silêncio perdura por mais alguns segundos, pois é cortado pelos criados trazendo o café da manhã.

— Muito bem! a comida está na mesa. Vamos esquecer a vinda dos Glacialis por um momento, e vamos aproveitar a manhã, o que acham?

Lady Elestria fala com um tom suave. Syrion assente e todos começam a comer. A mesa está bem cheia essa manhã, com pães e frutas frescas, suco e vinho para acompanhar e para finalizar, finas tiras de carne bovina.

Após terminarem suas refeições, cada membro da família foi para um lugar distinto. O jovem Aric foi para o jardim atrás do castelo. Ao chegar no jardim, o jovem encontra Tarion deitado entre a vegetação, o dragão aparenta estar dormindo.

— Não finja que está tirando uma soneca, Tarion. Eu sei muito bem que você me ouviu falando com meu pai — o jovem exclama com um tom de irritação. O dragão respira fundo e espira, fazendo as plantas em sua frente se agitarem. Tarion abre seus grandes olhos amarelos e encara Aric.

— Você deveria me tratar com mais respeito, criança. Esqueceu que sou eu o responsável por sua tutela e segurança?

A voz grave do dragão faz arrepios gélidos percorrerem a espinha de Aric, mas o jovem não demonstra e mantém uma postura ereta e uma feição de determinação.

— Você pode até ser mais velho que eu, mas é apenas uma criatura, um lagarto alado que cospe fogo — o jovem retruca o dragão com desdém. Ouvindo essas palavras, Tarion perde a paciência, ele lentamente se levanta. Antes mesmo do dragão se levantar completamente, ele é imensamente maior que Aric. A gigantesca criatura enche os pulmões de ar, levanta sua cabeça e...

ROOOOOOOOOOAAAAAAAAAAR

Um rugido estrondoso que faz as aves saírem voando assustadas, as paredes da estrutura mais próxima tremem e Aric cai no chão com as mãos nas orelhas.

— ‘Lagarto alado’? Você se acha muito para um mero e minúsculo humano — é notável que o dragão está irritado — Vá, saia daqui antes que algo de ruim aconteça — Tarion completa, olhando diretamente nos olhos de Aric, que acabara de se levantar e sair correndo do jardim.

Ao mesmo tempo que Aric correu do jardim, Elysia chegou ao lago de Aquilonis. A jovem senta num banco na margem do lago. O local é cercado por duas montanas, o lago tem dezenas de quilômetros de diâmetro e a profundidade é desconhecida pelos moradores de Emberkeep.

— Milady Elysia, tenha cuidado! É muito perigoso chegar tão perto da margem do lago — exclama Meryl com preocupação. Meryl é uma jovem criada que foi designada por Lady Elestria para cuidar da jovem Elysia.

— Não seja boba, Meryl. Aquilonis vive neste lago, ele nunca deixaria algo de ruim acontecer comigo — responde Elysia com uma leve risada. A jovem retira seus calçados e os coloca no banco.

— Espere Milady! O que a Milady irá fazer?

— Meryl! A cada dia que passa você está mais parecida com minha mãe. Eu não sou mais criança!

Com isso, Elysia corre e pula na água. Meryl corre até a margem e grita pela jovem. Se algo de ruim acontecer com Milady Elysia, Meryl sofrerá severas consequências. Mas rapidamente Elysia emerge com um largo sorriso no rosto.

— Está vendo? Nada de mais, apenas água, nada de ruim vai acontecer — a jovem ri e joga água na criada, que também ri. Meryl senta na margem do lado e coloca seus pés na água. De repente, o lago começo a se agitar, pequenas ondas se formam e batem na margem.

— Milady, o que está acontecendo? Rápido, saia da água, Milady — a criada exclama com medo e preocupação.

— Fique calma, Meryl. É apenas Aquilonis querendo se apresentar. Você é uma pessoa nova para ele — a jovem responde com um tom despreocupado. Sem hesitar, o grandioso dragão azul emerge, suas escamas refletindo a luz.

— Olá, pequeninas. Vejo que está alegre hoje, jovem Elysia. Quem seria essa com você, é a primeira vez que a vejo — a voz de Aquilonis é grave, mas não tão grave e assustadora quanto a de Tarion. Elysia olha para Meryl esperando que ela responda à pergunta do dragão.

Hesitantemente Meryl olha para Aquilonis, suas mãos estão tremendo e seu coração bate como um tambor — Eu... Eu me chamo Meryl, fui designada por Lady Elestria para cuidar de Milady Elysia — a jovem fala com uma voz tremula, mas o dragão consegue entender.

— Meryl... Espero que esteja cuidando bem da pequena Elysia para mim — o dragão fala com um tom sério, mas não demonstra ameaça para a jovem criada.

Algum tempo se passa, Meryl ficou sentada na margem do lago enquanto Elysia nadava e brincava com Aquilonis.

— Milady Elysia, vamos voltar, o sol diz que estamos no meio do dia — a criada exclama, chamando a atenção de Elysia e de Aquilinos. O dragão leva Elysia até a margem e Meryl tira a jovem da água.

— Venha de novo amanhã, jovem Elysia. Vejo vocês pela manhã — o dragão mergulha e desaparece nas profundezas do lago. Meryl ajuda Elysia a amarrar seus calçados.

— Eu falei para você que Aquilonis é tranquilo — Elysia diz com um sorriso no rosto enquanto às duas caminham de volta para Emberkeep.

No outro lado de Emberkeep, mais especificamente em um bosque que fica ao lado da cidade, Danyan está sentado em um tronco de árvore caído. O filho mais novo dos Drakonar está sozinho, o que é estranho, pois os moradores da cidade sempre veem o garoto acompanhado de um criado.

— Terravox, onde você está? Eu vim sozinho, não precisa se esconder mais — o jovem Drakonar grita pelo seu dragão, mas não recebe nenhuma resposta. Frustrado, Danyan desiste de continuar ali e caminha de volta para Emberkeep. Seus passos são lentos, ele tem um pouco de esperança de que Terravox irá aparecer e surpreende-lo, mas nada aconteceu.

Ao sair do bosque, a primeira coisa que Danyan vê é alguém correndo em sua direção. Um homem alto, aparenta estar na casa dos 40 anos de idade. O homem alcança o jovem Drakonar e coloca a mão em seu peito, respirando fundo.

— Milorde Danyan, você não pode sair correndo pela cidade assim! Imagine se algo de ruim acontecesse com você. Lorde Syrion III iria ficar furioso comigo, e Lady Elestria... Nem quero pensar no que iria fazer comigo — esse é criado que toma conta de Danyan, seu nome é Theron.

— Sempre a mesma coisa de sempre, Theron. Com o que você se preocupa mais? Comigo ou com você, já que sempre que algo acontece, você fala sobre o que meus pais podem fazer. E não me chame de “Milorde”, estou longe de assumir o trono — o garoto responde com um tom de irritação e desdém. Antes que Theron possa dizer algo, Danyan começa andar de volta para a fortaleza.

— Milorde Danyan, espere! Não faça isso, depois terei que explicar para Lorde Syrion o por quê você chegou antes de mim, assim eu vou ser punido — Theron fala com medo em sua voz, ele teme muito por sua vida, mas Danyan não dá ouvidos e continua andando sem dar ouvidos a Theron, fazendo com que o criado corra novamente.



A noite cai, a família Drakonar e outros nobres de Emberkeep se juntam no salão do trono da fortaleza. Lorde Syrion está sentado em seu trono, Lady Elestria toma o assento ao lado do marido. Aric, Elysia e Danyan sentam em poltronas que ficam ao lado esquerdo do trono de Lorde Syrion.

— Isso é tão irritante, odeio ter essas pessoas aqui — sussurra Danyan para Aric.

— Cuidado, Elysia pode acabar te ouvindo e te entregando para o nosso pai — Os dois riem olhando para a irmã, que revira os olhos e olha para a multidão no centro do salão. Os nobres não se reuniram na fortaleza atoa, hoje é um dia de comemoração, os Drakonar conseguiram mais um acordo com a região oeste.

— Um brinde ao grande Lorde Syrion III — um dos convidados exclama levantando seu copo, os outros fazem o mesmo. Syrion sorri e bate palmas, mas Lady Elestria não demonstra felicidade.

— Tem algo errado, querida? Algo aqui não está lhe agradando? Se for isso, eu acabo com a comemoração por hoje, podemos continuar amanhã – Lorde Syrion diz enquanto segura a mão de Lady Elestria.

— Não há necessidade. Eu não quero que a festa acabe por culpa minha, é só que não estou com cabeça para ouvir todo esse barulho — Lady Elestria responde com seu tom suave habitual. Por comemorações assim serem comuns em Emberkeep, é normal não que as pessoas enjoem das festas. A festa continua até tarde da noite, quando todos os nobres saem da fortaleza e os Drakonar vão para os seus quartos descansarem.

ATO 2 – NO VÉU DA ECONOMIA

A região Norte de Eutheria, o extremo oposto da região Sul. O Norte é a região com maior extensão de terra, sendo duas vezes maior que a região Sul. Infelizmente, a maior parte desse território é inabitável, fazendo com que mais da metade da região seja um deserto de gelo, neve e gigantescas montanhas que se erguem até onde os olhos alcançam, antes que suas pontas desapareçam entre as nuvens.

Bem no centro da região Norte está localizada Frostgard, a capital da região e lar da família Glacialis, a mais rica das famílias de Eutheria. Por mais que o povo da região não consiga plantar nada além de gelíneas, uma planta encontrada apenas no Norte. Sua vegetação é rasteira com diversos caules e ramificações que se espalham pelo solo.

O fruto produzido pelas gelíneas foi nomeado gláciafruto, é bem fácil de identificar um, sua casca é dura como a de um maracujá, mas tem uma cor azulada, suas folhas são brancas como a neve, mas por dentro, a polpa da fruta tem uma cor rosada. Essa é a única planta que consegue sobreviver no frio do Norte, e também é a base da alimentação dos habitantes da região.
Também é praticamente impossível criar animais para alimentar toda a região, caso fizessem, muitas pessoas teriam que dividir suas moradias com os animais. Os poucos animais que os habitantes conseguem criar são ovelhas para usar lã para vestimentas, e cavalos para locomoção.

Os demais animais que vivem na região são predadores como ursos e lobos gigantes, que podem facilmente ultrapassar a altura de um adulto médio. Com tudo isso sobre a região Norte, surge uma pergunta na mente daqueles que não vivem aqui. “Como os Glacialis conseguem ser a família mais rica de Eutheria, vivendo em um lugar assim?”, a resposta não é tão simples, mas os Glacialis são tão antigos quanto os Drakonar, e com o passar dos séculos eles foram criando alianças com as demais regiões. Todo o comércio de Eutheria tem um dedo dos Glacialis no meio.

ATO 2 PARTE 2 – NEVASCA

Frostgard, “A cidade gélida” como muitos gostam de chamá-la. Hoje a neve não está caindo sem trégua, o sol está brilhando entre as nuvens, é raro ter dias assim na região Norte. Os habitantes da cidade aproveitam esse para venderem suas mercadorias.
Alguns vendem coisas que eles mesmo criaram usando materiais de suas casas, outros vendem lã, tudo vale para conseguir se manter vivo no frio extremo. Tudo isso acontece na praça central de Frostgard.


A cidade está bem movimentada e barulhenta nesta manhã, mas toda movimentação e falação cessa quando os habitantes de Frostgard avistam Singfrey, o filho mais velho dos Glacialis passando em sua bela égua branca, rodeado por guardas vestidos com suas lustrosas armaduras de placa e espadas na cintura.
— Parem aqui. Eu vou descer — diz o jovem descendo de seu cavalo. Singfrey é um jovem de 21 anos, ele impressiona por sua altura que chega a ultrapassar seus guardas pessoais. Sua pele é pálida como a neve, seus olhos são azuis como um lago congelado, seu cabelo chega nas suas sobrancelhas, mas ele sempre o mantém para trás, e uma barba rala, da mesma cor de seus cabelos.

— Amarre-o em algum lugar — Singfrey diz a um de seus guardas com um tom frio, baixo e levemente rouco, quase como um sussurro. O guarda assente sem dizer uma única palavra e pega as rédeas do cavalo para amarra-lo ali perto. O jovem Glacialis anda um pouco pela multidão que abaixa a cabeça em reverência.

Singfrey para na frente de uma tenda velha, ele olha para algumas prateleiras antes de focar seus olhos nos de uma jovem elfa.

— Posso... Posso ajudá-lo com algo, Milorde Singfrey?

A jovem está visivelmente nervosa, não é todo dia que um Glacialis decide sair de sua luxuosa mansão para andar pelas ruas geladas da cidade. Singfrey a encara em silêncio por um momento, isso deixa a jovem elfa muito mais nervosa, gotas de suor começam a se formar em sua testa, mesmo estando em frio extremo.

— O que — Singfrey tosse e coça sua garganta antes de falar novamente com seu tom frio e rouco — O que uma elfa do Oeste faz no frio extremo do Norte?

— Fui... Fui trazida como escrava. Milorde — a jovem elfa responde com tristeza em sua voz. Singfrey a encara em silêncio novamente, mas seu silêncio é cortado por sua tosse seca.

— Qual é o seu nome, elfa?

— Eu me chamo Lúthien, Milorde — a jovem elfa responde abaixando a cabeça em reverência. Singfrey olha para um de seus guardas e faz um sinal com as mãos para ele se aproximar.

— Minha bolsa de moedas, vou comprar algo — Singfrey tenta falar mais alguma coisa, mas sua tosse seca o interrompe de novo. O guarda não espera outra palavra do jovem e entrega rapidamente a bolsa de moedas, antes de retornar para sua posição.

— Eu vi que você vende potes com gláciafruto, são doces?

— Sim, Milorde. São doces feitos com gláciafruto. Uma receita que aprendi na infância — Lúthien responde enquanto pega um dos potes — Um pote são duas moedas Argento, Milorde — a jovem termina com um sorriso no rosto, todo o nervosismo foi embora quando Singfrey falou sobre comprar algo.

— Está delirando, elfa? Você acha mesmo que Milorde Singfrey irá pagar tão caro em um pequeno pote com um doce? Já é muita consideração, nós termos parado neste lugar — esbraveja um dos guardas de Singfrey. Com a afronta, Lúthien recua alguns passos na tenda, e começa a tremer quando vê o guarda tocando o cabo de sua espada.

— Ficou louco? Quem você — Singfrey grita, fazendo sua tosse piorar, mas ele não para de falar — Quem você pensa que é para falar isso? Um mero guarda querendo se impor contra uma comerciante. Você me enoja — o guarda abaixa a cabeça e recua em silêncio, todos que viram e ouviram a cena ficam perplexos.

— Me perdoe pelo meu guarda, Lúthien. Terei certeza de que amanhã ele não será mais chamado de guarda — Singfrey diz novamente em seu tom frio, baixo e rouco. O guarda permanece de cabeça baixa, enquanto Lúthien se aproxima cuidadosamente do jovem Glacialis novamente.

— Não... Não precisa pedir desculpas, Milorde. Eu realmente fui tola por cobrar algo do senhor — Lúthien responde cabisbaixa com um leve tom de tristeza. Mesmo com a situação, Singfrey pega duas moedas Argento e entrega para a elfa.

Singfrey pega o pote de doce, se despede de Lúthien e volta para o seu cavalo. Os guardas escoltam o jovem de volta para a mansão dos Glacialis. Chegando na mansão, dois guardas que estavam no portão o abrem e fazem uma reverência quando Singfrey passa.

— Leve Nebulosa para os estábulos — Singfrey desce de sua égua e entrega as rédeas para um dos guardas, que faz o que lhe foi ordenado. O jovem se dirige até a porta da mansão, mas não é ele quem abre, e sim seu irmão mais novo Arkyn.

— Posso saber para onde meu querido irmão foi? Espere — Arkyn fala com deboche em sua fala e ri quando vê que Singfrey está segurando um pote de doce — Não me diga que você desceu até o vilarejo para comprar isso de algum mercador qualquer — e novamente ele ri.

— Onde eu fui, onde eu vou, o que comprei ou o que vou comprar. Não sou obrigado a lhe contar nada disso, me poupe de seu deboche. Prefiro ouvir os cavalos relincharem do que ouvir a sua voz — responde Singfrey com frieza, tirando Arkyn de sua frente empurrando-o para o lado. Arkyn para de rir quando Singfrey o empurra como se não fosse nada.

— Você tem sorte de ser o mais velho, caso contrário, nem nesta mansão você estaria morando — Arkyn exclama irritado. Singfrey ignora e continua andando. Arkyn é o segundo do filho dos Glacialis, sendo dois anos mais novo que seu irmão. Os dois se parecem um pouco, mas Arkyn é um pouco mais baixo, tem um rosto mais fino e seus olhos são verdes.

Algum tempo depois, todos os Glacialis se reúnem na sala de jantar da mansão. Singfrey vai até à mesa e senta na cadeira ao lado de sua mãe, Lady Syrune Glacialis. E logo ao lado de Lady Syrune, Arkyn.

— Muito bem! quem vai falar primeiro? Sei que vocês tiveram uma discussão hoje cedo, não adianta ficarem com essas caras sérias sem falar nada — diz Lady Syrune com certa irritação. A Lady é uma mulher imponente, sempre com uma postura ereta e olhar sério mesmo estando em um momento de lazer com seus filhos.

Syrune é jovem, tendo seus 36 anos, seus olhos são azuis assim como os de Singfrey, seu cabelo é sua característica mais chamativa, pois atinge a metade de suas costas e sua cor é única, tendo mechas brancas e mechas vermelhas.

— Singfrey foi até o vilarejo e comprou um pote estranho. Eu só perguntei aonde meu querido irmão tinha ido. Eu me preocupo com ele, ainda mais agora que ele está no lugar de nosso pai — Arkyn fala com um tom suave, mas bem no fundo Singfrey sabe que é tudo ironia.

— Tolo é aquele que acredita nas palavras que saem de sua boca, Arkyn. Eu apenas fui dar uma volta pelo vilarejo, não aguento mais ficar todos os dias dentro deste lugar. Nosso pai foi para o Sul, eu estou no lugar dele como lorde do Norte até ele voltar, mas parece que me tratam como uma criança — dessa vez o tom de voz de Singfrey foi alto e cheio de raiva, e novamente o jovem começa a tossir.

— Singfrey Glacialis! Abaixe seu tom de voz! Você pode ser o lorde enquanto seu pai viaja, mas eu ainda sou sua mãe. Não aceitarei que fale dessa forma comigo e com seu irmão — Syrune exclama dando um tapa na mesa. Singfrey desvia o olhar e abaixa sua cabeça, Arkyn sorri, mas rapidamente fica com uma expressão séria quando sua mãe olha para ele.

Se ao menos ele fosse meu irmão. Pensa Singfrey, mas ele decide não falar, pois tornaria a situação muito mais difícil. Um tempo se passa, os três finalizam a janta e vão para os seus quartos.

— Você consegue acreditar que ele disse aquilo? Ele prefere ouvir os cavalos relincharem do que ouvir a minha voz? Que ele durma nos estábulos então, não acha?

Arkyn fala fervorosamente para um quadro na parede, tendo a pintura de uma mulher parecida com Syrune. O jovem continua falando mal de seu irmão para o quadro. No quarto de Singfrey, ele pega o pote de doce que comprou de Lúthien e senta em sua cama.

Minha mãe não consegue perceber que Arkyn não é nada além de pura falsidade, ou ela tem pena dele pelo que aconteceu com a mãe dele?

Pensamentos inundam a mente de Singfrey, até o momento que ele pega uma colher e come um pouco do doce. O sabor é bom, não é tão doce e é levemente azedo, provavelmente tem limão no meio. O jovem continua comendo o doce enquanto olha para o fogo de sua lareira, quando o vento começa a soprar muito forte, quase apagando a chama.

Singfrey corre para fechar a janela, e no momento que faz isso, pedras de gelo começam a cair do céu, junto disso, a neve cai como chuva, é o início de uma nevasca, e Singfrey sabe o que isso significa.

O vilarejo vai ser afetado. Provavelmente mais pessoas vão morrer... Lúthien.

Singfrey rapidamente sai de seu quarto e desce as escadas correndo, e vai em direção à porta principal. Ele coloca a mão na maçaneta, mas é parado por sua mãe.

— Singfrey, onde você pensa que vai? Não viu que começou uma nevasca? É perigoso demais ir lá fora — diz Lady Syrune com preocupação e dúvida. Singfrey segura a maçaneta, mas não a gira, ele lentamente vira para encarar a sua mãe.

— Eu vou ver como a Nebulosa está, é perigoso para os cavalos quando uma nevasca começa — o jovem acredita que essa é a única desculpa que faria sua mãe deixá-lo sair. Lady Syrune se aproxima de Singfrey e coloca uma mão no ombro do jovem.

— Singfrey... Eu conheço meu filho, você não vai sair na nevasca apenas para ‘ver como Nebulosa está’. Por quantas nevascas aquela égua já passou? Me diga, o que você realmente vai fazer — diz Lady Syrune com um tom leve e sincero. Singfrey engole seco e mais uma vez começa a tossir.

— Tem... Tem uma pessoa no vilarejo que eu conheci, não quero que essa pessoa sofra com a nevasca. O vento não está muito forte, eu consigo ir e voltar rápido, a Nebulosa é a égua mais rápida dos estábulos — diz Singfrey com um olhar decidido. Ele segura novamente a maçaneta, e quando abre a porta, uma rajada de vento e neve acertam o jovem sua mãe.

— Está decidido, você não vai sair desta casa — Lady Syrune diz enquanto tira a neve de seu vestido. Singfrey fecha porta e lentamente volta para o seu quarto.

ATO 3 – CHAMAS NO OESTE

A região Oeste, terceira maior região de Eutheria, sendo um pouco menor que a região Sul. Aqui a fauna e a flora predominam, já que toda a região tem solo fértil para plantio, isso faz com que muitos animais herbívoros e onívoros se juntem nessa região, o que aumenta a quantidade de animais predadores.
O maior predador da região é um felino de grande porte, tendo o mesmo tamanho de um tigre adulto. Os moradores da região o chamam de ‘Nóctilis’, esse felino habita as florestas mais densas da região. Os Nóctilis são felinos de hábito noturno e são raramente vistos pelos moradores da região.

Ainda não se sabe muito sobre os Nóctilis, mas sua aparência é bem conhecida. Como dito antes, eles se assemelham a grandes felinos, seus corpos são musculosos como os de tigres, e flexíveis como os de leopardos. Seus olhos na maioria das vezes são da cor violeta, e sua pelagem é preta com manchas azuladas.

Muitas lendas rodeiam os Nóctilis, muitos dizem que eles são animais de estimação do Deus da Lua e da noite, Nocturne. Por isso é tão difícil encontrar um à noite, pois uma lenda diz que a luz da lua os torna invisíveis. Outra lenda diz que os Nóctilis podem se comunicar entre si sem emitirem sons, apenas com o poder da mente.

A região Oeste também é o habitat dos elfos, nem todas as tribos estão aqui, mas eles se originaram nessa região. Os elfos dominam as fronteiras da região e as florestas mais densas, garantindo a proteção dos animais.

Bem no centro da região está localizada Emberhold, a capital do Oeste. No centro de Emberhold está o castelo da família Ignis, a terceira família mais antiga de Eutheria. Os membros da família Ignis são o Lorde Arthury, a Lady Auressa e seus dois filhos, Raqiyah e Ohdran.

ATO 3 PARTE 2 – CAPITAL DO FOGO


Emberhold, conhecida também como ‘A capital do fogo’, é uma cidade focada totalmente na produção de armas, armaduras e ferramentas. É muito comum encontrar anões em forjas, já que eles são os mais competentes quando o assunto é forjar.
Os moradores dividem suas ruas com cavalos que carregam minério de ferro em carroças durante todo o dia. Esses minérios são levados para as forjas, para serem transformados em armas e armaduras para os guerreiros, ferramentas para agricultores e arquitetos.

O sol nasceu a pouco tempo, mas os ferreiros já começaram a trabalhar. Uma forja em específico chama mais atenção por ser a mais barulhenta naquela manhã. Está é a forja de um anão, e ele aparenta estar bem irritado.

— Que diabos! Eu bato, bato e bato, mas essa droga de pedaço de ferro não fica como quero — esbraveja Moron, cuspindo no chão e se sentando em um banco ali perto. O anão joga seu martelo em cima de uma mesa.

— Consegui ouvir seu grito de longe, Moron — diz um homem alto parado na porta da forja. Ele se aproxima do anão e estende a mão para cumprimentá-lo.

— Ah! Lermahn, a quanto tempo não te vejo, garoto — diz Moron com um grande sorriso, enquanto se levanta e cumprimenta Lermahn com um aperto de mão firme.

— Só fiquei fora da cidade por dois meses, não foi tanto tempo assim. Mas eu não vim por isso — diz se aproximando da fornalha. Ele olha para o fogo por alguns segundos antes de olhar para Moron.

— Você veio pela adaga. Sinto pena do azarado que vai provar a lâmina — Moron solta uma gargalhada — Eu vou pegar para você — termina entrando em uma porta que leva para os fundos da forja.

Ele vai ficar decepcionado quando descobrir para quê a adaga vai servir. Pensa Lermahn dando uma leve risada. Alguns minutos depois, Moron volta, coberto de poeira.

— Malditas caixas, não servem nem de apoio — resmunga o anão, colocando a adaga em cima da mesa. Ele tira a poeira de sua roupa e sobe num banco perto da mesa.

— Quantas moedas vão ser? Espera — Lermahn franze a testa quando vê um grande sorriso malicioso se formar no rosto do anão — Pode parar por aí. Não vou pagar mais que 20 moedas platinor, não estou trabalhando na casa do Lorde para receber tanto dinheiro assim — completa dando um leve tapa na mesa e se levantando.

— Acalme-se, homem. Não vou cobrar tão caro, apenas 9 moedas platinor. Você é meu amigo, recebe um pequeno desconto — Moron diz esfregando suas mãos. Lermahn suspira e tira uma bolsa de moedas do seu bolso.

—  Ainda vão te matar por cobrar tão caro — Lermahn diz em tom de brincadeira. Moron ri e coça sua barba — Até lá, cobrarei cada vez mais caro. Mudando um pouco o assunto, como estão seus irmãos? Faz tempo que não vejo eles por Emberhold.

Lermahn olha para o fogo antes de voltar seu olhar para Moron — Meus irmãos estão caçando, é costume da família ficar semanas nas florestas caçando. Mas minhas irmãs estão em Emberhold — é visível o orgulho em sua voz ao falar de seus irmãos e irmãs.

Moron ri e esfrega sua barba — Caçadas... Faz muito tempo que não caço um animal, passo o dia inteiro martelando barras de ferro que esqueço de me distrair com algo — o anão respira fundo, levanta e pega seu martelo.

— Bom, preciso ir, tenho mais coisas para fazer pela cidade. Até algum dia, Moron — Lermahn diz já virando as costas, nem esperando a resposta de Moron. O anão apenas balança a cabeça e volta para perto do fogo, onde pega a barra de ferro e enterra no carvão em brasas.

Lermahn caminha por Emberhold e observa os moradores saindo de suas casas e alguns já nas ruas. Passando perto da entrada da cidade, Lermahn avista um homem de idade avançada entrando com uma carroça. Ele decidi ignorar, mas rapidamente munda de ideia ao ver um braço sair do pano que cobre a carroça.

— Ei! O que você tem aí? — Lermahn pergunta ao cocheiro com uma voz de quem está querendo respostas rápidas. O cocheiro analisa Lermahn dos pés à cabeça, então respira fundo e puxa as rédeas, parando os cavalos. O velho cocheiro desce da carroça e coça sua cabeça.

— São corpos, senhor. Os corpos dos moradores que tinham desapareceram semana passada — o cocheiro responde com uma voz rouca antes de escarrar e cuspir ao lado dos cavalos. Lermahn encara o cocheiro com um olhar levemente enojado.

— Posso vê-los? Talvez eu conheça alguém — Lermahn diz já esperando o “sim” do cocheiro. O velho cocheiro resmunga algo e responde “Vá em frente, só não toque nos corpos”, com isso Lermahn assente e se aproxima da carroça.

Vamos ver... Lermahn puxa o pano, descobrindo os cadáveres. O cheiro de carne apodrecida rapidamente domina, até mesmo os cavalos fica incomodados, mas Lermahn parece não se importar com o cheiro. Ignorando o que o cocheiro disse, Lermahn move levemente um dos corpos, revelando mais corpos abaixo, mas esses estão queimados.

— Corpos queimados... Selvagens? — Lermahn pergunta enquanto cobre os cadáveres novamente. O cocheiro checa as rédeas dos cavalos  — Não. Foi uma Chama que fez isso — o velho responde e novamente escarra e cospe ao lado dos cavalos. Lermahn fica surpreso ao ouvir a resposta e se aproxima do cocheiro.

— Uma Chama? Impossível, não existem Chamas ao redor de Emberhold. Tem certeza de que foi uma Chama?
— Rapaz, eu trabalho recuperando corpos há 30 anos, sei diferenciar corpos queimados por humanos de corpos queimados por Chamas — o cocheiro se irrita e sobe na carroça novamente, se afastando de Lermahn antes que ele possa falar algo.

Uma Chama na floresta em volta de Emberhold... O homem olha para o portão da cidade e suspira. Espero que meus irmãos fiquem bem... Eles estão bem. Ele repete a si mesmo antes de recompor sua postura e seguir seu caminho.


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⏰ Última atualização: Apr 16 ⏰

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