NO DIA SEGUINTE NO DOJÔ, muitos haviam faltado, mas na realidade acho que eles apenas tinham desistido. Me mantive próxima de Eli, me alonguei junto dele e a gente conversou um pouco. Eu me sentia divertida em seus assuntos, e eu me sentia burra ouvindo seus assuntos de nerd.
Só entendia quando falávamos de Rick and Morty, ou Marvel. Fala sério. Eu amava aquele desenho e vários filmes da Marvel. Foi nesse lance que eu descobri que ele não curte DC.
Johnny saiu do escritório com seu típico kimono preto e sua faixa na cabeça. Eu vestia o meu branco que Lawrence havia me entregado e meu cabelo estava preso em tranças que íam da raiz até as pontas do meu cabelo.
— Todos em seus lugares. - Escutamos ele dizer e eu ia me posicionar, quando ele notou a falta de muitas pessoas. — Cadê todo mundo? O cratera? Piercing? Estilingue? - Perguntou, confuso.
— Desistiram, sensei. - Miguel respondeu por todos.
— Sério? - Observou, chocado, mas logo se recuperou, olhando para todos novamente e deu um pequeno sorriso. — Muito bom. Considerem um teste. Pra ver quem era bunda mole, agora vocês tão nessa pra vencer. - Falou e eu assenti com a cabeça. — Podiam estar em casa no computador, videogame, comendo doces. Mas estão aqui, fazendo flexões, aprendendo a lutar.
Seu discurso motivacional não era nem um pouco motivacional. Até seu olhar parar em Eli e eu sentir minhas pernas bambearem, com medo do que ele falaria a seguir.
— Lábio! Até o lábio é mais durão que aqueles caras. Ele não é um bunda mole. - Disse, apontando para o garoto que estava do meu lado. Minha mão involuntariamente segurou a dele, e meus olhos foram até sua face, que não era das mais felizes.
— Por favor, não me chame assim. - Ele pediu, gentil e sem graça. Aquilo fez meu coração se romper.
— Como é que é? - Johnny perguntou, horrorizado e eu respirei fundo.
— Só, por favor, não me chame assim. - Eli pediu, novamente.
— Deixa que eu cuido do aquecimento… - Miguel tentou interromper, antes que causasse mais uma briga.
— Não não não não, o lábio quer falar alguma coisa. - Johnny interrompeu de volta, querendo enfrentar um aluno. — Desculpa, fala, lábio. Ou sua língua também é zoada?
Aquilo fez meu sangue ferver.
— Sensei, com todo respeito. Para com isso. - Pedi, com delicadeza na voz.
— Você é um garoto especial? - Johnny perguntou, se referindo a algum tipo de diferença no comportamento, provavelmente ao autismo.
— O médico disse que eu… posso estar no espectro. - Senti ele segurar minha mão mais forte, se sentindo sensível.
— Não sei o que é, mas sai disso agora, beleza? - Respondeu, fazendo eu revirar os olhos. — Se não quiser que te chamem de lábio, arrume essa coisa. Não pode operar?
— Sensei…
— Eu nasci com lábio leporino, essa é a cicatriz da cirurgia. - Ele respondeu, sem conseguir manter contato visual com o mais alto.
— Quer dizer que era pior ou o médico piorou as coisas? Porque se esse for o resultado, tá horrível, você deveria processar. - Johnny afirmou, encarando o garoto que estava sensível.
— Sensei, eu não sei se você sabe o que é lábio leporino então não fale isso, por favor. - Tentei interferir, falando qualquer coisa possível para defender meu amigo.
— Será que, a gente pode mudar de assunto? - Eli também tentou, e eu apertei sua mão.
— Eu também quero isso, mas é difícil com você. Se não quiser ser um nerd com uma cicatriz no lábio, tem que ser radical, sacou? Tatua a cara, arranca o olho, A gente vai te chamar de “pirata”. - Falou, se afastando de nós dois. — Mentira, não faz isso, vai continuar sendo uma aberração.
Eli largou minha mão, e eu senti falta de seu toque, e quando notei, ele já havia saído do dojô. Levantei meu olhar, para encarar Johnny que não tinha expressão de culpado, fiquei séria quando ele fixou o olhar em mim.
— Você realmente não tem um pingo de compaixão por gente que não teve escolha ser daquele jeito. - Afirmei, olhando no fundo de seus olhos e saí correndo do dojô, indo atrás de Eli.
Assim que o encontrei, me aproximei dele, que estava chorando, seus cílios molhados, olhos vermelhos, aquilo me quebrava.
— Eli? - Chamei seu nome.
— O que você quer? - Perguntou, irritado.
— Ignora o sensei, ele não é o melhor cara do mundo mas ele pode te ajudar a evoluir. - Tentei o consolar, me aproximando dele.
— Pra você é fácil falar, você é perfeita. - Rebateu, só que não era pra ser um elogio. — Nunca sofreu bullying, então para de fingir que sabe o que sentimos!
Eu não fiquei triste. Eu nunca ficava triste, eu ficava brava. Irritada de vir consolar ele e ele jogar na minha cara uma droga dessas. Franzi meu cenho.
— Você não sabe do que está falando! - Falei, a voz embargada.
— Ah, vai dizer o que então? Que sofreu muito e por isso veio pra cá? Nós dois sabemos que você é tão suja quanto o Kyler, Yasmine ou até Bruce. - Falou.
Meu coração estava sendo partido pelo garoto que eu jurei que jamais faria isso. Eli era meu amigo, aquilo era um desastre para mim. Eu ainda estava me permitindo ser humilhada por ele porque eu não conseguia fazer o contrário. Porque Eli não tinha defeitos o suficiente em minha cabeça para eu julgar ele.
— Vai se foder! - Foi a única coisa que eu consegui dizer antes de virar minhas costas e entrar no dojô novamente.
Eu estava com uma expressão irritada, claramente qualquer um que viesse falar comigo levaria um soco no meio da traquéia. Não estava boa de papo.
(...)
— Quem encomendou um saco de pancadas? - Ouvi alguém gritar do andar de baixo, e logo notei que era minha mãe.
Saí do meu quarto correndo e desci as escadas, olhando para ela, do último degrau.
— Foi eu! - Avisei, ela assentiu levemente e deixou o entregador entrar no ambiente. — Pode instalar lá no meu quarto, terceira porta à esquerda. - Informei a ele.
Minha mãe pareceu ignorar, já que pegou seu celular novamente e voltou a escrever nele, pronta para subir as escadas quando eu entrei em sua frente.
— Oi. - Falei, tentando chamar sua atenção.
— Oi querida, já jantou? - Perguntou, sem olhar nos meus olhos.
— Eu já jantei sim, é que você não se sentou com a gente hoje, caso queira companhia…
— Ah não precisa. Eu jantei lá no escritório. - Afirmou, tirando os olhos do celular finalmente, mas durou pouco tempo. — Mais alguma coisa?
— Ah não, é que eu queria… sei lá, contar como foi o meu dia… - Tentei dizer algo, passando minhas mechas soltas para trás da orelha, nervosa. Um sorriso sem graça surgiu em meus lábios.
— Não posso agora, conte para o seu pai. - Falou, e deu um sorriso triste. — Tenho que ir, várias coisas para se resolver. Se cuida, ok? - Disse, se aproximando de mim e me deu um beijo na testa, logo se afastando e indo até o escritório.
Ela me deixou sozinha naquela sala novamente. Somente eu e uma frustração crescente em meu peito. Eu fiz algo de errado? Será que eles realmente quiseram ter um filho? Eu tô aqui de intrusa nessa família? Amo meus pais mais que tudo, esse é algum tipo de karma?
Isso é tão injusto, que porra é isso? Eu fiz algo errado, caralho? Franzi meu cenho e sai em disparado pro meu quarto, vendo o entregador terminar de instalar o saco de pancadas em um canto do meu quarto, assinei uma papelada que ele disse que eu tinha que assinar e ele vazou.
Sem pensar muito, descontei minha raiva naquele objeto, eu estava furiosa pelo que tinha acontecido com Eli. Furiosa pela minha mãe e pelo meu pai, furiosa comigo mesma por aceitar tão pouco.
Eu não aguento mais isso.
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𝐈 𝐃𝐈𝐃 𝐒𝐎𝐌𝐄𝐓𝐇𝐈𝐍𝐆 𝐁𝐀𝐃, (cobra kai fic)
FanfictionEU FIZ ALGO RUIM | Sofie Jones era uma bailarina especialista, com uma autoconfiança predominante e uma das melhores de seu estúdio de balé, treinava o esporte desde os 5 anos de idade e amava ser uma das melhores. Porém, durante uma apresentação de...