um travesseiro por vez

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Natália está há exatos vinte e cinco minutos andando de um lado ao outro do quarto, recolhendo o que ela acredita ser necessário para passar uma noite na casa... Tá, calma! É só a Carol. Mas a Carol é muito mais organizada que ela. E tem aqueles troços para colocar as coisas nos lugares certos, enquanto a Natália apenas segue seu próprio fuso horário do caos. O que ela tem de mais limpo e separado, é porque outra pessoa limpou e separou. Não ela. Nunca ela.

Essa linha de raciocínio a leva até oitocentos tipos diferentes de pensamentos: se nem ao menos consegue dobrar as próprias roupas, como será o resto? Se reinventar lhe causa agonia infinita, sempre foi assim. Mas pensar que isso - ela mesma - pode fazer com que a Carol desista, revira seu estômago de uma forma nada agradável.

É a primeira noite que elas vão passar juntas como um casal. Aquela manhã que culminou na - graças a deus - declaração da Carol, aconteceu de uma maneira que os nervos atrapalhados da Natália não conseguiram prever. Ela estava tão focada em superar os sentimentos pela fisioterapeuta que quando eles se mostraram recíprocos, tudo que ela fez foi apenas seguir o fluxo. Em êxtase, mas, principalmente, em choque pelas novas possibilidades.
Agora é diferente. Os planos estão feitos e o corpo de Natália treme ao pensar que dormirá na mesma cama que a amiga... quer dizer, noiva, quer dizer, quase mais do que isso. Argh, nenhuma palavra parece caber no que ela sente por essa avalanche de novidades.

Danem-se as afirmações de amor, Natália ainda acredita, em algum ponto escuro dentro de si, que ela não serve como namorada, amante, parceira de vida.

Ela nunca foi um casal completo com ninguém. Sempre deixando as coisas pelas beiradas, focada em descobrir sobre a morte do irmão. Focada na própria loucura, nos próprios problemas. Em como, em quando, em por quê. Nunca no quem. Nunca nela mesma.

Ela separa seu travesseiro e coloca no porta malas do carro. Veste uma camisa branca simples e um jeans claro, com tênis, para encenar uma casualidade que não é dela. Uma tranquilidade que não está descrita no seu DNA.
Merda. Ela sabe que Carol sabe. Carol a conhece. Entende as manias, o gênio, o jeito meio estabanado e nada socialmente adequado da fotógrafa. Mas e se como namorada não for isso que ela deseja da Natália? Será preciso quantas mudanças? Quantos troços de organização e limpeza e delicadeza - eu não sei ser delicada - para que ela seja aceita? Será possível mudar tanto assim?

Ela tenta parar os pensamentos intrusivos. A Lígia sempre diz, mil vezes por sessão, que as porcarias que passam vinte e quatro horas pela sua cabeça não podem ser automaticamente consideradas verdadeiras só porque ela pensou. Fácil falar, porra.

Sua cabeça está um caos pela perspectiva - como se ela nunca tivesse passado uma noite na casa da Carol, como se elas não conversassem durante horas todos os dias. Elas já haviam enfrentado tantas coisas juntas. Por que essa, que parecia a mais simples e cotidiana, estava causando tanto medo nela?

Natália sabia porquê, claro. Não era só um momento de: eu vou ver minha amiga, falar bobagens e rir. Era mais parecido com: o amor da minha vida também me ama e me chamou para ir com ela para o Canadá, mas como isso vai ser possível se eu não consigo nem relaxar para poder passar uma noite toda com ela?

Meu Deus. Como tantas perguntas podiam existir em um espaço tão curto de tempo?

Ela também sabia, claro, que o tempo era uma questão. Que a passagem de amigas para tudo tinha sido tão emocionante, e abrupta, quanto pular de asa delta. Deve ser por isso que ela sente que vai mesmo é se esborrachar no chão.

Por causa, ou talvez, apesar disso, ela chega cedo demais na casa de Carol, que abre a porta ainda de toalha, com os cabelos encharcados e um sorriso contagiante no rosto. A fotógrafa esquece por um segundo porque estava tão nervosa. Mas dura só um segundo mesmo.

duetos | narolOnde histórias criam vida. Descubra agora