VII

59 10 0
                                    

🐰

No final, todos queremos alguém que nos conheça por completo, que conheça nossos gostos e desgostos, nossos hábitos e nossos medos. Que saiba exatamente o que pensamos, sabe o que queremos e quando queremos, mesmo sem dizermos nenhuma palavra. Isso ficou em minha mente a noite toda, enquanto Jeongyeon aproveitava seu décimo nível de sono.

"Está fugindo, de novo." Como poderia eu não fugir de minha maior assombração? Era simplesmente impossível pensar sobre meus pais e não me sentir como um ser que fora descartado desde o útero até a vida adulta. Parecia mais confortável a ideia de continuar fugindo.

Yoo Jeongyeon não podia exigir que eu compartilhasse de minha vida com ela, porque sei que ficou bem mais abalada com a morte do tio do que comentou comigo. Ela não disse uma palavra sobre o velório.

Também, uma grande parte de mim pensa que não devesse mesmo, assim como eu não devo nada a ela.

Saí de meu caderno, assistindo Jeongyeon colocar cortinas nas janelas do ônibus. Ela certamente não tinha recordações da noite anterior, cantarolando diversas músicas dos anos dois mil.

Eu provavelmente perdi a parte onde Yoo conseguiu um sofá, ou a que ela conseguiu parafusar um sofá no chão do ônibus, ainda sim era confortável o suficiente para me fazer ficar sentada desenhando enquanto Jeong ajeitava a parte de dentro. Sua blusa levantava levemente toda vez que esticava os braços para pintar os últimos detalhes da princesa Tiana - preferida de Karina - na parede dos fundos do ônibus.

Tive que desviar meu olhar antes que sua cintura me levasse para outros pensamentos.

- Ei, birrenta. O que achou? - Perguntou, se afastando para que eu pudesse ver a pintura.

- Está ótimo. - Sorri e larguei meu caderno, me aproximando. Jeongyeon se levantou.

Me olhou.

- Acha que ela vai gostar? - Bufei, cruzando os braços.

- E que criança não gostaria? - Yoo deu risada e fez um movimento brusco ao se virar, esquecendo do pincel em sua mão e sujando meu braço.

Ficamos paradas por um tempo, assistindo a linha verde em meu braço.

- Desculpe... - Eu me abaixei e peguei outro pincel, sujo de azul. - Nayeon... Nayeon, não!

Ela abriu a boca quando eu passei tinta em sua bochecha.

- Ah, se é assim...

Yoo me sujou de novo e eu a sujei de novo, até que virasse uma guerra de tinta. Eu ri quando ela segurou meu braço e me puxou para perto, enquanto eu segurava a mão dela para não sujar meu cabelo. Num pisar falso, tropecei na mochila dela e a puxei junto comigo, caindo por baixo de seu corpo no sofá. Nós já tínhamos estado ali antes.

Seu corpo, porém, não se afastou rapidamente dessa vez. A mais nova sorriu de canto e se aproximou.

- Você cria essas briguinhas porque sabe que sempre acabamos assim? - Ela sussurrou, pondo meu cabelo para o lado. — Você vai acabar me enlouquecendo, Im Nayeon.

Minha pele arrepiou quando seus dedos percorreram meu braço.

- Você é quem sempre começa, deve gostar de me ver embaixo de você.

Alasca | 2yeonOnde histórias criam vida. Descubra agora