Mais um dia comum, o céu estava perfeito para um belo voo, um lindo azul enfeitado por poucas nuvens. Abaixo, podia-se ver algumas crianças brincando de pega-pega. Como seu tio sempre falara: "Elas são o nosso grande tesouro", a moça recorda das brandas palavras.
Hannah, filha do Duque Berrycloth, sobrevoava os campos naquela manhã. Amava pegar o pequeno dirigível de seu pai e sair para se inspirar. Um de seus lugares favoritos era a bela floresta de pinheiros que ficava próxima aos montes.
Os tons de verde escuro que começavam a contrastar com a grama clara ao final dos campos a encantavam.O belo dirigível, na cor prata e ouro, e sua grande armação no tom marfim, desfilava sobre os céus de Salén. Abaixo, viam-se as crianças acenando e se despedindo da máquina voadora. Esta era simples e não muito grande, fácil para apenas uma pessoa dirigir. Decidiu subir um pouco mais alto, nada como observar o lindo reino sobre as nuvens, onde não correria o risco de atrapalhar o voo dos pássaros que estavam cantando esta manhã.
"Os ceifeiros já estão nos campos", observa Hannah pela janela enquanto conduzia o dirigível próximo aos campos de trigo e cevada. Era época de colheita, o que a fazia recordar dos pães e bolos que ela e sua prima Brie amavam fazer juntas.
Algo chamou sua atenção naquela tarde, próximo aos muros. Havia luzes estranhas, azuis fortes, cobertas por uma camada espessa e escura de nuvens. Seu coração estava com medo, mas algo dentro de si a estimulava a chegar mais perto. Não estava longe, havia poucos metros até os muros. Hannah colocou-se frente a frente com aquele evento tão complexo. Era semelhante a uma tempestade, mas muito diferente das tempestades que já havia presenciado em Salén. Quase hipnotizada, o dirigível se aproximava aos poucos. Estava alto demais para ter noção do perigo que estava à sua espera, mas a jovem estava prestes a dar uma bela deixa para um desastre, deixando o dirigível encostar na borda do grande muro.
A tempestade havia formado um grande vácuo dentro de si. Ao se aproximarem, a máquina voadora foi sugada para dentro. Por azar, Hannah não estava sentada no banco do piloto com o cinto de segurança, pois queria olhar para baixo. Agora, havia sido jogada sobre os painéis de controle. Estava profundamente arrependida de ter negado que Carlos, um dos guardas e seu grande amigo, viesse junto no passeio rotineiro. Não havia sequer tempo para praguejar. As luzes do painel piscavam em amarelo e vermelho, e o alarme alto gritava em seus ouvidos. Odiava aqueles sons agudos, mesmo sabendo que era culpa sua estarem apitando incessantemente.
Os raios se espalhavam entre as nuvens escuras como extensas raízes de trepadeiras sem folhas, sendo a única luz que emitia naquele vazio escuro e tenebroso. A pobre máquina voadora chacoalhava devido aos solavancos dos fortes ventos. Hannah era jogada de um lado para o outro como uma boneca de pano disputada por crianças. Não conseguia pensar em meio à turbulência, seu corpo doía a cada batida.
Como se não bastasse, um dos raios atingiu os motores localizados na parte traseira, fazendo com que toda a nave se desligasse. No entanto, devido aos ventos fortes, o dirigível ainda era impulsionado para lugares desconhecidos. Girava e ficava de ponta-cabeça, enquanto a pobre Hannah se segurava em qualquer coisa que pudesse, mesmo com suas mãos escorregadias devido ao suor. Os vapores que saíam do painel transformavam a máquina voadora em um verdadeiro forno ambulante. Os raios atingiram novamente, desta vez na cabine, formando uma grande fenda do tamanho e largura do antebraço da jovem. Isso era suficiente para que entrasse muito vento e um grande frio, fazendo o ambiente gelar em questão de minutos. O suor de antes se transformou em calafrios.
Hannah nem percebera que um dos estilhaços do metal, que havia voado quando o dirigível fora rompido pelo raio, atingira seu braço. O medo fazia a dor parecer pequena, e a escuridão, que a cada instante era iluminada por feixes das descargas elétricas, não dava a noção de seu estado e muito menos de onde estava. Como uma resposta para as preces feitas em sua mente, uma luz surge ao longe. Mesmo sendo uma luz um tanto mórbida, a máquina seguia sem controle, em toda velocidade. Os motores queimados não davam sequer a chance de que voltassem a funcionar, mesmo que Hannah tentasse diversas vezes, apertando todos os botões que havia no painel, inutilmente.
A nave "voou", na verdade, parecera mais que havia sido cuspida para dentro de um lugar estranho. A moça não teve tempo de olhar para onde ia, apenas via a nave ir desenfreada em direção ao chão. Na tentativa de se manter segura, Hannah agarra com todas as suas forças a cadeira em frente ao painel de controle. Algo que ajudou pouco. O dirigível atinge o chão com força. A proteção do nariz do dirigível é a primeira a tocar o solo, afundando para dentro e destruindo totalmente o balonete dianteiro. Em seguida, é arrastado pela ponta por alguns metros até quase à beira do precipício, onde a velocidade finalmente é interrompida. A cabine acaba por atingir o chão com força. Hannah não consegue se segurar com o solavanco e é arremessada pela janela, que já havia se estilhaçado com o impacto. As costas da moça chocam-se contra os estilhaços. Por sorte, ela estava com seu blazer azul-marinho, que era grosso o suficiente para evitar cortes em suas costas e braços.
Por algum tempo, Hannah fica inconsciente, caída em meio aos escombros. Ao abrir os olhos, não soube distinguir se era a realidade ou um pesadelo, mas a dor em seu braço apenas confirmou o que não queria que fosse. Com dificuldade, ela se põe a andar de gatinhas, ainda com as pernas bambas, e sai por baixo do que antes era um belo dirigível. O céu era estranho, semelhante às folhas secas de outono. Nunca vira algo igual em toda a sua vida. Ao longe, havia um monte não muito alto, com o que parecia ser uma cidade no topo. O que a deixou aliviada foi ver que, mais à frente e à direita de onde a máquina de seu pai caíra, havia uma cabana. Nem de longe era agradável, e parecia ainda pior de perto, mas ao pensar em seu estado, seria como um hotel de luxo.
Sentia todo o corpo dolorido e andou vagarosamente até a cabana. Esta parecia ter sido abandonada há muito tempo. Não tinha uma boa noção das horas, pois os céus estavam escurecidos. Supôs que estava prestes a anoitecer. Deu algumas batidas na porta por hábito, tinha quase certeza de que, no máximo, encontraria aranhas. Ela abre a porta, que range devido às suas dobradiças enferrujadas. Havia alguns móveis abandonados, uma camada espessa de poeira e lixo pelo chão. Não era convidativo, mas ela entrou mesmo assim.
Explorou cada cômodo e acabou ficando na cozinha. Os armários não possuíam nada além de uma lata de conserva cheia de uma sopa de feijão, que, pelo cheiro e aparência, estava vencida há muito tempo. Sem escolha, sentou-se em uma cadeira de madeira ao lado de uma mesa redonda. Seu casaco estava com uma mancha vermelha. Ela olhou o ferimento e, por sorte, não era profundo. Na torneira, não havia água, e no dirigível não havia nada relacionado aos primeiros socorros. O máximo que entendia sobre ferimentos era como cuidar de um joelho ralado, pois era um pouco desajeitada e caía frequentemente.
Cansada e faminta, não possuía forças para andar uma longa distância após o ocorrido. Enquanto pensava no que faria, adormeceu apoiada em seu braço esquerdo, já que o direito necessitaria de alguns cuidados. O cansaço era tanto que ela adormeceu por volta das quatro horas da tarde e só acordou no dia seguinte, ainda sentada na cadeira da cozinha. Esta seria uma aventura e tanto, que não havia pedido permissão para iniciar, mas havia escolhido, e não fazia ideia de seu destino.
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A Chave
General FictionFundo, cada vez mais fundo em meio as águas tão gélidas quanto a pele do corpo quase sem vida, podia ver a luz indo cada vez mais longe de si e a escuridão a engolir. Um grito rompe o silêncio das águas, seus olhos se abrem ao reconhecer a voz, o in...