Novembro de 2016
Julie
Tic
Julie sente as pálpebras se fecharem uma vez.
Tac
Depois, sente-as abrir.
O tic-tac do relógio àquela altura parecia uma analogia para o seu piscar e abrir de olhos. Um aviso prévio de que logo mais ela estaria em cima de um palco se apresentando para uma porção de potenciais olheiros.
O pensamento só martelava mais e mais na sua cabeça a cada tilintar do ponteiro se aproximando da hora marcada para soar um alarme mais estridente.
Ela já estava acordada, era óbvio. Julie mal havia dormido naquela noite.
Ao longo daquele ano, ela havia realizado com ajuda do seu professor, inúmeros processos seletivos em busca de uma bolsa, nas mais diversas Escolas, Faculdades e, até mesmo, Conservatórios de Música como o que estudava agora, espalhados pelo país e fora dele.
Em alguns lugares, o processo era mais simples do que em outros. Se Julie pudesse escolher, ela preferia uma Universidade, obviamente. Universidades eram enormes e geralmente traziam consigo um mundo inteiro de oportunidades.
Julie queria isso.
Já havia recebido alguns "nãos" de algumas instituições; aguardava por respostas de outras... Mas o tão sonhado "sim" parecia só isso mesmo: um sonho.
A cacheada balançou a cabeça em negação, bufando mau humorada enquanto afastava a falta de ânimo, traçando em sua mente uma breve trajetória ao longo dos últimos tempos.
Molina havia se esforçado demais, ao longo desses dois anos em que estudava no Conservatório de Artes, principalmente porque aquele sonho não era só dela.
Pensar em sua mãe lhe causava um misto de sensações e emoções. Era óbvio que ela sentia falta de Rose, tudo o que ela fez para chegar onde estava era, principalmente, para deixar sua mãe orgulhosa.
Julie, dessa vez, estava frustrada. Ela queria sua mãe com ela no dia de hoje, algo dentro de si a alertava que, hoje mais do que nunca, a matriarca dos Molina se faria necessária.
O sentimento que assolava a cacheada lhe era conhecido: angústia, um aperto sem sentido... tudo apontava para uma crise de ansiedade.
Isso era estranho, pois, apesar de estar de fato ansiosa, uma crise àquela altura não fazia sentido. Ela havia se preparado para o dia de hoje.
Tudo daria certo.
Ao finalmente ouvir o seu despertador tocar, Julie, mais uma vez naquela manhã, bufou mau humorada, mas dessa vez para desligar o alarme do aparelho que estava na sua mesinha de cabeceira.
A Molina desligou o alarme, e iria escrever no seu diário para, enfim, se arrumar para o Festival de Música do Conservatório de Artes de Salt Lake City. Era exatamente para isso que ela tinha ido para a mais conceituada escola da região, escola essa que sequer ficava na sua cidade natal: para buscar o sonho de ser cantora profissional e realmente ter uma carreira com a música.
Tudo daria certo.
Julie mentalizou essas palavras como se, de alguma forma, estivesse se agarrando nelas.
Tudo daria certo.
Afinal, o que de tão ruim poderia acontecer para essa noite ser algo diferente de "a melhor noite da sua vida"?
***
Julie deixou o celular de lado, após sorrir com as mensagens de suas amigas. Era muito bom ter Kayla e Carolynn ao seu lado, apesar de saber que, entre as integrantes do trio, ela era a mais distante.
Kayla e Carolynn eram amigas há bastante tempo, ao que Julie lembrava. Ela não sabia ao certo como elas se aproximaram, o que era estranho se levarmos em conta que elas vivem grudadas.
Na realidade, apesar de ser bem próxima de Kayla, a Molina percebeu que sabia muito pouco do passado da amiga.
Talvez, Julie pensou consigo mesma, só fosse algo que a Markey preferisse não falar muito sobre; talvez não tivesse nada demais no passado dela que realmente fosse digno de nota.
Afinal de contas, o principal a respeito da amiga ela sabia: Kayla era uma dançarina talentosíssima, que tinha um irmão mais velho e pais incríveis. Julie sabia também que, aos dezessete anos, Kayla fundou um projeto social que a cacheada ainda não sabia muito sobre o que se tratava, mas sabia que toda a família da amiga, bem como Carolynn, participava disso, e que hoje o projeto tinha tomado proporções filantrópicas bem grandes.
O fato era que Kayla e Carolynn eram melhores amigas desde que a Molina as conheceu. Elas eram melhores amigas de verdade, tipo ride or die uma da outra. Julie gostaria que, se um dia tivesse uma irmã, a relação delas fosse como a de Kayla e Carolynn era.
Veja bem, durante o tempo em que Julie, Carolynn e Kayla eram amigas, a cacheada nunca se sentiu deslocada ou preterida, mas quando se tratava de conexão, era bem óbvio que a que havia se estabelecido entre a Markey e a Ortega era muito forte.
Diferentemente de Kayla, Julie sabia muita coisa a respeito do passado de Carolynn... A menina era um prodígio do ballet clássico desde que ela se entendia por gente. Já havia feito desde campanhas publicitárias para marcas locais, como para grandes empresas, até espetáculos internacionais.
Sim, Carolynn Ortega tinha nascido para ser bailarina e absolutamente todo mundo que a rodeava sabia disso.
Julie também sabia que ela era filha adotiva de Kenny Ortega e Peter Ortega, e ela sabia disso pois a bailarina se enchia de orgulho sempre que falava da história de amor dos pais. Era tão bonito ver como Carolynn havia crescido em um lar repleto de amor e apoio; os pais da menina eram ligados ao meio artístico e, portanto, sempre incentivaram o talento da filha.
Molina lembrava-se de Carolynn contando que desde muito cedo fazia trabalhos grandes como bailarina, além de se apresentar em diversos espetáculos ao redor do mundo (sim, do mundo), sempre com a companhia dos seus pais.
Um dia, quando atingiu a maioridade, ela resolveu conversar com eles para que eles focassem nos seus trabalhos, sem que precisassem ficar se deslocando de um país para outro o tempo todo por sua causa.
Foi então que eles, por confiarem tanto nela, aceitaram alugar um pequeno apartamento em Great City, para ela estudar em Salt Lake City, enquanto eles permaneciam tocando seus negócios em Toronto, sua cidade natal. Julie também sabia que os pais da amiga eram produtores musicais e que estavam nesse meio há muito tempo.
Uma família de artistas de verdade.
Como Carolynn acabou parando em Great City é, em certa medida, curioso. Uma das mais incríveis bailarinas do mundo, também conhecida como a russa Anna Pavlova, recebeu do Conservatório de Artes de Salt Lake uma proposta de emprego milionária para tomar à frente da Turma de Ballet Clássico, e ela, obviamente, aceitou.
A herdeira dos Ortega foi comunicada dessa decisão pela própria Pavlova, em um dos espetáculos que ela estava presente, e bom... Para onde mais Carolynn poderia ir?
No fim do dia, a cacheada estava rodeada de pessoas incríveis, e ela tinha certeza absoluta de que a sua mãe estaria muito feliz pelas suas pequenas conquistas particulares.
Apesar de mais calma, algo ainda a incomodava... Mas que sensação estranha era aquela que não passava?
Julie, finalmente interrompeu seus devaneios e se apressou em se arrumar para aguardar as amigas para irem juntas ao festival. Kayla, com certeza, falou sério que se ela não estivesse pronta, ela a deixaria para trás.
Aquele dia seria longo. E Julie sequer imaginava o quanto a marcaria para sempre.
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Safe & Sound
FanfictionJulie, com ajuda de amigos, tenta lidar com a escuridão que a tomou depois de um acontecimento trágico. Luke, sendo pura luz, ajuda uma amiga dos seus amigos a superar certos traumas. E quem sabe reviver a sua paixão por música. ⚠️ 𝐀𝐥𝐞𝐫𝐭𝐚 𝐝...