Prólogo

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Harry nunca se sentiu como o protagonista de sua própria história. Desde que era um bebê, cada passo de sua vida parece ter sido dado sem a sua permissão. Ele se ressentia de seus pais por se envolverem numa guerra que os levou à morte. Ele odiava os Dursleys por nunca deixá-lo fazer nada, como se Harry fosse um cachorro que deveria ser mantido na coleira. Ele odiava a forma como os outros bruxos olhavam e falavam dele - como se o conhecessem. Olhem, o famoso Harry Potter, o garoto que derrotou Você-Sabe-Quem. Harry mal havia se acostumado à ideia de ser um bruxo quando o peso da admiração e das cobranças foi jogado sobre suas costas. Ele não sabia quem era aquele herói que causava tanto espanto, mas com certeza não era ele.

As pessoas tomavam decisões por Harry. Escondiam coisas dele. Acreditavam saber o que era melhor para ele. Era uma sensação horrível sentir como se você fosse de faz de conta - alguém sendo escrito pelas mãos de outra pessoa. Mesmo os momentos de pura euforia, alegria, raiva e tristeza - sentimentos tão intensos que pareciam capazes de arrebentar Harry de dentro para fora - não pareciam reais. Ele precisava se lembrar de que esta era sua vida e que era real.

Harry acreditava que o acontecimento que o definiu por inteiro fora há quase três anos, quando um gigante derrubou a porta da cabana em que estava hospedado com seus tios para lhe trazer um bolo de aniversário massudo e a notícia extraordinária de que você é um bruxo, Harry!

Era uma loucura completa, mas também a realização de um sonho que Harry sequer sabia que tinha. Era como uma brincadeira cruel do destino, acenando diante de seus olhos uma fantasia que o tiraria da vida miserável que levou durante os onze longos anos que passou acreditando que os Dursleys eram a única coisa que ele tinha no mundo. Era assustador. Era maravilhoso.

Mas não. Ainda que tenha sido muito importante, não foi a noite de seu aniversário de onze anos que dividiu sua vida em “antes” e “depois”. Na verdade, foi ter de joelhos diante de si um homem, outrora amigo de seus pais, implorando por sua vida.

— Harry... Harry... você é igualzinho ao seu pai... igualzinho…

— COMO É QUE VOCÊ SE ATREVE A FALAR COM HARRY? — rugiu Black, a quem Harry passou meses odiando e desejando matar. Ele estava ainda mais agressivo agora, como se ter Pettigrew se referindo a Harry diretamente fosse muito mais ofensivo do que tudo que foi revelado anteriormente. — COMO TEM CORAGEM DE OLHAR PARA ELE? COMO TEM CORAGEM DE FALAR DE JAMES NA FRENTE DELE?

— Harry — sussurrou Pettigrew, arrastando-se em direção ao garoto, com as mãos estendidas. — Harry, James não iria querer que eles me matassem... James teria compreendido, Harry... Teria tido piedade…

Black e Lupin avançaram ao mesmo tempo, agarraram Pettigrew pelos ombros e o atiraram de costas no chão. O homem ficou ali, contorcendo-se de terror, olhando fixamente para os dois.

— Você vendeu Lily e James a Voldemort — disse Black, que também tremia - não de medo, mas de raiva. — Você nega isso?

Pettigrew prorrompeu em lágrimas. A cena era terrível, ele parecia um bebezão careca, encolhendo-se.

— Sirius, o que é que eu podia ter feito? O Lorde das Trevas... você não faz ideia… ele tem armas que você não imagina... tive medo, Sirius, eu nunca fui corajoso como você, Remus e James. Eu nunca desejei que isso acontecesse… Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado me forçou…

— NÃO MINTA! — berrou Black. — VOCÊ ESTEVE LÁ COM A GENTE TODO O TEMPO! TODO O MALDITO TEMPO VOCÊ ESTEVA COM A GENTE, PETER, ENQUANTO ESPIONAVA PARA ALGUÉM QUE NOS QUERIA MORTOS… QUE QUERIA HARRY MORTO! JAMES NUNCA TERIA TIDO PIEDADE DE ALGUÉM QUE QUERIA FAZER MAL AO FILHO DELE!

— Ele estava assumindo o poder em toda parte! — exclamou Pettigrew. — Que é que eu tinha a ganhar recusando o que me pedia?

Black piscou, como se as palavras o tivessem surpreendido. Seus ombros, até então retesados e duros feito uma vara, se curvaram quando ele soltou uma respiração longa. Ele parecia cansado.

— Eu sabia que você não se importava com vidas inocentes, Peter, mas tinha esperanças de que a nossa amizade tivesse valido alguma coisa — há fúria em sua expressão, mas mágoa também. — Nós nunca significamos nada para você, não é? 

Lupin vira um pouco a cabeça para olhar Black pelo canto do olho, mas não diz nada.

— Você não entende! — choramingou Pettigrew. — Ele teria me matado, Sirius!

— ENTÃO VOCÊ DEVIA TER MORRIDO! — rugiu Black. — MORRER EM VEZ DE TRAIR SEUS AMIGOS. NÓS TERÍAMOS MORRIDO POR VOCÊ, MAS EM VEZ DISSO VOCÊ PREFERIU NOS DESTRUIR!

Black e Lupin estavam ombro a ombro, as varinhas erguidas.

— Você merecia ser preso, mas nenhuma pena pagaria por tudo que você fez — disse Lupin com a voz controlada. — Devia ter percebido que se Voldemort não o matasse, nós o mataríamos. Adeus, Peter.

Hermione se virou para a parede para não olhar, e Ron abaixou a cabeça e cobriu os ouvidos com as mãos. Harry não fez nada. Não disse nada. Ele ficou vendo.

Ele nunca se sentiu tão real quanto naquele momento. Se deu conta pela primeira vez na vida do verdadeiro poder que suas escolhas - suas, e de mais ninguém - tinham.

Porque, naquele momento, Harry escolheu deixar Peter Pettigrew morrer.

Vou Deixar a Luz AcesaOnde histórias criam vida. Descubra agora