Aviso de gatilho: breve menção a autolesão.
O primeiro ano foi mais difícil - porque Sirius não sabia que haveria um primeiro ano.
No início, ele tentou se agarrar à sua antiga vida. O som da risada de James. A suavidade da ponta dos dedos de Remus quando ele acariciava sua pele. As noites em claro contando história a Regulus. As conversas com Lily sobre o quanto ter irmãos era uma droga. A música trouxa que saia feito mágica das vitrolas. O gosto salgado de suor em seus lábios quando ele corria pelos corredores de Hogwarts, seus amigos em seu encalço, todos fugindo do castigo que o zelador lhes daria... qual era mesmo o nome dele? Sirius se esqueceu. Ele se esqueceu de muita coisa, na verdade.
Foi um erro acreditar que sobreviveria em Azkaban tendo suas memórias mais felizes, as coisas pelas quais ele achava que valia a pena viver, como escudo. Os dementadores as levaram embora - cada uma delas, desde as mais importantes, até os detalhes mais pífios, mas que hoje ele sentia falta. Eles se deleitavam em torno da cela de Sirius como mariposas atraídas para uma chama. Logo, tudo foi desaparecendo ou, pior, ficando confuso, como se tivesse acontecido com outra pessoa. Até onde Sirius sabia, ele podia muito bem ter imaginado cada momento de sua vida, cada som e cheiro e pessoa que conheceu.
Não foram as lembranças felizes que o mantiveram vivo. Na verdade, elas quase o mataram sempre que atravessavam as barreiras que criou em sua mente para se proteger.
Não. O que manteve Sirius vivo foi o remorso, cru e tangível, quase palpável. Doze anos depois não sobrara quase nada de Sirius além disso.
O primeiro ano foi mais difícil porque Sirius ainda não sabia que era do remorso que ele precisava para continuar respirando.
* * *
Suas mãos tremem. Elas tremem o tempo todo agora, mas está mais forte naquele momento. Não é o frio congelante de Azkaban, ou o medo paralisante de deixar escapar algo que os dementadores ainda não tiraram dele. Não está frio na cela em que o colocaram no Ministério, tampouco há dementadores à espreita. É a imprevisibilidade que o desestabiliza. Sirius consegue se lembrar vagamente de uma época em sua vida em que o sentimento de impotência o dilacerava de dentro para fora. Ele odiava isso - odiava se sentir refém das outras pessoas.
Mas não importa mais. Há pouca coisa que importa para ele hoje em dia.
Sirius caminha de um lado para o outro, seus passos abafados ecoando pelos corredores do outro lado das grades. Seus pensamentos têm estado muito altos no último ano. Não há ondas batendo contra as paredes de Azkaban,e os dementadores não tentam abafar qualquer tentativa pífia de alívio. Sirius havia se esquecido como era ter seu corpo e sua mente livres, e agora a liberdade lhe soava mais como algo desesperador do que uma vitória.
Ele não sabe há quanto tempo está preso nas celas do Ministério; a falta de luz do sol e da lua para guiá-lo o deixam irritado e ansioso. Em meio às andanças, ele começa a beliscar seu antebraço esquerdo, um hábito antigo do qual nunca conseguiu se livrar. James costumava lhe entregar algo para segurar sempre que o via fazendo isso; era sua forma de dizer cara, eu estou aqui, está tudo bem.
Oh, James, eu sinto muito...
Não!
Não, Sirius não podia pensar em James. Não podia desenterrar qualquer lembrança que tivesse dele, se arriscando a perdê-las. Ele já havia perdido tanto.
— Não faça isso — alguém diz da cela ao lado. O som da voz - branda e calma, a qual Sirius sonhou repetidas vezes em ouvir novamente - o faz se encolher. Ele se obriga a soltar seu antebraço antes de erguer a cabeça e olhar para Remus. Aquele rosto, aqueles olhos. Sirius sente como se tivesse levado um soco.
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Vou Deixar a Luz Acesa
FanfictionBlack e Lupin estavam ombro a ombro, as varinhas erguidas. - Você devia ter percebido - disse Lupin com a voz controlada -, que se Voldemort não o matasse, nós o mataríamos. Adeus, Peter. Hermione se virou para a parede para não olhar, e Ron abaixou...