O menor dos problemas

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Passei os próximos longos minutos fingindo algum interesse no filme à minha frente, em completo estado de inércia. As vozes dos atores ecoavam em minha cabeça mas não alto o suficiente para me impedirem de repassar toda a cena da cozinha novamente, de novo e de novo.

Sentia que todos os meus órgãos sairiam pela minha boca se eu sequer pensasse no toque quente que a garota tinha pois, infelizmente, eu havia reparado demais. Parecia que Son Chaeyoung devoraria minha alma se tivéssemos passado mais dez minutos naquela conversa tão estranhamente íntima.

Ela não tinha motivo algum para me tratar daquela forma, porque não me conhecia, mas parecia saber muito sobre mim simplesmente porque sim.

As partes em que ela tocou ainda estavam sentindo seus dígitos, como se Son tivesse me marcado com graxa.

Momo ao meu lado já estava cochilando de boca aberta e Sana lutava contra o seu sono, a ponto de deixar sua cabeça pender para frente algumas vezes. Era engraçado, mas não prendia tanto minha atenção quanto a conversa animada entre Dahyun e a menina grudada como cola de
sapateiro nos meus pensamentos mais recentes. Falavam baixinho – mas muito empolgadas – sobre algum amigo próximo que havia largado a faculdade de direito por ter de se mudar para um outro país, apesar de eu não sentir interesse nenhum no assunto e me pegar observando Chaeyoung minuciosamente não deixei passar detalhe algum.

No final das contas, éramos iguais.

Eu estava tão vidrada nela quanto ela em mim, de repente. Não deixava qualquer riso seu passar despercebido, porque aquelas covinhas não me deixavam afastar meus olhos, mas ela não me encarou em momento nenhum, completamente imersa no assunto e nas expressões bem marcadas e engraçadas de Dahyun.

— E você nunca mais fará uma apresentação aqui na cidade para eu ir te ver, não é? — Chaeyoung agarrou o travesseiro e a garota revirou os olhos, tentando segurar uma risada.

— "Nunca mais" é exagero, mas ainda não, Chaeng... — Dahyun suspirou, chateada. — Infelizmente não abriram testes para pianistas na filarmônica real, então não me verá tocar tão cedo...

— Eles não sabem o que estão perdendo! — A expressão da Son era de indignação, quase beirando o cômico. A garota deslizou na poltrona, fazendo o maior bico para a amiga. — Sinto saudades de quando você morava aqui.

— E eu mais ainda! Liverpool é tão chato, você tem que ver! — A morena revirou os olhos, prendendo os cabelos longos em um rabo de cavalo. Provavelmente os cabelos mais saudáveis e sedosos que já vi na vida. — Além de não ter nada para fazer naquele fim de mundo, as pessoas são infinitas vezes mais conservadoras do que aqui.

— Mais conservadoras?! É uma cidade ou um grande convento? — Chaeyoung exclamou baixinho, seguida da confirmação da amiga que comprimiu os lábios. — Que droga, Day. Achei que fosse impossível alguém ser mais chucro do que os nossos pais...

— Nada nesse mundo é impossível, acredite. — Deu de ombros, se aproximando mais da garota. Chaeyoung remexia nos milhos não estourados que sobraram da pipoca que dividiam, pensativa. — E você? Já tomou alguma atitude?

— Como assim? — Chaeyoung a olhou rapidamente, se espantando mas nem por isso aumentando seu tom de voz.

— Você entendeu, Chaeng, a menina praticamente-

— Shhh! Fique quieta, Dahyun, caramba! — Fez menção de tapar a boca de Dahyun, que desviou prontamente, lhe lançando sua melhor careta. — Ela está bem ali...

Eu. Eu estava bem ali. A irmã da minha melhor amiga apontou com a cabeça em minha direção sem sequer me lançar uma olhadela.

É claro que estavam falando de mim, eu não sou tola, também. E nem é uma questão de egocentrismo e que eu ache que todas as coisas que acontecem são sobre mim, mas a mais pura verdade. Tensionei minha coluna prontamente, esperando ouvir com clareza tudo o que pudessem falar ao meu respeito.

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⏰ Última atualização: May 18 ⏰

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