Capítulo 2 - Animais

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Quando começaram a tour por Manaus, Fernanda esperava conhecer muitos lugares. A única coisa que não esperava, era conhecer mais a si mesma. E, naquele momento, entornando mais uma lata de cerveja com os cotovelos apoiados no balcão gélido de granito escuro e o corpo pendendo para frente, quase deitada de bruços, concordou consigo mesma ao descobrir que era hipócrita. Sua hipocrisia era tanta que mentia para si mesma.

Mas veja bem: nunca fora hipócrita em toda sua vida antes - ou, ao menos, nunca percebeu. Em trinta e dois anos de existência, era a primeira vez que se enxergava como uma farsante, dissimulada, que fingia não perceber o quanto desejava uma menina que ainda tinha cheiro de leite e talco de neném. E, pior: fingia que não enxergava como a menina também a queria.

Sua consciência entorpecida, à beira da embriaguez, cantarolava em sua cabeça, que parecia oca. Não poderia querer Alane, então, se convencia de que não queria. Com o poder da persuasão, com o poder da atração, de tanto repetir em sua mente que não a queria, deixaria de querer. Bastava, somente, esperar por mais dois ou três dias até que fosse embora e nunca mais veria o rosto lindo e o sorriso encantador da menina. Merda, mas como a queria. Choramingando, encarou a cerveja na mão. Definitivamente, estava quase bêbada - e estava sendo hipócrita outra vez. Deu de ombros, tomou outro gole.

Além de quase bêbada e hipócrita, se sentia cansada. De novo, se encontrava perto da exaustão. Quando concordou em passar a tarde com Matteus, depois de visitarem o shopping, não esperava que o gaúcho a levasse para uma academia de artes marciais. Esperava menos ainda que ralassem, no-gi, no jiu-jitsu por quase duas horas.

Round após round. Depois de chaves de braço, mata leões, triângulos e kimuras, só deram-se por vencidos quando os corpos pingavam, exaustos. Por um ponto, ela ganhou o combate. Ganhou também dois hematomas arroxeados nas pernas, arranhões nos braços e uma dor nas costas.

Conversar com Matteus, por duas horas depois de saírem da academia, num bar de esquina e jogar partidas de sinuca com idosos que nunca vira antes a fizeram perceber sua insinceridade para consigo mesma e com os demais. Enquanto esperavam no restaurante marcado por Isabelle e Alane - que partiram pela manhã sem avisar para onde iam -, beberam mais um pouco.

E de todas as pessoas com quem trocava conselhos, não esperava que Matteus Amaral, o amigo mais estupidamente frouxo quando o assunto era mulher, que abandonara tudo sem titubear por um relacionamento que durou três noites de carnaval, fosse virar o "Hitch, o conselheiro amoroso", e lançar a maior pedrada em sua cabeça. Mas depois de sete chopps e quatro doses de cachaça de jambu, qualquer um viraria expert na arte do amor. Infelizmente para Fernanda, quando Matteus a chamara de frouxa, ele quis dizer o que disse - e ela concordou. Era uma frouxa quando o assunto era Alane.

Alane. A paraense não saía de sua cabeça mais. Era a prova de sua hipocrisia. A voz de Matteus repetindo de novo e de novo a frase em sua cabeça a atormentava. Para ser sincera consigo mesma, a atormentava ainda mais saber que ele tinha razão. Ainda tentava se obrigar a não querer Alane; repetia como um mantra que a menina e ela não tinham nada em comum; dizia que a diferença de idade não fora feita para ser superada; repassava em flashes suas memórias com Pitel e, especialmente, as memórias pós-Pitel regadas à lágrimas de sofrimento e enxaquecas infinitas. E se encontrava cada vez mais aterrorizada ao perceber que aquilo não adiantava. Queria Alane mesmo assim. O corpo ansiava por Alane, por seu cheiro, por sua presença. Estava presa num paradoxo. Sentia-se estúpida e patética - além de quase bêbada, hipócrita e cansada, sua mente reforçou.

Há três noites conhecia Alane Dias e há três noites a desejava. A menina perturbava seus pensamentos e sentimentos. Desde o primeiro momento que os olhos se encontraram, ainda no ponto de embarque e desembarque do Aeroporto de Manaus. O fogo nos olhos esguios e pequenos da mulher de cabelos longos e ondulados sobre o rosto bonito a capturou. Sentia que algo iria acontecer entre as duas, para o bem ou para o mal. A princípio, preferia que não acontecesse.

Fernanda e Alane - Eu te devoro.Onde histórias criam vida. Descubra agora