Fernanda e Alane - Eu te devoro.

Piloto - Anunciação.

Segurando a mochila contra o ombro direito, Fernanda pôs a mão esquerda sobre a testa, tentando, pelo menos, refrear os raios do sol do fim da tarde que agrediam seus olhos castanhos sem qualquer pudor. A nuca suava sob os cabelos escuros longos soltos, espalhados livremente por suas costas. Mal pusera os pés para fora do Aeroporto Eduardo Gomes e já sentia o suor escorrer por sua espinha dorsal. Agradecera ao bom senso - e aos conselhos de Isabelle - quando o tecido fino da camiseta de futebol ventilou quando o vento soprou contra seu corpo.

Com os olhos semicerrados, procurou pelo automóvel acinzentado que Matteus lhe enviara a foto há poucas horas, antes de embarcar no Galeão. Não demorou até que encontrasse a SUV próxima à placa de proibido estacionar e sorriu quando os faróis piscaram em sua direção, confirmando suas suspeitas. Demorou menos ainda para que Matteus, seu melhor amigo há cerca de quinze anos, saísse do carro, acenando em sua direção. A passos largos, quase correndo, encontrou o corpo alto do homem no meio do caminho, o abraçando. Há cinco anos não o via.

Desde que o gaúcho de Alegrete, no interior do Rio Grande do Sul, abdicara de toda sua vida no Rio de Janeiro para ir recomeçar do zero em outro estado em nome de seu amor por Isabelle, a Cunhã-Poranga do Boi Garantido, que conhecera numa noite de carnaval pelas ruas boêmias da Lapa, não o via pessoalmente.

Quando os olhos de Matteus e Isabelle se encontraram e os sorrisos de ambos resplandeceram, Fernanda soube que, naquele momento, perdera seu companheiro de farras pontuais. Mas ali, em Manaus, com o rapaz apertando-a com seus braços fortes, ela sorriu. Ele parecia mais feliz do que nunca.

Separando seu corpo do de Matteus, Fernanda o analisou. Seu cabelo estava maior e sua barba também; as olheiras havia diminuído consideravelmente e seus bíceps, pareciam maiores. O sorriso também aumentara; os olhos eram os mesmos inocentes, gentis, porém, mais brilhantes. Ele havia feito a escolha certa ao abandonar seu cargo público, um apartamento em Botafogo e seus amigos de anos, Fernanda concordou.

O amigo a puxou para outro abraço apertado, obrigando-a a rir alto. Aparentemente, ele sentia tanto a sua falta quanto sentira dele - embora jamais fosse confessar o quanto o adorava.

"Bah, guria" ele começou com seu sotaque carregado e os olhos marejados. "Senti tua falta demais."

"Porra, melação à essa hora da tarde, meu parceiro?" devolveu a fluminense, empurrando o ombro do amigo. "Vamos antes que você comece a chorar."

Caminharam até o carro e Fernanda abriu a porta do passageiro, jogando a mochila de viagem no banco de trás antes de prender o cinto em seu tronco. Sabia que Matteus não levara a sério o que falava; ele a conhecia o suficiente para saber que não era de seu feitio falar sobre seus sentimentos. Para ninguém. Exceto, obviamente, seus dois filhos. Marcelo e Laura eram as únicas pessoas do Universo que a faziam abrir a boca para repetir, por incontáveis vezes, o quanto os amava, o quanto era feliz por tê-los em sua vida.

De repente, sentiu o peito apertar em saudade das duas figuras que carimbavam seu coração. Era a primeira vez desde que Laura nascera que os deixaria sem seus cuidados por mais que algumas horas. Por quatro dias, os deixaria aos cuidados de Gabriel, seu irmão mais novo, para celebrar o casamento de Matteus e Isabelle.

Balançando a cabeça, jogou os pensamentos para longe. Se muito demorasse ali, voltaria para o aeroporto com a mesma velocidade que saira dele e compraria uma passagem para o voo mais próximo para o Rio de Janeiro. E não poderia fazer aquilo. Aceitara de bom grado - e com os olhos emocionados, mas jamais admitiria isso - quando o convite para ser "padrinho" do casamento de Matteus chegou em sua casa, e prometeu ao amigo que ali estaria durante as celebrações.