você é o herói de todo mundo.

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Você desceu seu olhar para o chão e berrou, lacrimejando que sua caixa de cigarros estava vazia. Seu peito já abrigava tantas feridas — literais e metafóricas — que você não sabia se aguentaria mais uma. Mas era apenas uma caixa de cigarros. Não era o ecoar de uma família ou mais um amigo no caixão. Era apenas uma caixa de cigarros.

E, por ser uma caixa de cigarros, seu corpo entra em pânico. O fumo acabando e você em estado de alerta é um sinal, só pode ser. Você agora chora e grita que seu vício não será alimentado. Existe, pelo ar que seus pulmões ansiosos respiram, a premonição de que você não suportará se algo pior cair sob suas costas. E algo cairá. Algo sempre cai.  

Lágrimas marcam traços vermelhos no canto de seus olhos. Seu sono, sua alimentação e sua higiene pessoal não são as mesmas de garotos da sua idade, não mais. Sua existência, afinal, sempre foi resumida em derrotas. O "olá" nunca fez sentido para sua cabeça, uma vez que o "adeus" sempre foi a palavra mais utilizada do seu vocabulário.

A morte da sua mãe provou que seu coração se acostumaria com algo muito mais animalesco do que seres humanos são capazes de aceitar. Seu pai deixou sua família logo após, sendo assassinado em sua frente. Da mesma forma que você urra por um cigarro hoje, você urrou quando o sangue dele escorreu por sua camisa. Estava frio lá. E hoje está frio aqui, também. 

Depois, você encontrou outras figuras para chamar de suas. Thiago e Elizabeth. Às vezes, cometia atos falhos e pedia por ajuda com "pai" e "mãe". Você não contava com a má sorte. Era impossível. Eles eram seu ponto de referência, seus tutores, simplesmente invencíveis e imortais

Teve de perdê-los também. Da mesma maneira que se despediu de seu pai, precisou dizer adeus às pessoas que te criaram durante esses dias escuros. Os lutos acumularam-se. Você quase esteve sozinho. Quis mudar seu nome em troca da ilusão do recomeço. Desejou reiniciar a vida na esperança de que algo ainda seria consertado. Você não fumava. Mas o destino tirou mais um caco de você, e agora a nicotina revela-se a peça faltante do quebra-cabeça. Você encarava diretamente nos olhos das pessoas. Era capaz de conversas com começo, meio e fim. 

Em duas noites, torna-se um fantasma para si. É impossível que te reconheçam; assim como é impossível que você saiba qual é seu nome. Qual é seu nome?

Quando você grita com Joui, então, você não grita apenas com ele. Você não simplesmente avisa que sua caixa está vazia e por isso está pedindo ajuda. Você, por implícito, clama socorro pois perdeu a cabeça mais uma vez, e não aguenta mais sobreviver com seu corpo em pedaços, amarrado por suas próprias ataduras e ferido pelas falhas tentativas de salvar seus arredores. Parte de você foi queimada. Parte de você está nos órgãos dilacerados de seu pai, ainda ecoa a explosão de seu padrasto e continua torcida na adaga que matou sua tutora. Elizabeth e Thiago sentem sua falta. Você seria capaz de vomitar de agonia se desabafasse como sente falta deles, igualmente.

Quando você exclama que seu cigarro acabou, está explicitando que perdeu o controle das suas próprias ações, de seu próprio caminho e de sua própria história. E é por isso que chora. É por isso que seu coração cambaleia em batidas fragilizadas e suas mãos gelam como um corpo cadavérico. É porque você não sustenta, não suporta mais perder aquilo que te pertence. 

Todas essas vidas te pertenciam. O destino delas te pertencia. O futuro que você havia planejado com elas, em um Natal no Rio Grande do Sul ou em uma tarde praiana de São Paulo era na companhia daqueles sorrisos. As noites não seriam repletas de insônia pois você não falharia em salvá-los. Você era o controlador de tudo aquilo. A culpa consome seu interior como fogo pois você poderia ter feito algo. Você finalmente havia achado família. Não era justo. Mas justiça era a última virtude que seus braços exaustos poderiam agarrar. 

Mais tarde, naquela mesma madrugada e horas após afirmar que não suportaria mais desastres, sua restante âncora, melhor amigo e irmão te deixaria. Era como inutilmente segurar água em suas mãos, deixando-a escapar por entre seus dedos calejados. Outra falha. De novo, e de novo, e de novo e de novo. Joui sacrificava-se pois você era inerte o suficiente para não fazer algo.

Você concluiria, portanto, que a mudança de nome não esconderia catástrofes de acharem caminhos até sua realidade. No fim, você não era Kaiser ou César. 

Você era apenas alguém destinado a perder.

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⏰ Última atualização: May 17 ⏰

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