Uísque desce queimando. Amor rasga. Seus pensamentos, suas rotina, seu coração. É pior que pedra. Pior que estricna.
Eu morro todo os dias de amor, e ainda sim estou viva nos outros dias. É como enlouquecer, e ser a única sã por isso. É o que pensei, quando sai da minha aula na quarta-feira e atravessei o meu campus inteiro, indo até a ala norte, ter entrado na porra de uma aula de arquitetura e ter observado o cara que eu mais quero ver morto apresentar um trabalho lindo.
Foi lindo.
Mas Romeu não me viu. Cheguei naquele momento em que ele está em pé, de frente para dezenas de alunos e a luz do projetor o impede de ver quem o assiste. Eu. Impede de ver a mim. E sai, antes que a salva de palmas terminasse.
É o que eu penso novamente, quando estou parada, em um lugar muito longe de casa, e ainda sim, o vejo. Parado do outro lado da rua. Ele é louco.
Sarah e Jack chamam minha atenção, estralando os dedos a minha frente.
A falta de lança atravessa meu cérebro como milhares de mini agulhas fazendo acupuntura. Sou como uma zumbi. Sarah aponta para o visor do meu celular, brilhando como nome do meu avô. Atendo o telefonema, e me retiro do café que os dois estão estudando.
Me coloco perto do banheiro, colando o celular ao rosto.
-- Julie, quero que arrume um amigo bonitinho e o leve em uma festa da empresa. -- Meu avô pede.
-- Só tenho amigos feios e a Sarah. -- Condeno. Vovo gargalha do outro lado da linha.
-- Continue pensando assim até os trinta. -- Pede brincando, e eu abro um sorriso pequeno.
-- Pra quando? -- Pergunto, olhando para o amigo mais jeitoso que adquiri recentemente. Jack, eu vou pegar você.
Meu avô me passa os detalhes da festa, e eu desligo. Voltando para a mesa. Diversos cadernos repousam na mesa, cafés já terminados ao canto, e uma discussão grave sobre a cor do power point me entendia. Sou pega olhando para Romeu. Estou fora de são paulo. Mas ainda sim, Romeu tem suas garras sobre mim. Não consegue ficar longe de mim?
Consegue sim. Sei que consegue. Mas não quer. Romeu me quer, mas não pode me ter, me sinto mal, faço coisas inadmissíveis para comoensa-lo. Ele come minha alma com os olhos de lobo-mal, eu permito. Sou permissiva com ele.
-- Vai falar com ele. -- Sarah se irrita. Eu encaro a loira, com trança dos dois lados do rosto. Uma maquiagem elaborada, e uma jaqueta de grife.
-- O que? -- Reviro os olhos. -- Se eu pedir, você acha que ele se joga de uma ponte?
-- Vai logo. Ele não vai embora. -- Sarah não liga pra minhas piadinhas.
-- Deixa ela. -- Jack se intromete. Largando o lápis.
-- Ele. Não. Vai. Embora. -- Sarah murmura, rangendo os dentes.
Tem razão. Mas se Romeu quer ficar gripado, ficando embaixo de uma garoa torrencial, eu não tenho contas a ver.
Me recosto na madeira, sem olhar pela janela novamente.
Peço mais um café, e cruzo os braços. Esperando, que a blusa cinza de frio consiga cobrir bem o meu frio. Ignoro o garoto me encarando na rua, e minha amiga, resmungando a minha frente.
Quando o café chega, eu tomo em longos e passados goles, aproveitando o ar quente que a caneca sopra no meu rosto.
-- Julie! -- Sarah se irrita.
-- Não! -- Nem olho para ela.
-- Pelo amor de Deus, você não pode...
-- Eu vou. -- Jack a interrompe. Não me espera falar nada, ele levanta e segue para a rua. Não acredito que o garoto magricela, vai ir conversar com o Romeu. Parece ser ridículo. Mas quando ele passa pela porta, troco um olhar apreensivo com Sarah e disparamos correndo atrás dele.
Quando irrompemos na calçada, o frio nos assolou com força. Fazendo com que eu abrace meu corpo. Caminho rápido, com Sarah abraçado a mim, até os dois. Mas chego perigosamente tarde demais.
No momento em que consigo alcançar onde os dois estão, Jack cai aos meus pés. Romeu já está quase em cima dele, para, ao olhar pra mim. Levo segundos pra notar que o olho direito do garoto de óculos agora está pintado com uma mancha amarela esverdeada.
Romeu machuca todos a sua volta. É como um jardim com solo podre. Nada de bom permanece próximo a ele por mais de vinte segundos sem que ele destrua.
Jack me encara, forço um sorriso gentil, oferecendo minha mão para que ele se erga.
Jack permite e se levanta, devolvendo o sorriso que mostro no rosto.
Limpo o casaco dele, dando uma volta nele, para me certificar que nenhum pedregulho ou sujeira permaneceu.
-- Não terminamos de tomar café. -- Minha voz parece tão mais calma que eu. Jack concorda, olhando para dentro da lanchonete.
Sarah está parada, observando a cena. Eu seguro a mão de Jack, e começo a andar com ele para dentro da lanchonete, sentindo uma culpa marota ao suas mãos arranhadas, relarem nas minhas.
Sei que Romeu está parado me olhando. Sei que seu olhar é como uma arma disparando silenciosamente contra mim.
Por isso, faço a burrice de me aconchegar ao Jack, e me arrependo no momento. Jack me olha, surpreso, mas com um resquício novo no olhar, e ao fundo, a moto de Romeu roncando. Alto. Mais alto que meu coração batendo em meu ouvido.
Sei exatamente o que significa.
"Eu vou matar ele."Mas nada aconteceu a semana inteira. Não vi Romeu na sexta-feira, fiquei preocupada com o Jack, mas quando liguei para o mesmo as 23:20 da noite, ele afirmou que estava ótimo.
Não comentamos sobre o que ele falou para Romeu, mas com certeza o irritou. Não perguntei, nem se machucou ter caído de bunda no chão. Mas de fato isso nos aproximou, não só isso, o fato dele sempre me enviar mensagens engraçadas durante o dia também.
Acho que foi isso que me fez o chamar para a festa. Jack pareceu bem incomodado na hora.
"-- É uma festa da empresa. Não se preocupe, ninguém vai achar que você e eu estamos juntos. Eu acho. -- Brinco, me arrumando no banco do parque. Mas Jack não ri, apenas encara o céu. -- Mas se não quiser, não tem problema.
-- Julie, preciso ir. -- Afirma, pegando a bolsa e desaparecendo do parque."
Achei que ele não viria, mas cá estamos, em um domingo nublado, ele usando um terno muito elegante, e eu um vestido longo de cor cinza, com pedraria por toda a extensão. Um decote enorme, e o tecido é justo.
Jack me elogiou uma centena de vezes, enquanto íamos para a festa. No caminho, até tirou uma selfie comigo.
Mas quando chegamos ao local, ele se tornou... sério demais. Fiquei preocupada, mas achei que se eu comentasse ele iria ter um ataque de pânico.
Então, como uma boa neta de um empresário muito famoso, eu sorrio para as câmeras, cumprimento pessoas importantes, e claro, finjo não odiar cada segundo disso.
Não fica mais confortável por estar com Jack, na verdade é como se fôssemos dois bichinhos em um zoológico.
A cada movimento que eu fazia com a cabeça, a atenção saía do palestrante e centenas de flashs me cegavam. Eu precisava piscar diversas vez para conseguir me recompor.
Assim que terminou, tirei meus sapatos já na saída e cogitei me deitar ali no chão mesmo. Jack parece pensativo ao meu lado. Não trocou quase nenhuma palavra comigo durante o evento.
Meu avô me chama, de repente. Me viro em sua direção, e lá estava ele, com um sorriso enorme no rosto.
-- Conseguiu o que queria? -- Pergunto, me apoiando em apenas um dos pés. Meu avô cumprimenta Jack, notando seu terno caro.
-- Você é uma Balestrini, querida! -- Meu avô me abraça com meiguice. Como sempre o fez. Amo isso. -- Deveria saber que sempre conseguimos o que queremos.
Faço um meneio, ignorando o que ele diz.
Logo ele nota Jack novamente, seus olhos trabalhando rápido para entender que espécime ele é.
-- Rapaz -- Meu avô chama. -- Foi um prazer ter lhe recebido neste evento.
-- Só vim acompanhar a Julieta. -- Jack responde, estendendo a mão para meu avô que logo a segurou.
-- Gostei de você. Seu nome? -- Meu avô pergunta com um sorriso no rosto.
-- Jackson. -- Jack responde, não corresponde ao sorriso, nervoso. Eu junto as mãos na cintura, e encaro meu avô.
-- Não seja malvado com meus amigos, vovo. -- Peço fazendo careta.
Meu avô da risada e chama o secretário com um estalo de dedos. Logo, Cláudio aparece arrumando a gravata. Um homem, bem mais novo que meu avô. Na casa dos trinta, provavelmente.
-- Cláudio reserve um bom restaurante, mesa para três. Estou cansado de comer canapés. -- Meu avô pede, com uma carranca no rosto, não seguro a risada.
Mas mentalmente agradeço quando posso abrir alguns botões do vestido, soltar o cabelo e tirar os cílios postiços pra ir comer.