Quando eu atravessei a rua, na semana passada, sabia que o Ruan estaria morto assim que eu viesse pra casa. Fiquei surpresa quando descobri que ele só está na Uti, estável.
Romeu está conseguindo se controlar, finalmente.
Desço as escadas do flat, encontrando apenas meu avô na cozinha. A desintoxicação foi terrível. Ainda sinto vontade de encontrar alguém que me venda lança perfume, mas não adianta, se o Romeu vai ir atrás dessa pessoa. Eu só vou ficar mais viciada.
Passo a mão no rosto, eu odeio manhãs.
São tão tediosas.
Me senti na mesa, e coloco meus pés em cima da cadeira.
-- Julie! -- Minha sobrinha parece eufórica. Os cachinhos emoldurando o rosto doce. -- Vamos no shopping hoje? -- Pergunta.
-- Meu cartão não vai aguentar desse jeito. -- Meu irmão resmunga, enquanto come um bolo de laranja. Léo é lindo. Alto, negro, cabelo baixo, um sorriso que parece algodão doce.
-- É o objetivo, meu bem. -- Minha cunhada, Letícia diz, enquanto manda um beijo pra ele.
-- Julie, como anda a faculdade? -- Meu avô pergunta, enquanto insiste em ler jornal físico.
Eu dou de ombros.
-- Nada de novo. Tenho que entregar alguma escultura, mas ainda não comecei. -- Confesso. Levo minhas mãos ao rosto. Não sei como consigo me manter na faculdade. Minha vida anda uma merda.
-- Quer vir pra Paris comigo? -- Pergunta. -- Talvez você tenha insipiraçao.
Isso me faz lembrar quando eu fui a primeira vez ao Louvre e sabia com toda certeza do mundo, que artes é a minha praia. Quando eu fui para o intercâmbio, apesar da situação, fez com que eu me apaixonasse ainda mais por cada obra de arte que eu via.
Eu não precisava de nada para viver. Amizade, amor, drogas, tudo ficava em segundo plano quando se tratava das pinturas.
Infelizmente, em artes cênicas, eu não posso decidir só pintar quadrinhos por aí, como se não houvesse amanhã.
-- Não, mas agradeço, Vovô. -- Pego uma xícara de café, enquanto vejo as novidades do meu celular.
Sarah está me chamando para viajar pra balneário. Recuso. Hoje eu não vou sair de casa.
Termino de tomar café com minha família, e subo para o meu quarto, coloco uma série e deixo meu corpo relaxar.
É o que eu faço pelo restante do dia. Alterno entre episódios de Supernatural e sonecas.
Ao anoitecer o flat está vazio. Provavelmente meu irmão voltou pra casa dele, e meu avô já deve ter ido viajar.
Respiro fundo, e decido ir tomar um banho. Deixo a água quase fervente queimar minha pele aos poucos. Sem me importar muito com as consequências.
Saio, e me visto com um conjunto de moletom cinza. Meu celular vibra duas vezes, quando o pego na mão sei que meu fim de semana está arruinado.
Uma amiga me envia uma foto do Romeu, sentado no chão, e pede pra eu busca-lo.
Parece piada, como se eu pudesse levá-lo pra casa dele e não ser alvejada.
Desço as escadas correndo, e vou até a garagem do prédio.
Pego o carro que normalmente eu dirijo, e evito o olhar repudiador zelador, enquanto eu saio do condomínio.
Augusta fica no centro da cidade, próximo. Eu moro na zona sul. Demoro cerca de quarenta minutos, até chegar a Augusta.
Assim que desço do carro, Juliana vem me encontrar.
-- Ele já vomitou, está um pouco melhor. -- Ela me entrega seu celular e suas chaves. Olho na direção dele e agradeço a Juliana enquanto me aproximo. Ele está com a cabeça no meio das pernas abertas. Mal deve saber onde está.
Chuto sua coxa com uma certa força, fazendo o me encarar.
-- Você é nojento. -- Minhas palavras não machucam ele.
-- Minha casa ou na sua? -- Pergunta. Seus olhos desfocados me fazem notar que ele está bebado ainda. A fase triste. Sempre a frase que fica pra mim.
Quando ele está rindo, se divertindo, querendo foder, vai atrás das amiguinhas dele. Mas quando ele está fedendo, nojento, fudido, é pra mim que Romeu liga.
-- Não vou encostar em você antes de tomar um banho. -- Levo as mãos ao bolso do uniforme e espero que se levante.
-- Não é assim que funcionamos, Julieta. -- Romeu debocha. -- Não é você que ama meus defeitos?
-- Você estar nojento não é um defeito. -- O lembro, mas de pirraça Romeu não levanta.
Eu me aproximo, respirando fundo, me abaixo e o abraço por baixo de seus braços. Não preciso contar em voz alta. Romeu sabe ler minha mente. Levantamos ele com um impulso, e eu o ajudo a chegar até o carro.
Quando entro no carro também, Romeu está com o rosto virado para a parede. As janelas tem insulfilme, então sei que a centena de jovens sentados em bares não está me vendo. Sei que ninguém da escola sabia. Ninguém da faculdade vai saber. Tudo o que sabem é que odeio Romeu. E ele deixa as pessoas pensarem isso. Se diverte contando. Mas não conta para os amigos dele que eu, eu aqui, que estou segurando a porra do mundo dele há anos.
Sentindo um nó, apertado, repuxando em minha garganta, tudo que consigo fazer é chorar. Silenciosamente. Não consigo dar partida no carro. Levo minhas mãos ao volante, mas as lágrimas vão continuar descendo como se fossem tempestade. Eu inspiro fundo, trazendo todo ar do mundo para o meu pulmão, mas não consigo me estabilizar.
Depois de longos minutos, sei que Romeu está me encarando. Sei que seus olhos escuros estão tentando entender como eu posso sofrer.
Como ainda posso chorar por ele?
Ergo minha cabeça, em silêncio e o encaro de volta.
Não consigo formular palavras, não consigo gritar na cara do garoto que eu amo que ele está me matando lentamente. Mas assim que ele pisca as pedra onix em seus olhos, sei que ele sabe.
Porque é assim que somos. Um emaranhado de fios, queimando devagar, enquanto não conseguimos largar um do outro, mesmo que doa tanto.