III - Negação, barganha e aceitação

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Martin


Na manhã seguinte ao encontro inesperado, Martin acordou completamente derrotado, a tensão que aquele acaso lhe causara, minou todas as suas energias, de uma forma que ele não estava preparado, "vai ser sempre assim?", pensou abatido, enquanto se sentava na cama e pegava o telefone.

Geralmente, a primeira coisa que fazia ao acordar, era espreguiçar-se e ir ao banheiro aliviar a bexiga, tomar um banho gelado e despertar o corpo do estado de inércia do sono, mas desta vez foi diferente. Com uma ansiedade que lhe causou a pior noite de sono em anos e o telefone na mão, Martin abriu a lista de contatos, apenas para se certificar de que a noite passada realmente havia acontecido.

Estava lá, registrado da forma mais ridícula possível, "Lilo ♥", um apelido que ele deu a Ítalo na adolescência, quando os hormônios falam mais alto que a razão, e que o amigo sempre fez questão de deixar claro que odiava, e agora estava aí, exibindo como se fosse algum tipo de troféu, "quem ele pensa que é?", pensou Martin, fazendo uma anotação mental para jamais chamá-lo assim novamente... "Novamente? Que ideia estúpida, eu não vou falar com ele".

— Aaargh! — vociferou contra si mesmo.

Sentindo a dor martelar sua cabeça, ele finalmente levantou-se. O apartamento em que morava não era muito grande, era um cômodo particionado em áreas úteis, com uma cozinha americana e um banheiro traçando os limites da privacidade. Uma enorme cama king size ocupava metade do espaço do quarto, que também era o escritório, com um pequeno armário na parede ao lado, e uma TV a frente, pendurada no suporte acima de uma prateleira comprida onde vários objetos pessoais faziam o viés de decoração.

No cantinho mais afastado, um quadrado destacado do restante de forma grosseira, uma pequena mesa de montar preenchia o espaço embaixo de uma janela redonda, onde um cacto repousava orgulhoso debaixo da única luz natural que entrava naquele quarto, era ali que ele estudava.

Notou que o notebook continuava aberto desde a noite anterior, quando decidiu procurar o perfil de Ítalo nas redes sociais, mas não havia nenhuma atualização desde os primeiros anos após o ensino médio, o único que parecia ter mais informações, estava trancado. "Me tornei o stalker de um homem que eu afirmo não querer, que patético", pensou ele, enquanto abaixava a tela pra não precisar encarar sua vergonha.

Mesmo que dissesse que não mandaria qualquer mensagem, o fato que agora ele sabia onde Ítalo trabalhava, e que estavam na mesma cidade, o incomodava profundamente. Era como se os sentimentos brigassem dentro de si, como dois hipopótamos disputando pelo controle do território, sendo que o prêmio desta briga, eram suas ações.

Determinado a não sair de casa até se livrar desse conflito interno, ou até a próxima segunda-feira, onde não teria opção, Martin enviou uma mensagem pra sua melhor amiga, a única que poderia ajudá-lo a encontrar algum senso nisso tudo, e dizer o que ele precisava ouvir: que essa não era uma boa idéia, e que se isolar até que tudo tivesse de volta no lugar, era o melhor caminho.

***

Vanessa chegou por volta das 13h da tarde, mesmo que ele tenha avisado que não iria cozinhar nada pra ela, discutir com a amiga era o mesmo que gritar com uma parede, e ele amava isso nela. Enquanto cortava os ingredientes pra um macarrão com salsichas sem igual, ele observou enquanto ela o avaliava.

— Você tá meio na merda né? O que foi amigo, dá pra dizer só de olhar.

— Tá tão na cara assim? — perguntou Martin, se sentindo um pouco mais abatido do que de fato estava.

Corrente de RetornoOnde histórias criam vida. Descubra agora