IV - Cobiça

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Ítalo

O expediente havia começado a pouco tempo quando Ítalo recebeu a mensagem. Era um texto simples, impossível de definir em qual tom foi dito, mas que torceu seu estômago de tal forma, que ele preferiu pular o almoço.

"Precisamos conversar", dizia a mensagem, seguida de um endereço, enviado pelo próprio Martin, um nome que ele achou que jamais veria brilhar outra vez em suas notificações.

Depois do episódio da noite anterior, torceu para que o amigo mandasse a mensagem imediatamente, uma vez que o conhecia bem, e quanto mais tempo se passasse, menos chances teria de receber o tão desejado chamado.

No começo da tarde, ele já havia desistido, e passou a achar que fora burrice de sua parte, deixar para o outro a responsabilidade de iniciar um diálogo, "aquele antissocial esquisito", pensou, afinal, o amigo nunca fora bom em lidar com conflitos diretos, ele era do tipo que se fechava no mundinho partiuclar dele, e se afastava de tudo e todos, e somente com muita paciência e insistência, ele conseguiria algum retorno positivo.

Mas tudo isso veio abaixo quando a luz do celular acendeu naquela tarde, e para sua surpresa, foi o esquisito em pessoa quem o havia procurado, indo contra uma imensa quantidade de certezas que ele tinha, talvez ele tivesse mudado, afinal, faziam dez anos. Descrente e tentando convencer-se de que era uma ilusão de ótica, Ítalo chegou até mesmo a fazer uma captura de tela, pra se certificar de que a mensagem existia e não era um delírio da sua cabeça. Sem saber muito bem o que fazer, respondeu com um emoji surpreso, e depois marcando às 20h, o problema no entanto, era esse.

Considerando que ele havia trocado de turno com um colega, e que largaria às 19h, teria 1h pra atravessar a cidade, em meio a uma reforma na via principal, será que conseguiria? Tinha que conseguir.

Pior do que o deslocamento, era o depois. O que faria quando chegasse lá? O que diria? Por onde começaria a se explicar? Martin o ouviria de fato, ou só o chamou para por um ponto final naquela sandice? As perguntas eram tantas, que queimou a borda de vários pedidos, nada impossível de corrigir, mas ainda assim, resultado de seu nervosismo.

A situação não melhorou quando às 15h, Martin apagou a mensagem e bloqueou seu contato. "Ah que maldito, se ele pensa que eu não vou aparecer por conta disso, ele tá muito enganado", pensou furioso. Porque as coisas entre eles tinham que ser assim? Como tudo ficou tão complicado? Ítalo sabia bem o motivo, mas em sua memória, só ele saiu ferido. A frase que Martin havia lhe dito há mais de uma década, fazia cada vez mais sentido: quem bate esquece, quem apanha lembra... Tinha sido tão ruim assim? De toda forma, só podia torcer pra que o amigo ao menos escutasse-o, e que pudessem encerrar essa questão da maneira correta.

Martin era cabeça dura, muito cabeça dura, um traço de arrogância persistente que ele adquiriu ao perceber que era mais inteligente que as outras crianças, antes mesmo de se conhecerem, também era uma das coisas que gostava nele, o jeito que franzia a sobrancelha quando alguém dizia qualquer coisa que ele considerasse absurda ou idiota.

O tempo foi passando tranquilamente, quase como se conspirasse por aquele segundo encontro, ele estava disposto a fazer as coisas darem certo dessa vez, e poderia sacrificar a própria família pra isso... não que fosse algo difícil, a vontade de se afastar daquele redemoinho de toxicidade não lhe era nova.

Olhou no relógio, o turno havia acabado.

Afastando as memórias sombrias, mas sabendo que precisaria discutir todas essas coisas com Martin, ele foi organizando seus pertences para ir embora. Tinha decidido que dormiria na porta dele se fosse preciso, e por isso, levou até mesmo algumas sobras para comer se chegasse a esse extremo. "Quanto eu me tornei tão possessivo?", pensou intrigado.

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