Escorpiana

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Se o céu pudesse falar algo sobre aquela noite, não falaria. Manteria-se em silêncio, o pressentimento seria o suficiente. O pressentimento não verbaliza, é antecedente a qualquer expressão. O céu sentiu, bem como a lua e todas as estrelas da noite de um de maio. Sentiram tudo. O que aconteceria, e o que não aconteceria; pressentiram.

As paredes grossas do quarto não escondiam suas almas, seus anseios, nem mesmo seus planos que inconscientemente planejavam. Por consequência de seus atos, a cidade de São Paulo encontrava-se louca de amor. Selvagem, incerta, impetuosa; assim como as duas mulheres.

Estavam deitadas sob um lençol branco, sedentas, bêbadas daquilo que a vida nunca ousou fazer. Embriagadas de seus sentimentos, de suas vontades, de suas loucuras. Seus corpos agora estavam parcialmente vestidos, menos suados e menos ofegantes. Tudo estava calmo, pacífico. O quarto pouco iluminado agora representava tranquilidade, sossego.

— Brilha como você. — Anita disse baixo enquanto passava o indicador na corrente prata reluzente, que tinha como pingente o símbolo do seu signo. Chamava atenção, era a única jóia presente no corpo inteiro de Verônica. Tanto o colar quanto Verônica brilhavam como diamantes no céu.

Estavam de frente uma para outra, seus corpos repousando sob a cama, suas pernas desnudas estavam entrelaçadas, acariciando-se. Verônica agora tinha seu tronco coberto pela regata preta, e seu quadril por sua calcinha rendada. O esbelto corpo de Anita era abraçado apenas por sua lingerie que há minutos atrás descansava no chão.

— Foi um presente da minha mãe. Tem um valor sentimental, não tiro nunca. — a morena falou num tom calmo, sorrindo, o duplo elogio lhe retirou um sorriso. Uniu a mão ao toque de Anita, acariciando seus dedos que estavam correndo pela sua corrente.

Sua mãe apesar de já ter partido, ficou como boa memória, não era tristeza para Torres lembrar da sua mãe, uma mulher que sempre estava feliz. Completamente amante da astrologia, presenteou a filha no seu aniversário de dezoito anos com o colar. Prata legítima, especialmente para a garota. Verônica sempre exalou escorpião, para os que entendiam de signo ou não. O objeto representava a visão de sua mãe sobre sua personalidade, também sua presença na sua vida, em seus passos. Partiu deste plano com a mesma visão de sempre da garota; escorpiana, pertencente ao oitavo signo do zodíaco. Questionadora, intensa, irreversível. Eterno orgulho de sua mãe.

— É lindo, tão você... Reparei desde a primeira vez em que te olhei. — Anita falou em meio a lembranças, descendo o toque para seu ombro, sentindo sua pele ainda quente. Verônica parecia sempre estar quente.

— O quanto você me olhava, Anita Berlinger? — perguntou em tom curioso, com uma expressão maliciosa e brincalhona no rosto.

— O suficiente pra enlouquecer, ter meu mundo virado e ver você em tudo... — a loira tinha um sorriso apaixonado apaixonado enquanto com calma sua mão corria pelos fios castanhos. — Mas sempre te olhei com olhos admiradores e você sabe disso, Torres. Sempre te achei brilhante.

Brilhante. Essa era quem Verônica Torres era dentro e fora da Universidade. Inconfundível; Anita desde o primeiro contato com Verônica, sempre soube que ela se destacava ali.

— E eu apaixonada por você. — a morena riu, nostálgica, lembrando-se de quando não tinha o mínimo sinal de interesse recíproco de Anita. — Querendo que você me enxergasse em meio a tanta gente.

— Eu sempre te enxerguei, Verônica. Mas confesso que depois daquela noite em que me pediu explicação sobre um assunto que você claramente sabia, e depois me disse que eu era uma inspiração pra você — a mais velha riu baixo, relembrando do momento. — Não te esqueci mais. Achei você tão linda, tão ousada, te observei... — levou o indicador que antes estava entre as madeixas castanhas ao rosto da mais nova, acariciando. — Soube que seu signo era escorpião, que você gostava de Mpb... E que tinha a liberdade contigo.

Fascínio - Veronita Onde histórias criam vida. Descubra agora