IV - MEMÓRIAS FRAGMENTADAS

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RAFAEL

Estou acordado há várias horas após sair do coma. Nesse meio tempo, fui levado ao hospital, onde apresentei um nome falso, segundo as pessoas que me trouxeram até lá. Exames foram feitos, e a médica que me acompanhou ficou responsável por trazer os resultados.

Desde o momento em que acordo, minha mente está vazia. A névoa oculta minhas memórias que sei estarem lá, mas que não consigo alcançar devido ao dano em minha mente.

Não reconheço as imagens fragmentadas que tentam emergir; são como sombras fugindo do sol, esquivando-se dos meus esforços para retê-las.

Quem sou eu? Por que estou aqui? A ausência de respostas concretas ecoa como um vazio desconcertante em minha mente.

Uma sensação de perda e desorientação me consome enquanto luto para estar no controle das minhas ações. Mesmo com a mente incapaz de se lembrar, agarro-me aos meus instintos para agir em meio ao caos, buscando algum senso de orientação na confusão que me envolve. As pessoas se dirigem a mim como "Rafael" ou "Guerra". Embora familiar, não parece ser realmente meu nome.

Minha mente é um labirinto de incertezas, e a frustração cresce dentro de mim. Será que sou alguém que ataca as pessoas? Por que esse nome ressoa como uma nota distante em minha consciência? Cada vez que tento lembrar, uma dor pulsante me atinge, como se houvesse uma barreira invisível bloqueando meu acesso ao passado.

Desde o momento em que volto para casa, meus olhos não saem da mulher de cabelos castanhos longos sentada ao meu lado.

Seus olhos castanhos e assustados vagam pelo espaço, amedrontados. Estudo as expressões em seu rosto, tentando decifrar as conexões entre mim e essas pessoas, principalmente a mulher que parece tão desolada quanto eu.

Nós dois parecemos peças soltas em meio à sala do café da manhã. O ambiente é bem iluminado, com móveis modernos e cores frias. O cheiro do café da manhã deveria ter despertado meu apetite, mas, mesmo com meu estômago roncando, comer é algo que não desejo.

Respiro fundo o perfume suave e feminino de Olga que me preenche, como o aroma de flores, fazendo meus pensamentos sombrios se perderem tão intensamente que me abala.

— Você deveria comer — sugere a moça de olhos escuros.

— Je n'ai pas faim. — Eu não estou com fome.

Ela me observa atentamente, avaliando-me. Uma leve irritação passa por seu rosto delicado.

— Eu já disse que não falo francês e não entendo nada do que dizem — ela sussurra, abaixando a cabeça, claramente frustrada. Vejo o foco dela se perdendo, se esquecendo do mundo ao seu redor. — Primeiro, tenho uma alucinação com uma mulher fazendo algum tipo de amarração ou bruxaria para me atar a alguém que não conheço. Depois, acordo e descubro que caí no meio desse bando de gente que acha que sou destinada a você, homem que não entende uma palavra do que eu digo. Que inferno! — Ela dialoga consigo mesma, parecendo se esquecer de que estou na mesma sala de jantar e que estou sentado ao seu lado na mesma mesa. — Só você mesmo, Olga, saiu da cova de uma naja feito o desembargador para cair na porra de um buraco cheio de predadores com zero neurônios, feito esse grupo sem noção. O povo acredita em magia, pelo amor...

Os seus lamentos ecoam pelo ambiente me deixando frustrado, já que não compreendo suas analogias e não tenho meios agora para mudar isso. Irritado corto os seus lamentos dizendo:

— Reclamar não vai resolver nada, Olga! — As palavras me escapam de maneira enferrujada e em português.

Ela levanta a cabeça quase quebrando o seu pescoço diante da sua surpresa, os cabelos se agitam ao redor do seu rosto e enquanto seus lindos olhos fita quase caindo da órbita. Seus lábios se abrem formando "O" de espanto. Suas emoções inunda sua voz quando diz:

SOB A NÉVOAOnde histórias criam vida. Descubra agora