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Com dezessete anos recém-completados, Will Byers tinha certeza de que a vida estava eternamente encarregada de erradicar qualquer sinal de sorte que ele venha a ter algum dia. Ele crescera em um bairro planejado gigante em Jefferson Park com o pai – porque é isso que fazem com os terrenos da Flórida –, mas Lonnie vivia aprisionado em obrigações adultas e vontades juvenis, então ele decidiu que passaria tempo de qualidade com a mãe. Will chegou a conclusão um mês depois de que havia de ter uma espécie de lavagem cerebral com os cidadãos de cidades pequenas e falidas.

Trezentos e trinta e cinco dias depois de se mudar para Hawkins e começar o segundo ano do ensino médio, Will recebe um e-mail. Deveria ser no mínimo esquisito uma mensagem anônima aparecer do nada na caixa de entrada, assinada com o bizarro nome Paladino. Foi necessário esperar até agora – 335 dias inteiros sentindo-se o oposto de uma pessoa normal – para que ele aprendesse esta importante lição de vida: é possível ficar imune à esquisitice.

Para: Will M. Byers >willbyers@me.com<
De: Paladino >paladino@me.com<
Assunto: seu guia espiritual no colégio Hawkins High

ei, Will. nós nunca nos encontramos e não sei se um dia vamos nos encontrar. quero dizer, provavelmente vamos, em algum momento... talvez eu pergunte a você que horas são ou outra coisa igualmente banal e abaixo do nosso nível intelectual, mas nunca vamos nos conhecer de verdade, pelo menos não de forma significativa. e por isso pensei em mandar este e-mail sob o manto do anonimato.

sim, eu sei que sou um cara de 17 anos que acabou de usar a expressão “manto do anonimato”, e sobre isso digo uma coisa: esse é o motivo número um para que você jamais saiba o meu nome de verdade. eu não sobreviveria à vergonha dessa pose pretensiosa.

“manto do anonimato”? fala sério!

e sim, também sei que a maioria das pessoas simplesmente teria mandado uma mensagem pelo celular, mas não consegui pensar em nenhum jeito de fazer isso sem revelar quem eu sou.

tenho observado você no colégio. não de modo doentio, mas agora me pergunto: será que o simples fato de eu ter usado a palavra “doentio”, por definição, me torna doentio? de qualquer forma, acontece que... você me intriga. já deve ter notado que a nossa escola é um mundo vasto de pessoas vazias, e alguma coisa em você – não só o fator novidade, já que, claro, o resto de nós frequenta a mesma escola desde os 5 anos, mas algo no seu jeito de andar, falar e na verdade não falar, apenas observar a todos nós como se fizéssemos parte de um documentário bizarro – me faz pensar que você pode ser diferente de todos os idiotas da escola.

eu fico com vontade de saber o que se passa nessa sua cabeça. vou ser sincero: não costumo me interessar pelo que há na cabeça dos outros. a minha já dá trabalho suficiente.

o objetivo deste e-mail é oferecer meus conhecimentos. desculpe ser o portador de más notícias: não é fácil se orientar nos territórios do colégio Hawkins High. o lugar pode parecer caloroso e receptivo, mas, como todos os outros colégios do ensino médio (ou de um jeito até pior), é uma droga de uma zona de guerra.

por isso me ofereço como o seu guia espiritual virtual. sinta-se livre para fazer qualquer pergunta (a não ser, claro, sobre a minha identidade), e vou me esforçar ao máximo para responder a você: com quem conversar (lista curta), de quem manter distância (lista maior), por que você não deve comer o hambúrguer vegetariano do refeitório (longa história, você nem vai querer saber, envolvendo esperma de atleta), como tirar A na prova da Sra. Stewart e por que você nunca deve se sentar perto do Rob McFuller (problema de flatulência). ah, e tenha cuidado na aula de educação física.

parece informação suficiente por enquanto.

e, só para constar, bem-vindo à selva.

atenciosamente, Paladino

when he sees me [byler]Onde histórias criam vida. Descubra agora