found & lost | kelmiro

Águas de Março

⚠️ Drogas, violência. ⚠️

São Paulo, 1973.

- É pau, é pedra, é o fim do caminho...

A noite estava clara, mais que o normal, pelo horário que estavam voltando da faculdade. Apesar de fazerem cursos diferentes, sempre voltavam pra casa juntos.

- É o resto de toco, é um pouco sozinho...

- Enzo, pelo amor. Você está repetindo os mesmos versos faz um tempão. - Reclamou, cobrindo as orelhas.

No caminho até o metrô, conversavam sobre o dia na faculdade, sobre a dificuldade de enfrentar as filas do bandejão, matérias que não suportavam mais e dentre diversos outros assuntos que amigos universitários poderiam estar conversando entre si.

Mas naquela noite, algo estava diferente. Não sabiam exatamente o que, mas estava. Quando algo dentro de si diz que algo vai acontecer, mas nunca sabe-se o que.

- Vocês ficaram sabendo daquele menino de economia?

- O que faleceu? Ouvi dizer que foi por conta de uma droga que ele usou aí. - Disse enquanto colocava um cigarro entre os lábios e o acendia - Dizem que ele agonizou um monte. Devia ser pesadíssima.

- É pau, é pedra... - Enzo cantarolou novamente, mas parou ao se dar conta de algo.

Um, dois, três, quatro... cinco?

- Cadê Renan? - Tinha certeza que saíram todos juntos da USP.

Desceram as escadas e sentaram-se na estação, aguardando o metrô. Não havia muitas pessoas no local, o que não era muito comum também.

- Ele tava junto de nós agorinha... Deve que pegou outro caminho.

- Sem avisar a gente? - Enzo questionou mais para si do que para os colegas. Sabe aquele sentimento estranho? Estava batendo em seu peito. Uma agonia indescritível.

Passaram sabe-se lá quantos minutos até o metrô chegar. Desembarcaram poucas pessoas, e os poucos que estavam na estação aguardando para embarcarem, foram entrando aos poucos. Os meninos foram os últimos.

Ao entrarem e aguardarem a partida, a figura de um rapaz alto e cabelos cacheados, uma calça e um casaco preto apareceu subitamente na porta e adentrou. Estava com a respiração descompassada, o olhar arregalado. Como se tivesse visto algo ue o traumatizaria pelo resto da vida.

De novo, sabe aquele sentimento estranho? Tomou conta de Enzo por inteiro. A figura era Renan.

- Não dá esse susto na gente, carai - Igor se aproximou do maior dando um leve tapa em seu ombro. Mas permaneceu imóvel. - Renan, qual foi irmão?

Enzo sentia seu estômago embrulhar. O que estava acontecendo? Saiu junto de Renan da faculdade, ele estava bem.

O desespero tomou conta de si quando viu o maior atacando furiosamente o estudante de cinema. Renan prendeu as duas mãos em seus ombros com uma força descomunal e começou a agredir o menor, que já estava no chão e havia perdido a consciência.

Enzo se encontrou paralisado. Sentia o medo e agonia tomarem conta de seu estômago por completo. Não sabia o que fazer, ou como reagir. Mas sabia que não era seu amigo ali, não tinha como ser ele. Como aquilo tudo estava acontecendo? Porque?

Foi tirado do seu transe com um puxão em sua camisa, um dos seus amigos o chamou pra tentar tirar Renan de cima de Igor, que não sabiam se ainda estava vivo com toda a agressão que havia sofrido.