2 anos antes, bairro da Liberdade.
────É ela, não é? Essa é Anita Berlinger! ────O dedo indicador subia mirando a tela luminosa do computador, apontando com a curta unha pintada de preto.
────Tem certeza mesmo que vai entrar nisso, Verô? Isso não é qualquer coisa, não é algo... Pequeno. ────A voz de Lima ecoava ao seu lado, mas se fosse parar para de fato prestar atenção, o aviso parecia longe, quase inaudível.
────Eu não me contentei com o fácil, Lima! Eu quero ela e vou até o fim disso. ────A mão antes usada para apontar agora segurava a caneca cheia de café, a virando em seus lábios pintados de vermelho vivo.
Nunca quebrar uma promessa. Verônica Torres era boa nisso quando queria.
Maio, segunda-feira.
Uma coca-cola aberta e tomada pela metade, papéis espalhados por uma ampla mesa atada a parede e olhos compenetrados na adrelina que as informações lhe traziam. Longe de ver palavras sendo ditas por mulheres bonitas sentadas em cadeiras em cenários luminosos de jornal televisivo, Verônica Torres estava em pleno submundo e amava. Os dedos digitavam com veemência, quebrando proteções de sistemas que nem mesmo faziam ideia de sua presença ali, sentia-se como navegador em mar aberto, mas sempre com um rumo específico. Nunca se perdia.
O que se iniciara como uma operação pequena tornara-se imenso com o correr dos anos, gerando a impaciência a corroer de Lima em ver Verônica se perder em algo, que para ele, não fazia o menor sentido. Objetivos estavam deturpados, segredos haviam sido revelados e Torres não estava assim tão nas sombras como antes. Prisões e mais prisões, riscos corridos cada vez mais alto e um certo grau de obsessão que levava o homem a coçar o meio de sua testa sempre que a mulher de fios castanhos jogava uma pasta nova em seu colo.
Lima se amargurava em um certo grau, havia entrado naquilo com ela pois a amava, amava seus projetos, amava que tudo com Verônica tomava um ar superior de adrenalina, mas como sempre, ele estava para trás, sempre passos atrás. Para o homem, Anita Berlinger era apenas mais uma figura visível que havia sido corrompida por um sistema irremediávelmente corrupto, não havia exatamente porque fazer dela o ponto de partida e coloca-la como figura principal.
Mas os olhos de Verônica Torres brilhavam quando o nome da mulher era dito.
Perder o medo vinha em camadas, camadas essas que Torres havia perpassado com uma pressa quase instantânea. Promessas de que tomaria cuidado aos poucos eram quebradas com o passar dos primeiros meses, e quando o contato com a delegada se tornara mais corpo a corpo, tudo explodira com direito a estilhaços voando em várias direções. Antes apenas a via como um objetivo traçado, algo a alcançar. Anita ainda era vista como algo a alcançar, mas Verônica a queria literalmente em suas mãos.
O objetivo havia subido de nível, e seu relacionamento com Lima se findara em meias palavras por parte dele e nenhuma por parte dela. Mensagens trocadas em uma noite qualquer de janeiro e tudo teve fim.
Entre noites mal dormidas e lençóis compartilhadas, Verônica parecia ter seguido com sua vida de maneira relativamente rápida demais, se aventurando em bocas que nunca possuíam o tom de vermelho de seu objetivo. Se aventurara mais após a saída de Lima de sua vida, e por se aventurar mais, consequentemente a presença da delegada se tornara ainda mais presente.
────Oh Verônica, sabe que é um problema quando começo a te tratar pelo primeiro nome, não sabe? ────A algema se apertava em seus pulsos em um solavanco, a fazendo fechar os olhos ao ter seu corpo junto ao corpo da loira.
────Sabe doutora... ────Sua expressão flexionava em dor, terminando em um sorriso com o lateralizar do rosto. ────...Você é sempre tão boa em me dizer as coisas, porque não me diz o problema disso? Acho que estamos finalmente nos conhecendo! ────A risada baixa de Anita fazia os pelos de seu braço se arrepiarem enquanto caminhavam juntas.
────Fichada e conhecida pela delegada da homicídios, você gosta do perigo, Torres. ────Os pés caminhavam juntos pelo cascalho que rodeava a cena do crime que Verônica havia invadido, fazendo um som similar. ────Eu te digo que esse não é o tipo de perigo que você quer correr!
────Porque não? ────De supetão, a morena parara, fazendo seu corpo bater com veemência contra a delegada. ────Que tipo de perigo eu preciso gostar de correr para você, Anita? ────O ar gélido rebatia no rosto de ambas a medida que um sorriso nascia nos lábios vermelhos.
────O tipo que... ────Sua voz se abaixava, ao passo que ela se aproximava da orelha adornada com piercings que Verônica possuía. ────...Machuca seus pulsos de outra forma, que não te prende de um jeito desconfortável! ────Novamente, o rosto da jornalista se virava em um sorriso amistoso, provocativo na medida certa.
────É por momentos assim que eu não deixo de provocar sua raiva! ────Em um solavanco seu corpo novamente fora para frente, sendo encaminhado para um carro suntuoso.
────Aproveita a viagem... Calada de preferência! ────A frase se findara com o corpo de Torres sendo colocado contra o acento, deixando em seu rosto um leve tapa de aviso.
Ao fechar a porta do carro em sua posse, a delegada sentira o pingar da chuva fria contra seu rosto, limpando com a ponta dos dedos enquanto se encaminhava para a direção do veículo. Verônica estava lhe atrasando de maneira considerável, visto que Matias havia marcado o encontro geral às 22h. Os olhos azuis desceram com pressa para seu relógio de pulso, sem nunca passar despercebido pelos castanhos atrás dela. 21:30. Se atrasaria com toda certeza.
────Diz para o merda do teu advogado que dessa vez eu faço questão de complicar a vida dele...Mais que o comum! ────Seus olhos miravam Verônica pelo espelho ao meio do carro enquanto sua mão manobrava, as tirando dali com considerável pressa.
A cela para Verônica começava a se assimilar com sua segunda casa, um lugar relativamente silencioso onde sua mente trabalhava na perspectiva de estar em território inimigo. Sabia dos planos de Anita para aquela noite. Sabia com quem e quando se encontraria, e por tal tentara atrasar o combinado ao máximo, porém, com sua falha, Glória entrava em cena para assumir o papel que era seu. Após ouvir o ruído insuportável da cela se fechando, contara os exatos minutos demorados para que Nelson aparecesse com um sorriso amistoso nos lábios.
────Irritou a patroa, não é? ────Sua mão surgia de detrás de suas costas, segurando um copo considerável de um dos líquidos que Torres mais amava. Café. ────Glória já está lá, estou com as escutas... Estamos seguindo com o plano! ────A mulher enfim se levantara, indo até o amigo de longa data, tomando para si o líquido fumegante.
────Fala com o Siqueira para mim, pede para me tirar daqui o quanto antes, eu tenho uma ideia melhor! ────Os olhos amendoados de Nelson a fitavam com curiosidade, diferente de Lima, o mesmo considerava tudo o que Verônica queria, ainda que pudesse beirar a insanidade. ────Confia em mim?
────Sempre, Verô!
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Linhas cruzadas
FanfictionVerônica Torres poderia ser descrita como a personificação de perigo eminente pela boca de Anita Berlinger, a delegada titular do departamento de homicídios de São Paulo. Em meio a uma relação cheia de nuances e tons, Verônica Torres se aventura uma...