"────Sua boca é gostosa exatamente do jeito que eu imaginava. "
Os dedos tamborilavam. Uma rapidez ditada pela fluxo insano de seus pensamentos, imprimidos em pontas de dedos já cansados de baterem contra o móvel de madeira. Verônica estava imersa, de um jeito que nunca estivera.
Pastas jogadas. A tela do computador a reluzir a sua frente. Palavras e mais palavras, abas abertas, coisas importantes a serem finalizadas. Seus pensamentos estavam em Anita. Uma provocação boa se faz em camadas, ela sabia disso muito bem, era boa com palavras na mesma proporção que era boa com suas táticas infalíveis que se moldavam conforme necessitava. Exímia em usar seus olhos, sua boca a dizer as palavras certas, as palavras que as pessoas queriam ouvir.
Provocações em camadas levavam tempo, as vezes mais, as vezes menos. Estava querendo apressar a perfeição e isso não se fazia. Nunca.
Os lábios de Anita eram bem desenhados, não só pelo batom, afinal, quando ele se borrara, sua boca continuara perfeita. Seus olhos castanhos se perdiam entre a luz mal aplicada, que nem mesmo fazia jus a presença da delegada naquele local. A pele branca constrastava bem com o tom de vermelho escolhido, borrado ou não. Mas Verônica o preferia borrado, afinal, era assim que o sabor dos lábios molhados em álcool permaneciam em sua boca que pedia por mais.
Tivera medo em certo momentos, não de ser descoberta, mas de se fazer aberta demais. Não costumava esconder seus desejos, morreria se o fizesse, porém, ainda pensando em táticas necessárias, ela com certeza não estava dando o melhor de seu autocontrole ali. Os seios pesavam em uma respiração rápida, doía querer tanto a proximidade. Mas era igualmente bom senti-la. Precisava dosar, como precisava dosar o nível de ansiedade que consumia seu corpo a sós naquela sala.
Blusa de mangas curtas. A inseparável blusa de Tiffany, de Chucky. Seus gostos para terror sempre haviam sido duvidosos se fosse parar para analisar. Uma calcinha lisa preta. Cigarro entre os dedos e a coca-cola aberta. Uma hora. Uma hora contada pelos ponteiros do relógio desde que havia separado seu corpo da proximidade que havia conseguido com mais facilidade do que achou que teria.
Se lembrava dos olhos a pesar ao fitarem a boca de Berlinger a se movimentar, fosse em sorrisos, fosse em conversas jogadas fora. Lábios a se comprimirem ao tocar o canudinho colorido de suas bebidas. Os olhos que se tornavam menores ao sorrir. Dentes a prenderem os lábios e desejo. Ela mudava de forma conforme a rápidez de seus pensamentos, como o ritmo dos dedos de Verônica Torres.
"────Vai me comer como me come com os olhos, Verônica? Eu quero saber."
Os fios castanhos estavam para trás, tocando as costas por cima da blusa enquanto sua respiração falhava. Provocação em camadas. Quem havia inventado esse conceito estúpido? Se fazer de difícil naquela noite lhe causara dor física a pungir ao meio de suas pernas. Seu ponto de prazer pedia por alívio como nunca antes, seus seios queriam ser tocados e sua boca precisava desesperamente de atenção. Mas se afastara. Dera passos largos para trás se distanciando, deixando Berlinger a sorrir com uma dose de tequila em mãos. Final de noite, mas o finalizar do desejo não se dava.
Ao chegar em casa sua mente se debruçava em trabalho, em assuntos burocráticos, ligações cruzadas entre suspeitos e novos rosto que surgiam todo dia no esquema de Matias. A boca de Anita voltava em cortes. Informações a sua frente, fotos a serem reveladas para colocar na parede de suspeitos, documentos para serem atualizados. Os olhos azuis cheios de fome a sua frente, olhando somente para ela, desejando apenas ela.
Os olhos castanhos se fechavam.
────Mas que merda! ────A frase acabara saindo em um tom mais alto que o esperado, bem como o tapa contra a mesa. Sem mais dedos a tamborilar.
Se levantar parecia o mais correto naquele momento, movimentar seu corpo para fora da corrente de pensamentos que se formavam. Porém, Verônica possuía uma mente difícil de controlar, imagens e lembranças vinham em ondas, as vezes grandes, as vezes pequenas. Seu equilíbrio deixava de existir, como pés na areia da praia, e como onda que voltava ao seu domínio primordial, a mulher se desequilibrava sobre seus próprios pés em meio a intensidade do que pensava. Trágico.
O encontro gerara promessas embriagadas, que possívelmente nunca seriam cumpridas. As palavras sempre eram mais doces e favoráveis quando o álcool fazia um bom efeito nos lábios. Sabia que Anita estava um tanto mais aberta para aquela conversa, e que isso não se repetiria no dia seguinte, já sóbria. Não, claro que não. Anita era digna de uma postura inquebrável, e se Verônica não soubesse bem de suas atividades por debaixo dos panos, diria que suas convicções a cerca de si e de sua visão de mundo eram ilibadas.
Não sabia ao certo como prosseguir, não por falta de plano, mas sim por estar presa a um momento do qual não queria sair. Se faria presa em memórias se isso lhe fizesse estar mais perto do corpo que tanto desejava naquela, e em outras madrugadas.
Os pés descalços caminhavam de forma sonora pelo chão do galpão, pesados demais para alguém do seu tamanho. Com um cigarro a crepitar entre os dedos, a mulher se jogara contra os lençóis bem arrumados, abrindo os braços. Os olhos fitavam o teto como de costume, pesando mais e mais conforme o cigarro se reduzia a cinzas disformes e escuras. Ao findar da nicotina em chamas, Verônica Torres enfim encontrara na pressão baixa seu iniciar do sono dos justos. Enfim não mais pensaria em Anita.
Com o deitar do corpo nos lençóis, os fios castanhos se espalhavam a contrastar bem, criando uma coroa disforme. Os olhos fitavam o teto, buscando nas linhas acima de si algo que lhe trouxe um tanto mais de paz, daquela que adormece o corpo sem que precise fazer esforços. Sabia que não conseguiria, seu pensamento derrapava nas curvas da boca de Anita Berlinger. Era perigoso. Deliciosamente perigoso pensar nela, se envolver e quere-la daquela forma. Em chamas descontroladas, prazer súbito e letal, sem controle. A queria e sabia que não era apenas um trabalho, uma questão burocrática.
A queria. E ponto final.
Olhos se fechavam aos poucos, perdidos na imensidão de um teto que não lhe dava a imagem que queria. Precisava, necessitava perde-se em azul vivo. Em vermelho convidativo. Em loiro cheiroso a chamar. Precisava de Anita, mas se contentava em adormecer para sonhar com ela.
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Linhas cruzadas
FanfictionVerônica Torres poderia ser descrita como a personificação de perigo eminente pela boca de Anita Berlinger, a delegada titular do departamento de homicídios de São Paulo. Em meio a uma relação cheia de nuances e tons, Verônica Torres se aventura uma...