Um impostor entre nós

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   ~ Evelyn Santiago ~

   — Boa tarde, doutora! — me surpreendi ao ver Andrea, uma das novatas, adentrando a enfermaria.

   — Boa tarde! Tudo bem com você? Algum sinal de que a gripe voltou? — perguntei, me adiantando nas hipóteses que teriam a levado para lá, já que ainda não tínhamos tido a oportunidade de interagir normalmente.

   — Não, não...Me sinto mais do que bem! — ela também se apressou em afirmar, rindo de uma maneira mais nervosa do que o normal. — Acontece que vim aqui, pois gostaria de saber quais políticas Woodburry teria em relação à preventivos.

   — Pílulas do “dia seguinte” ou “camisinhas”? — ri, aliviada em ver que o assunto era mais tranquilo que o imaginado, e prontamente me dispondo a procurar para ela no armarinho. — Não que nos empenhemos em vasculhar atrás destas coisas, mas a enfermaria da escola tinha mais do que o suficiente para que pudéssemos ofertar este tipo de tratamento! Qual seria a sua necessidade no momento?

   — Pílula do dia seguinte. Sei que eu deveria ter sido mais cautelosa, mas como você já bem pontuou: Não é como se pensássemos muito nisso em dias como hoje. — ela sorriu mais tranquila, aceitando a pílula ofertada por mim junto a um copo d'água.

   Pelo visto, ao contrário de sua amiga, Andrea tinha conseguido se familiarizar com muito mais facilidade com os habitantes de Woodburry, e mesmo que não fizesse ideia quanto ao homem com quem estaria dormindo, tinha de admitir que era bom ver que alguém ainda conseguia “descontrair”.

   — Deve ser um alívio quase não precisar atender ninguém, não é mesmo? — a loira comentou, me tirando de minhas reflexões, enquanto dava uma boa olhada no consultório vazio. — Minha profissão se tornou meio inútil depois da pandemia, mas certamente deve ser bom trabalhar sem de fato precisar.

   — Dou graças pelos residentes de Woodburry terem bons anticorpos. Nossa enfermaria não chega nem perto do que seria preciso para um ambulatório, mas é bom atender apenas a alguns casos de resfriado vez ou outra. — admiti, pois por mais que nunca tivesse me agradado em ter de lidar com certas vítimas de incidentes em tempos antigos, era reconfortante ver que meus trabalhos eram mais um seguro do que uma necessidade latente em Woodburry. — Mas qual era sua profissão? — decidi devolver o questionamento, apenas para retribuir a cortesia e manter a conversa fluindo.

   — Era advogada, você sabe: um daqueles trabalhos que não parece ter fim, e ao mesmo tempo parece tão...monótono. — dera de ombros, suspirando como se não desse falta dos velhos tempos. — Tinha dias que eu preferiria pular da janela do meu escritório a atender outro caso na defensoria, mas daí, o mundo ruiu junto com todo o Sistema Judiciário. Nessas horas, queria ter sido uma “Jim das Selvas”, versada em acampamentos, trilhas e cursos básicos de sobrevivência. — riu de sua própria piada, no que não pude deixar de imitá-la.

   — Sabe, é engraçado como minha formação médica, a princípio, não me foi tão útil quanto se pode imaginar...A verdade é que ninguém estava preparado para a falta de luz e água corrente, e que o mundo viraria essa Terra-De-Ninguém. — dei de ombros, um pouco melancólica pelos sufocos passados até chegar a Woodburry.

   — Acho que tem razão...As duas pessoas mais preparadas que vi para esse apocalipse foram um homem e uma mulher. Shane podia ser meio intenso em suas decisões, mas tinha estômago para encarar quando as coisas ficavam difíceis. Melhor do que ele só Michonne...e agora não faço a mínima ideia de para onde eles foram. — suspirou pesarosamente, os grande olhos azuis se perdendo em algum ponto pouco acima de meu ombro, sem de fato se fixarem em nada. — Me desculpe pelo clima deprê. Eu só acho que mais estranho do que perder alguém num apocalipse, é saber que tem pessoas que cruzaram sua vida, e estão por aí, apenas...perdidos.

   — Eu acho que te entendo. Estava sozinha quando tudo começou, e meu único ente querido era um namorado no qual dei um pé na bunda ao descobrir que era casado. — admiti, ainda magoada demais ao me relembrar daquele homem de sorriso largo, que me levara pra cama só porque “não estava aguentando a barra” de ter uma esposa doente. — Nunca espero reencontrá-lo, mas as vezes me pego pensando em como ele lidou com a chegada do fim do mundo, sabe? — murmurei cabisbaixa.

   Será que na Virgínia teria sido tão ruim quanto foi na Georgia? Talvez eu realmente nunca fosse saber.

   — Mas e quanto à Michonne? Ela não quis permanecer em Woodburry. — apontei aquela atitude estranha. Não era mistério que ela fosse uma mulher taciturna, mas abrir mão de um refúgio não era algo que as pessoas normalmente fariam nos dias de hoje.

   — Acho que esse é o preço em se viver por muito tempo do outro lado dos muros: Você acaba se esquecendo de como era tudo antes. — apesar de evasiva, havia certo peso na resposta de Andrea, peso este que não deixei passar em branco.

   — Bom, seja lá no que sua amiga esteja à procura, espero que ela encontre. — declarei, dando dois passos para trás para enfim declarar — Bom, acho que já posso dispensá-la do consultório. Caso sinta algum efeito colateral da pílula, por favor, é só tornar a me visitar, certo? — concluí, dispensando-a.

...


~ Lily Argent ~


   Havia um infiltrado na prisão, e este infeliz estava determinado em nos ferrar!

   Os anos podiam ter me feito desenvolver um certo nível de paranoia, mas não havia outra explicação para os alarmes que soavam por todas as paredes da prisão.

   — Aonde fica o sistema de alarmes da prisão! — Rick me gritou, tentando se fazer audível em meio ao caos que nos cercava.

   — Fica na ala masculina, próximo a sala do diretor do presídio! — exclamei em resposta, e pela forma como seu semblante se fechara, pude ver que tinha levantado ideias.

   — Aqueles desgraçados da ala masculina... — rosnou, empunhando a machadinha com mais força. — Sabia que não deveria tê-los deixado vivos! — acrescentou, disparando a frente de mim e de Glenn, em sua corrida contra o tempo.

   Quando alcançamos a área onde ultimamente vínhamos habitando, fomos freados por um pequeno grupo de mordedores que vinha em nossa direção, avançando em passos cambaleantes. Foi difícil não soltar um xingamento, ainda mais quando tal presença não era esperada, já que tínhamos limpado aquela área.

   E cada vez mais aquela história de alarmes soando inesperadamente parecia ser menos dado ao acaso, passando a ser um plano meticulosamente executado por alguém que não nos queria bem.

   — Se apartem! Assim eles terão de se dividir para nos pegar! — Rick exclamou, nos apontando as extremidades do corredor. Não que tivesse muito espaço para nos dividirmos, mas de fato os mordedores se viam obrigados a escolherem entre um de nós, quando chegavam perto de mais de nós.

   Não sentia saudades daquele tipo de confronto tão direto, mas me esforçando para não virar isca de morto, saí golpeando a todos, sem me preocupar em ver se Glenn e Rick faziam o mesmo.

  Foi quando uma flecha acertou a nuca de um dos que me abordou, seu corpo desfalecendo no chão antes mesmo que eu conseguisse entender de onde tinha vindo o disparo. Daryl Dixon fez uma careta quando nossos olhos se encontraram, e mesmo que parecesse meio extremo, tive a impressão de que ele teria “errado seu alvo inicial”.

   — Daryl, onde estão os outros?! — Rick esbravejou, terminando de lidar com o último mordedor em seu encalço.

   — Estávamos no pátio quando tudo aconteceu! Hershel e Beth se trancaram numa das torres de vigia; Lori, Carl e Maggie tentaram retornar para os blocos; e Carol ficou dando cobertura! Vim atrás de vocês, justamente para conseguir reforços! — ele explicou, se apressando em pegar no meu braço, me arrastando consigo para fora, enquanto os outros corriam conosco.

   — Glenn e Daryl, vocês ajudarão à Carol! Eu e Lily iremos desligar esse maldito alarme, e assim que possível, voltaremos para ajudar aos outros! — Rick rapidamente bolou sua estratégia, dispensando os dois com um aceno, enquanto apontava para mim com a cabeça, sinalizando para seguirmos adiante.

   Eu só queria que aquela merda acabasse de vez!

Muddy Waters - The Walking DeadOnde histórias criam vida. Descubra agora