Cornélia estava atrasada.
Quando recebi o email, chamei ela para marcar esse bendito trabalho. E marcamos, depois de muito esforço e tolerância com o seu linguajar horrendo.
Eu tenho um certo problema, com as pessoas que usam mais palavras de baixo calão do que realmente falam.
Zane sabe, e tenta ao máximo se controlar, mas aquela garota parece que tem algo, algo nela que insiste em me provocar. O tempo todo.
Quando ela sai para correr todos os dias de manhã e insiste em me encarar na varanda, quando ela senta na mesa mais longe possível de mim nas aulas, a maneira que ela sempre esbarra em mim nos corredores. E agora se atrasa.
Eu nem cheguei tão adiantado, e geralmente tolero atrasos. Mas meia hora. Meia hora! Eu estou plantado nessa mesa esperando ela, e a biblioteca ser um lugar silencioso torna tudo pior. Eu consigo ouvir os cochichos sobre mim.
"Será que o capitão levou um bolo?!"
Eu espero que não, ou eu nunca vou perdoar Cornélia por isso. E ela fará esse trabalho sozinha
Olho o relógio mais uma vez. Trinta e cinco minutos.
Me mexo na cadeira bufando. Eu não vou mandar uma mensagem pra ela. Ela tem que ter a própria responsabilidade.
Pego o celular do bolso.
Encaro a tela ainda bloqueada com um grande total de 0 mensagens.
Uma mochila é bruscamente jogada em minha mesa. E para a alegria de ninguém é Cornélia com sua educação inimaginável.
— Seus pais não te educaram não?!
Ela para me olhando com uma expressão peculiar. — De raiva. — Mais do que o normal. Mas eu que devia estar irritado aqui. O atraso foi totalmente dela. Mas ao invés disso paro para admirar seus cabelos crespos que descem em longas tranças as quais deve ter passado horas fazendo.
— Vai se foder. — Ela puxa a cadeira, que bate fazendo um barulho ensurdecedor.
A bibliotecária dirige um olhar rigoroso a nós, e todas as outras pessoas aqui também.
E a essa altura eu quero me enfiar em um buraco. Ja basta o que aconteceu na aula, Cornélia esta me fazendo parecer deselegante.
— Você tinha que ser assim né? — Ela me dirige um olhar irritada, se sentando. — Se atrasa, fala milhões de palavrões e faz um escarcéu.
— Eu tenho meus motivos Dallaz. Que tal não falar sobre o que não entende e se concentrar no que viemos fazer? — O tom irônico dela me angustia ainda mais.
Suspiro me concentrando para que acabe logo e eu possa sair daqui. E imagino que ela pense o mesmo.
— Só precisamos fazer um trabalho sobre alguma religião, o professor avisou que de preferência algo que não tenha haver com o catolicismo.
Ela concorda tirando o notebook da mochila. Eu não consigo deixar de reparar nos adesivos colados nele, que variam de algumas bandas, para gatos, símbolos que eu não entendo, flores, até um da vans.
— Pensou em alguma religião? — Ela me pergunta, me matando com os olhos castanhos.— Pensei que faríamos isso juntos. — Ela revira os olhos a minha resposta. — Qual sua religião Cornélia?
— Eu acredito em muita coisa. — Ela da de ombros como se aquilo bastasse. E me encara esperando que eu tenha entendido. Minha cara deve tornar visível que não. — Só acho injusto que uma coisa exista e outra não, então tento conhecer o máximo de religiões possíveis, e vejo com quais eu sinto uma conexão.
Me mantenho calado observando ela que gesticula conforme fala. Ela percebe isso, então para percebendo que estava falando talvez um pouco de mais por ser eu na sua frente.
— Acredito mais na Católica e na Grega. — Ela conclui em um tom baixo e menos animado. E passa a mão pelas tranças em seu cabelo.
— Podemos fazer sobre a grega então. — Penso por um segundo sobre o fato dela ser uma grega, e sobre as fraternidades.
A garota concorda com a cabeça e eu me levanto, tentando me afastar da situação, ela deve ter se irritado só com o fato de eu ter observado ela gesticular e então parou. Ou eu a deixei desconfortável. Eu realmente prefiro a primeira opção, por mais que eu a deteste odeio que as pessoas sintam vergonha de si mesmas.
Paro na seção de mitologia olhando pra o que deve ser centenas de livros a minha volta. E desejo mais uma vez que isso acabe logo.
[...]
Estávamos quase terminando. Trocamos poucas palavras, só coisas como "achei algo interessante" ou "me passa aquele lápis" e por mais que eu não esperasse Cornélia realmente cooperou pra fazer o trabalho.
Mas tinha algo diferente, não parecia a Cornélia que eu achei que conhecia. Ela estava calada, não me respondia com a intensidade de sempre, como se estivesse triste.
Triste. Pelo que ela poderia estar triste? Eu a magoei? Merda eu não sabia nada sobre ela. Quem devia estar magoado era eu, pela forma que ela sempre me trata.
Garota teimosa. Talvez ela estivesse só fingindo estar chateada para eu me culpar por algo, isso é bem mais a cara dela.
— Você vai ficar me olhando ou vai terminar de escrever isso? — Ela me perguntou, e eu pisquei varias vezes caindo na real, eu estava realmente encarando ela.
— Não foi de propósito. — Minha voz não saiu convincente, e tentei me explicar. — Estava pensando e você só estava na minha frente. Acredite eu nunca te olharia.
Minha explicação pareceu mais uma ofensa ja que ela fez uma careta e largou o lápis para olhar no fundo dos meus olhos, e ai eu percebi que ela estava voltando ao normal, e agradeci mentalmente por não ter que aguentar mais nenhum segundo de seu silêncio agradavelmente desagradável.
— Além de você estar me olhando agora. — Ela faz uma pausa, debochando de mim. — Também me olhou bastante na noite da vitória do time. Para alguém tão certinho você não é nada honesto Dallaz.
Senti meu corpo inteiro esquentar, e o sangue correr por todas as veias. Todas mesmo. Eu devia ter agradecido mais quando ela estava de boca calada.
Comecei a formar um argumento para retrucar, mas ates disso ela se levantou recolhendo as coisas dela e jogando um pedaço de papel na minha frente.
— A minha parte eu terminei, e não me vejo na obrigação de te fazer companhia. — Ela colocou a mochila nos ombros. E bem no ponto que ela estava a luz do sol do frio inverno iluminou seu rosto. — Ja que nenhum de nós quer isso.
— Ótimo. — Acenei com a cabeça e ela saio pelas mesmas portas que apareceu. — Ótimo. — Murmurei novamente encarando as folhas em minha frente e me encostando na cadeira tentando me convencer daquilo.
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Ramé
Roman d'amourEles participavam de grupos rivais. Ele era perfeccionista. Ela era algo que ele nunca conseguiria arrumar.